domingo, agosto 30, 2009

Os hackers e os diplomatas

Le Monde
Yves Eudes


Na internet, o Twitter surgiu como uma nova rede de dimensão planetária, com um poder inigualável. Na vida real, é uma start-up jovem que ainda não encontrou um modelo de negócios. Ela ocupa meio andar de um depósito organizado em lofts, no coração de São Francisco: ao todo, são cerca de sessenta funcionários, todos jovens e amontoados, que trabalham em grupos, sentados no chão sobre almofadas multicoloridas. O hall central, um espaço luminoso com decoração minimalista, é repleto de bicicletas e consoles de videogame. Tudo parece feito para lembrar o fato de que o Twitter foi pensado e criado, antes de mais nada, para ser um instrumento de diversão leve e fútil.

O Twitter é um serviço de "microblogging", instantâneo, que funciona ao mesmo tempo na internet e nos telefones celulares. As pessoas podem entrar e publicar gratuitamente pequenos textos (com no máximo 140 caracteres) com a freqüência que desejarem, para contar um pouco da vida, compartilhar os pensamentos do momento, dar seus avisos sobre não importa o quê. Os "autores" são lidos em tempo real por todos aqueles que decidiram os "seguir", ou seja, que se inscrevem para receber seu fluxo pessoal de mensagens. Quanto mais somos conhecidos - no Twitter ou no mundo real -, mais temos "seguidores". As celebridades conseguiram criar para si mesmas fã-clubes com milhões de pessoas.

O Twitter tem também um papel utilitário. As ONGs o usam para suas campanhas de sensibilização, as empresas para fidelizar sua clientela, os políticos para tentar falar com os jovens. Por outro lado, o microblogging começa a se impor como um novo meio de informação. Todos os dias, nos Estados Unidos, pessoas que presenciam algum acontecimento espetacular ou dramático (crime, manifestação, acidente) usam seu telefone celular para divulgar testemunhos pelo Twitter.

Biz Stone, cofundador e diretor de criação da empresa, lembra que, já em 2008, o Twitter foi o primeiro a anunciar o ataque terrorista em Mumbai: "Nós furamos todo mundo, com informações vindas do coração do evento, enviadas por pessoas que estavam vivendo os acontecimentos. Nós demos um poder imenso ao que antes era a mídia mais fraca, o SMS."

Para ele, não resta dúvidas quanto ao vencedor da batalha que se anuncia entre aos meios de comunicação tradicionais e as "pessoas de verdade". "Neste inverno, houve um pequeno tremor de terra na Califórnia. Nove minutos depois, a agência Associated Press publicou uma nota de 57 palavras sobre o assunto. Mas durante esses nove minutos, o Twitter já tinha publicado 3.800 mensagens, totalizando dezenas de milhares de palavras, que contavam tudo em detalhes. Nós mudamos o ritmo e o conteúdo da informação."

Os meios de comunicação tradicionais tentam utilizar o Twitter em seu benefício. Inúmeros jornais abriram contas para enviar pequenas notícias a seus leitores e os incitar a entrarem em seus sites.

A partir da primavera de 2009, o Twitter avançou sobre o cenário diplomático. Em abril, constatando que os estudantes da Moldova estavam usando o Twitter para relatar sua revolta contra o governo neocomunista, os veículos de informação norte-americanos não hesitaram em batizar o movimento de "revolução Twitter" - mesmo que, no local, a revolução não tenha de fato acontecido.

A notoriedade do Twitter atingiu um novo status em junho por causa da crise que agitou o Irã depois da reeleição contestada do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Novamente, para manter o resto do mundo a par dos acontecimentos, alguns jovens manifestantes iranianos contrários ao regime islâmico usaram o Twitter.

Entretanto, o Twitter decidiu interromper seu serviço durante uma noite (horário da Califórnia) para efetuar uma operação de manutenção. Ao receber a notícia, um responsável do departamento de Estado norte-americano pediu para que o serviço adiasse a operação, para que os manifestantes iranianos não ficassem desligados do mundo em pleno dia - hora de Teerã.

Depois, em 16 de junho, a secretária de Estado Hillary Clinton em pessoa apoiou esse pedido. Durante uma coletiva de imprensa, ela confessou sem meias palavras que não sabia muito bem o que era o Twitter, mas disse estar consciente de seu poder: "Enquanto meio de livre expressão, o Twitter se tornou muito importante, não só para o povo iraniano, mas cada vez mais para os povos do mundo inteiro. (...) É preciso manter aberta esta via de comunicação, e permitir que as pessoas compartilhem a informação, sobretudo num período onde não há muitas outras fontes de informação."

Logo em seguida, o governo iraniano protestou contra essa ingerência sobre seus assuntos interiores, o que provocou uma nova declaração de um porta-voz do governo norte-americano: "O Twitter é uma ferramenta que permite a todos os iranianos se comunicarem. Ele não diz respeito a este ou aquele grupo. De fato, (...) parece que o próprio governo iraniano utiliza o Twitter."

Desde então, o Twitter mudou de status aos olhos do mundo. O preço da fama: em 6 de agosto, ele sofreu um ataque de hackers que bloqueou seus servidores e interrompeu seu serviço durante duas horas. Foi uma operação do tipo "DDOS" (Distributed Denial of Service), que constitui em enviar para um servidor da internet milhões de pedidos simultaneamente durante horas a fio, o que satura completamente o servidor e impede que os usuários legítimos se conectem.

Em um primeiro momento, os hackers precisam tomar o controle de milhares de computadores espalhados pelo mundo inteiro. Eles enviam por e-mail, ou colocam em sites da internet, um vírus que se instala sorrateiramente nos computadores sem que os usuários percebam. Assim, os hackers se colocam à frente de uma rede de "máquinas zumbis" que podem ativar quando desejarem. No dia D, eles ordenaram que todos os computadores infectados enviassem pedidos continuamente para seu alvo. Para a vítima, a agressão parece vir de toda parte de uma só vez. Por isso, os investigadores têm muita dificuldade de localizar os culpados, protegidos por uma multidão de zumbis e repetidores.

Dessa vez, os especialistas em segurança pareceram concordar pelo menos sobre um ponto. O ataque visava de fato apenas um usuário, um georgiano que usava o pseudônimo de Cyxymu (em caracteres cirílicos, Shoukoumi, a capital da Abkhásia, província separatista da Geórgia ocupada pelo exército russo). Os hackers, que não foram identificados, estavam sem dúvida na Rússia. Eles lançaram uma grande quantidade de e-mails falsos em inglês, como se fossem enviados por Cyxymu, e convidaram os internautas do mundo inteiro a visitar suas diferentes páginas pessoais no Twitter, Facebook e LiveJournal. Muitos internautas teriam clicado sobre o link enviado, e esse fluxo de conexões teriam saturado os servidores do Twitter. Isso não foi muito difícil, uma vez que a arquitetura técnica do serviço ainda é muito centralizada e sem dúvida mal equipada em sistemas de segurança.

Cyxymu se chama na verdade George Jakhaia, é um professor de economia de 34 anos, morador de Tbilisi, capital da Geórgia, mas originário da Abkhásia. Depois da guerra entre a Rússia e a Geórgia, em 2008, ele passou a utilizar a internet para promover a causa da Geórgia e denunciar as agressões vindas da Rússia. Seus sites, escritos em russo, atraíam pouquíssimas pessoas.

Desde o dia seguinte do ataque virtual, ele decidiu se valer ao máximo dessa celebridade recém-adquirida. Ele multiplicou as entrevistas e, sem fornecer provas, acusa os serviços de segurança russos de terem fomentado o ataque. Os meios de comunicação ocidentais repercutiram sua versão dos fatos, e muitos especialistas europeus e norte-americanos observaram que esse tipo de ataque muito básico está ao alcance de qualquer bando de adolescentes, pois não são necessários os recursos do Estado para isso. Se o objetivo dos hackers era silenciar Cyxymu, eles fracassaram. Seus sites são muito mais freqüentados hoje do que no passado. Alguns de seus textos foram traduzidos para o inglês e sua conta no Twitter possui milhares de seguidores.

O governo da Abkházia (apoiado pela Rússia) soube evitar a armadilha ao publicar na internet um comunicado condenando o ataque contra Cyxymu, em nome da liberdade de expressão. Por sua vez, os donos do Twitter recusaram-se a entrar no terreno das acusações e especulações geoestratégicas. Depois do ataque, Biz Stone reafirmou que Twitter tinha por vocação continuar sendo um instrumento de diversão e promoção comercial.

O Twitter não se livrou dos hackers. Em 14 de agosto, a sociedade de segurança Arbor Networks publicou um alerta: hackers estavam se preparando para usar o Twitter como vetor para dirigir ataques contra outros sites. Em 16 de julho, o Twitter já havia sofrido um primeiro ataque, menos divulgado pela mídia. Um hacker havia conseguido penetrar em um servidor da internet normalmente utilizado pelos donos do Twitter, e roubado mais de 300 documentos confidenciais sobre a vida da empresa, o estado de suas finanças, suas estratégias de desenvolvimento e suas negociações secretas com outras empresas de internet.

Depois o pirata transmitiu todo o dossiê à revista de informática na internet TechCrunch, da Califórnia. Depois de negociações árduas com o Twitter, a TechCrunch publicou apenas uma pequena parte dos documentos - que foi suficiente para deixar clara a extrema ambição dos dirigentes do Twitter. Eles esperam um dia chegar a um bilhão de usuários, o que fará do Twitter o "pulso do planeta".

Tradução: Eloise De Vylder

terça-feira, agosto 11, 2009

"Gêmea" da Terra será vista em dois anos, diz cientista

RAFAEL GARCIA
enviado especial da Folha de S.Paulo ao Rio

O astrônomo Michel Mayor, da Universidade de Genebra (Suíça), diz que a ciência nunca esteve tão perto de achar um planeta "gêmeo" da Terra fora do Sistema Solar. "Temos grande chance de fazer isso nos próximos dois anos", afirma.

Concepção artística do sistema Gl-581 com planeta rochoso; astrônomo Michel Mayor diz que ciência está próxima de achar planeta "gêmeo" da Terra
Desenho do sistema Gl-581 com planeta rochoso; astrônomo diz que ciência está próxima de achar planeta "gêmeo" da Terra

Ele foi pioneiro no uso da técnica para medir o movimento de estrelas analisando distorções na frequência de sua luz -o chamado efeito Doppler. Quando um planeta gira em torno de seu sol, ele o faz "rebolar" um pouquinho, e a velocidade desse rebolado pode ser detectada assim.

Em entrevista num dos intervalos da assembleia da IAU (União Astronômica Internacional), Mayor disse o que espera ver nos próximos anos.

*

FOLHA - O que o sr. veio apresentar no encontro aqui no Rio?

MICHEL MAYOR - Vim mostrar que aquilo que descobrimos nos últimos dois anos foi uma grande população de planetas de baixa massa. Isso significa massas poucas vezes maiores que a da Terra ou a massa de Netuno. Mais ou menos entre 5 e 20 vezes a massa da Terra. Essa população parece ser bastante frequente. Um terço das estrelas de tipo solar tem esse tipo de planeta perto delas.

As propriedades desse novo tipo de planeta são bem diferentes daquilo que vínhamos descobrindo há alguns anos, que são planetas gasosos gigantes. O recorde é um planeta com uma massa 1,9 vez a da Terra. Estamos perto de achar um de massa igual ao nosso.

FOLHA - Como o sr. faz para detectar a presença desses planetas? Existem várias maneiras, não?

MAYOR - A técnica que estou usando é a do efeito Doppler. Nós tentamos detectar mudanças nas velocidades de estrelas devido à influência gravitacional dos planetas. Mas, recentemente, nos últimos dois anos, grandes progressos foram feitos também por pessoas que estão procurando planetas em trânsito na frente de suas estrelas. É possível achá-los porque eles causam uma pequena queda na luminosidade.

Recentemente, houve uma descoberta interessante feita pelo satélite francês Corot, que achou planetas com poucas vezes a massa da Terra. Estou certo de que nos próximos dois anos temos uma chance bastante grande de detectar um planeta com massa tão pequena quanto a da Terra.

FOLHA - Isso vai acontecer com a técnica que o sr. usa ou com as técnicas usadas pelo Corot?


MAYOR - Com as duas. Nós estamos competindo, e as técnicas são complementares.

FOLHA - Alguns poucos estudos relataram ter conseguido ver planetas diretamente. Isso é uma técnica promissora também?

MAYOR - Sim, mas a luz direta é uma técnica bem diferente. Uma vez que o planeta esteja atrás da estrela, você tem uma pequena queda da luminosidade infravermelha. Isso é um tipo de detecção direta. Outra, direta, é a produção de imagem com óptica adaptativa avançada, uma técnica que corrige a turbulência da atmosfera. Aí você consegue ver pontos minúsculos perto da estrela.

FOLHA - Quantos planetas seu grupo detectou até agora desde 1995, quando achou o primeiro?

MAYOR - Grupos do mundo inteiro detectaram até agora cerca de 350 planetas. Eu e minha equipe podemos reivindicar a descoberta de 150 deles.

FOLHA - Agora que vocês conhecem tantos planetas, é possível dizer se o Sistema Solar é especial?

MAYOR - Temos de ser cautelosos com essa pergunta, porque a amostra de planetas que temos na verdade é ainda pequena. Mas, ao que parece, o Sistema Solar não é nem de longe um exemplo típico. Em todos os sistemas nos quais descobrimos planetas gigantes, eles têm órbitas muito excêntricas [ovaladas], enquanto no Sistema Solar elas são mais circulares.

Com relação aos planetas de baixa massa, descobrimos sistemas com diversos planetas com massa da escala de duas Terras, orbitando perto da estrela, o que não existe no Sistema Solar. Então, em muitos aspectos, o Sistema Solar é diferente daquilo que temos visto.

Mas ainda não podemos dar declarações definitivas. A visão que temos ainda é enviesada.

FOLHA - O que fez o número de planetas detectados aumentar tanto desde 1995? Foi o poder dos telescópios ou os astrônomos aprenderam a olhar para os lugares certos?

MAYOR - Os telescópios tiveram avanços importantes, mas não no poder de coletar luz, que está relacionado ao tamanho do telescópio, e sim na instrumentação. Por exemplo, a precisão típica que tínhamos 15 anos atrás, quando descobrimos o planeta 51 Pegasi b [medindo a velocidade de sua estrela-mãe] era de 51 metros por segundo. Hoje chegamos a uma precisão de 3 m/s.

FOLHA - A detecção de um planeta na zona "habitável", onde a água líquida está presente, será possível?

MAYOR - Sim, na verdade, três meses atrás, quando anunciamos a descoberta de um planeta novo em torno da estrela Gliese 581, nós corrigimos os parâmetros orbitais de um planeta a mais nesse sistema. É um planeta com sete vezes a massa da Terra, localizado na "zona habitável" na órbita da estrela.

FOLHA - Os instrumentos já têm capacidade de investigar a química desses planetas?

MAYOR - Já houve alguns avanços na análise da composição atmosférica. Mas estamos longe de ter capacidade de detectar a chamada "assinatura" química que a vida deixaria num exoplaneta igual à Terra.

FOLHA - Quinze anos atrás, quando o sr. achou o primeiro exoplaneta, já imaginava que hoje teríamos conseguido achar mais 350?


MAYOR - Absolutamente, não. Quando descobrimos aquele planeta, era apenas um. Não tínhamos como extrapolar dados para estimar quantos mais poderiam ser detectados. Um ano depois, quando apareceram alguns outros, começamos a pensar: "OK, temos chance de ver mais deles; não é um objeto tão raro". Ainda assim, ninguém imaginava que o campo de pesquisa cresceria tanto. Hoje, há alguns milhares de pessoas trabalhando nisso.

FOLHA - Quando o sr. descobriu 51 Pegasi b, estava procurando planetas deliberadamente ou houve um componente de sorte?

MAYOR - Nós construímos os instrumentos para conseguir captar com precisão as velocidades e, assim como outros astrônomos, tivemos de fazer pedidos de tempo de observação para o comitê que controlava os telescópios. Ainda hoje temos de fazer isso, e sempre está escrito nos requerimentos que a intenção é detectar planetas gigantes. Não foi sorte.

FOLHA - O que está acontecendo de importante sobre exoplanetas aqui no encontro do Rio?

MAYOR - Uma coisa importante é que três anos atrás nós não tínhamos nenhuma comissão sobre exoplanetas na IAU. Quinze anos atrás não existia nada mesmo e, há poucos anos, demo-nos conta de que o campo é muito importante. Hoje já existem inúmeras conferências internacionais sobre o assunto, talvez até demais.