segunda-feira, janeiro 29, 2007

frases

"A dúvida conservadora deve chamar atenção para os delírios de um Estado sempre autoritário, mesmo que se diga democrático, para a necessidade de rompermos com esse integralismo da felicidade -existem coisas muito mais importantes do que a felicidade-, enfim, que ensinemos aos mais jovens como a vida é um risco eterno, como o ser humano é uma espécie precária, violenta e atormentada pela falta de sentido"

"A modernidade é uma adolescente, uma menina de 14 anos, que chega a um lugar e começa a organizar. Essa é a imagem. Imagine essa menina, que entra na empresa e começa a administrá-la. Joga fora o que foi feito até hoje, começa a inventar todos os procedimentos. Perde-se o que nesse processo?
Perde-se o que uma adolescente de 14 anos perderia administrando uma empresa. Quase tudo"

"A modernidade é a utopia de que a gente vai organizar a agonia. O ser humano é agonia. O ser humano não é alguma coisa que tenha solução"

Chega de modernidade

Luiz Felipe Pondé defende em novo livro a "dúvida conservadora" e contesta a idéia de que os problemas humanos são políticos e sociais


Rodrigo Paiva/Folha Imagem
Luiz Felipe Pondé, professor da PUC e da Faap, vai lançar "Do Pensamento no Deserto"


RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma briga antiga vai ganhar um novo "round" com o lançamento em breve do livro "Do Pensamento no Deserto" (Edusp), reunião de ensaios do filósofo Luiz Felipe Pondé, 47.
Trata-se da peleja entre o pensamento conservador e a modernidade, entendida como a crença na promessa de que a razão humana, de que a ciência, daria conta da realidade e seria capaz de reformar a vida e a sociedade, visando à melhoria do homem.
Contra essa certeza iluminista (que determina a vida no Ocidente desde pelo menos o fim do século 18), levantou-se desde logo o que o professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) chama de "dúvida conservadora". Embora o pensamento conservador tenha tido representantes nobres no Brasil -Pondé cita, entre outros, o crítico Otto Maria Carpeaux e o escritor Nelson Rodrigues-, os problemas que ele coloca raramente são tratados com rigor acadêmico no Brasil.
É o que esse professor de filosofia procura fazer nos dez ensaios de seu novo livro, que tratam de temas como a ciência e a bioética, as literaturas de Fiódor Dostoiévski e Franz Kafka e os entraves do mundo universitário. "Do Pensamento no Deserto" ainda não tem data para ser lançado, mas deve sair neste semestre, diz Pondé.
Na entrevista a seguir ele explica o que é a dúvida conservadora e ajuda a entender declarações como o elogio à Idade Média ("foi tão boa"), o desprezo à busca da felicidade ("existem coisas muito mais importantes"), a crítica à modernidade ("uma adolescente, uma menina de 14 anos, que chega a um lugar e começa a organizar") e a afirmação da existência do mal ("é óbvio que o mal existe; o que talvez a gente possa pôr em dúvida é se existe o bem").


FOLHA - O problema do conservadorismo é a modernidade?
LUIZ FELIPE PONDÉ -
Conservadorismo significa, sem dúvida nenhuma, uma desconfiança enorme em relação à modernidade, compreendida como a crença na razão como instrumento suficiente para o conhecimento. "Conservador" é um termo que não é claro. Mas é razoavelmente correto você pensar que o termo indica desconfiança e mal-estar com relação à suficiência da razão, desconfiança com a idéia de que você possa jogar fora a tradição religiosa, contrariedade à idéia de ruptura -de que o ser humano possa inventar tudo a partir de hoje-, e está também na idéia de que a natureza humana é alguma coisa da qual você deve se aproximar com cuidado e que sempre subentende um certo mistério. FOLHA - Há também uma desconfiança em relação à idéia de autonomia moral e de possibilidade de melhoria coletiva do ser humano?
PONDÉ -
Esse é um ponto central. Aquilo que os ingleses chamam de "melhoristas". Uma desconfiança com a capacidade de o ser humano se auto-inventar e se auto-aperfeiçoar. Isso porque o ser humano é um animal essencialmente orgulhoso. É isso que o define. Outra característica é uma desconfiança em relação à idéia de que os problemas humanos são políticos e sociais. O problema humano é sempre moral.

"A modernidade quis organizar a agonia"

Para filósofo, ruiu a utopia da solução científica da existência: "O ser humano é agonia, não é alguma coisa que tenha solução"


Pondé diz que promessa de felicidade ligada ao iluminismo falhou e que há um "afrouxamento da certeza moderna"


DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, Luiz Felipe Pondé diz que o momento é propício à dúvida conservadora porque há hoje um "afrouxamento da certeza moderna". (RAFAEL CARIELLO)


FOLHA - Para os modernos, o problema está sempre fora do homem?
LUIZ FELIPE PONDÉ -
A tentativa de transformar o problema humano em político-social é já fruto da busca de você afastar o mal que o caracteriza e dizer que o problema é o grupo social, que poderia ser modificado. O problema é sempre o contexto, a família, a classe social...
O pensamento conservador tem uma urticária enorme dessa idéia de progresso, sabe?
Que nós vamos construir muitas estradas, vamos crescer economicamente, as pessoas vão ficar com muitas TVs em casa, e aí a vida vai melhorar.

FOLHA - É isso que o separa ao mesmo tempo de esquerdistas revolucionários e de liberais reformistas?
PONDÉ -
É aí que eles se encontram. A idéia de que você pode construir uma engenharia social para melhorar o homem, a idéia de que você pode identificar a natureza humana e mexer nela. É o que os ingleses chamam de teorias de gabinete.
Faço aqui uma teoria sobre como melhorar o homem. Apago toda a Idade Média, toda a história da humanidade, e acho que nos últimos 200 anos é que a gente entendeu o ser humano. Isso é típico do que causa risadas numa mente conservadora. A idéia de que um cara que escreveu um livro há 150 anos evidentemente sabe mais do que Aristóteles.
Como dizia [Edmund] Burke [1729-1797, filósofo crítico da Revolução Francesa], "a sociedade é um contrato entre os mortos, os vivos e os que não nasceram ainda". Isso implica que não devemos romper com o passado como se a adolescência fosse o paradigma da vida.
Com relação aos "que não nasceram ainda", isso aponta para as fronteiras da crítica conservadora: usaremos embriões para fabricar cremes de beleza. Não temos recursos morais no comportamento humano que indiquem qualquer capacidade de não fazer isso, se isso nos for "útil" -o direito não preserva nada por mais de 40 anos. Somos utilitaristas ferozes e hipócritas. Nossa atenção deve se concentrar nos sucessos da ciência.
Isso não significa negar a pesquisa científica, mas não idolatrá-la. A dúvida conservadora deve chamar atenção para os delírios de um Estado sempre autoritário, mesmo que se diga democrático, para a necessidade de rompermos com esse integralismo da felicidade -existem coisas muito mais importantes do que a felicidade-, enfim, que ensinemos aos mais jovens como a vida é um risco eterno, como o ser humano é uma espécie precária, violenta e atormentada pela falta de sentido e como fracassamos na utopia idealista do progresso.

FOLHA - O que o pensamento conservador crê que possa estar sendo perdido com a modernidade?
PONDÉ -
Faz parte da dúvida conservadora a idéia de que a única forma de fazer frente ao poder são várias formas de poder -brigando entre elas. Por isso que a Idade Média foi tão boa, no sentido de que nela você não tinha nenhuma instância de poder absoluto.
A modernidade é uma adolescente, uma menina de 14 anos, que chega a um lugar e começa a organizar. Essa é a imagem. Imagine essa menina, que entra na empresa e começa a administrá-la. Joga fora o que foi feito até hoje, começa a inventar todos os procedimentos.
É a modernidade. Perde-se o quê nesse processo? Perde-se o que uma adolescente de 14 anos perderia administrando uma empresa. Quase tudo.

FOLHA - A literatura, a arte, são lugares privilegiados de aparecimento da reflexão conservadora?
PONDÉ -
A arte não totalmente, na medida em que ela é tomada por essa febre da vanguarda. A ruptura da ruptura da ruptura.
Isso é quase uma piada. Mas a literatura tem um espaço resguardado porque, como não tem de apresentar resultados, nem progride, ela não se submete de todo à lógica moderna. Sim, você pode pegar um Kafka, um Dostoiévski, uma série de autores onde esse mal-estar com a modernidade aparece. Neles, o que me importa é em que medida o que escreveram serve para eu compreender o mundo, por que a vida é quase sempre uma porcaria, por que, apesar de quase todas as provas em contrário, a maioria das pessoas insiste em viver.

FOLHA - No seu artigo sobre Dostoiévski, o sr. trata do problema do mal. O mal é o grande recalcado da modernidade?
PONDÉ -
Acho que sim. Talvez sim. No entanto o ser humano é capaz de sobreviver a esse totalitarismo de "o homem é bom", e "o mal é contextual". Apesar de Rousseau, o ser humano ainda é capaz de perceber que, na realidade, o mal está nele. Se dissolvo o mal num sistema social, então não sou mal. O mal é concreto em toda parte, embora às vezes tenhamos dificuldade de defini-lo. A questão é em que medida o recalque do mal na realidade não se presta ao ser humano construir uma neurose narcísica. É óbvio que o mal existe. O que talvez a gente possa pôr em dúvida é se existe o bem. Esse sim é mais difícil de compreender.

FOLHA - O conservadorismo parece ganhar força hoje -e isso, no Brasil, é claro. A que se deve isso?
PONDÉ -
Antes de tudo a dúvida conservadora é caracterizada pela idéia de que a gente toma sempre de dez a zero da vida. O momento pode ser propício justamente pelo afrouxamento da certeza moderna.

FOLHA - A promessa parece ter falhado.
PONDÉ -
Sim, nesse sentido da utopia: a reformulação científica do humano, a administração da vida, a solução científica da existência. O que caracteriza a modernidade é a utopia de que a gente vai organizar a agonia. Não resolvem. O ser humano é agonia. O ser humano não é alguma coisa que tenha solução.

domingo, janeiro 28, 2007

Filme sobre Brasil 'violento e corrupto' vence em Sundance

da BBC, em Londres

Um documentário americano sobre corrupção e seqüestro no Brasil ganhou, neste sábado, o prêmio do júri de melhor documentário no Festival de Cinema Sundance, em Utah, nos Estados Unidos.

O documentário Manda Bala, dirigido pelo cineasta Jason Kohn, retrata o Brasil como “um dos países mais violentos e corruptos do mundo”.

O filme acompanha “um político que usa uma fazenda de rãs para roubar bilhões de dólares, um milionário que investe uma pequena fortuna para blindar seus carros e um cirurgião plástico que reconstrói as orelhas de vítimas de seqüestro mutiladas”, diz o comunicado do Sundance que traz a lista de vencedores.

De acordo com o jornal americano Los Angeles Times, o documentário Manda Bala se foca em “como os ricos ficam mais ricos e os pobres tentam se safar fazendo seqüestros e outros crimes”. O filme rendeu o prêmio de melhor fotografia para a cineasta paranaense Heloísa Passos.

Outro filme americano sobre um país latino, Padre Nuestro, do diretor Christopher Zalla, também brilhou no Sundance.

A obra, que ganhou o prêmio de melhor filme, fala sobre dois imigrantes mexicanos que entram ilegalmente nos Estados Unidos por razões distintas e acabam cruzando seus destinos.

O filme Grace is Gone, estrelado pelo ator John Cusack, venceu o prêmio do público de melhor filme. Cusack interpreta um pai que tem que lidar com a morte de sua esposa durante a guerra no Iraque.

Realizado todos os anos no mês de janeiro, o Festival de Sundance é tradicionalmente uma vitrine para o cinema independente americano, organizado pela Fundação Sundance, criada pelo ator Robert Redford em 1981.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Mutantes

Os Mutantes reúnem 50 mil no aniversário de SP e chamam Lula de "el grande banana"

MARCELO NEGROMONTE
Editor de UOL Música


Cerca de 50 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, não pagaram nada para assistir nesta quinta (25) ao memorável retorno aos palcos brasileiros da banda paulistana Os Mutantes, que não se apresentava no país havia quase 30 anos. O evento, que também incluiu shows da Nação Zumbi e de Tom Zé, foi realizado no parque da Independência, em São Paulo, e promovido pela prefeitura para celebrar os 453 anos da cidade.

Com os originais Arnaldo Baptista (teclado), Sérgio Dias (guitarra) e Dinho Leme (bateria), mais a cantora Zélia Duncan, no lugar de Rita Lee, e o baixista Vinícius Junqueira, na posição que foi de Liminha, Os Mutantes trouxeram psicodelia atemporal, uma breve e clara crítica ao presidente Lula, além de rock, muito rock, durante as duas horas de espetáculo. Se a banda, formada no final dos anos 60, estava então à frente do seu tempo, muito graças ao produtor Rogério Duprat, hoje ela é atualíssima.

O show teve um começo triunfal. Zélia, Arnaldo, Sérgio e Dinho desceram as escadarias do Monumento à Independência e caminharam até o palco. Sérgio estava vestido como d. Pedro 1º (aliás, com a roupa e a espada que o imperador usava quando da proclamação da independência do Brasil na imagem imortalizada no quadro de François-René Moreau), Arnaldo usava batina e crucifixo, alusão ao padre José de Anchieta, um dos fundadores de São Paulo, e Zélia, com uma coroa de flores na cabeça e "look de Glória Coelho", trazia um pequeno bolo com a bandeira de SP encravada. E Dinho estava vagamente caracterizado de bandeirante. Fogos explodiram no céu.

O público ocupava todo o parque da Independência até as escadarias do museu do Ipiranga, do lado oposto ao palco. Antes da primeira música, "Don Quixote", Arnaldo tirou o traje religioso e exibiu uma camiseta com a caveira-símbolo do estilista Alexandre Herchcovitch. Foram os primeiros aplausos para ele, que sempre respondia à manifestação com caretas e trejeitos infantis durante a apresentação.

O repertório do show --e a ordem das músicas-- é o mesmo apresentado no Barbican Theatre, em Londres, em maio de 2006, exceto pela inclusão de "Qualquer Bobagem" e a versão em português de músicas cantadas lá em inglês. Esse espetáculo foi o primeiríssimo retorno da banda aos palcos cujo registro foi lançado em CD e DVD em dezembro passado.

Bem mais desenvoltos do que no show britânico, especialmente Zélia e Sérgio, Os Mutantes convidaram Tom Zé, que tinha feito o show anterior da noite, para cantar duas músicas: "Dois Mil e Um", composição dele com Rita Lee, e a citada "Qualquer Bobagem", outra parceria de Tom Zé com o grupo e cuja versão mais conhecida é a da banda mineira Pato Fu.

A voz de Tom Zé, que vestia uma espécie de parangolé com botões de aparelhos eletrônicos e um disco de vinil, só apareceu no quarto final do rock rural-futurista "Dois Mil e Um" devido a problemas no microfone. Em "Qualquer Bobagem", em que cantou com Arnaldo Baptista, tudo parecia desencontrado. Apesar disso, a presença de Tom Zé no palco desse show era uma festa.

Zélia, que não é Rita Lee e não fez papel de "frontwoman", estava à larga na pesada "Top Top" e na sempre linda "Baby", com boas desenvoltura no palco e colocação da sua voz grave. Como disse Arnaldo ao UOL, "Os Mutantes eram muito banana com Rita; com Zélia é mais Led Zeppelin". Veja aqui essa entrevista. "Rock and roooll!", diria Ozzy Osbourne, o equivalente a Arnaldo no espectro "ando meio desligado" do pop.

E o rock veio com tudo em "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer (Cabeludo Patriota)", numa ótima versão quase heavy metal, em "Bat Macumba", o samba mais rock do Brasil, e "Minha Menina", com as distorções originais, além de "Top Top" e sua surpreendente fúria.

"Lulacito, el grande banana"
Igualmente à vontade, Sérgio Dias, que demonstra certa megalomania e parece ter se apropriado de vez dos Mutantes --logo ele, que era o "moleque" da formação original e que deu cara progressiva nos últimos anos da banda em meados dos anos 70--, solou diversas vezes com sua incrível guitarra Regulus (construída pelo irmão Cláudio nos anos 60 e que subiu ao palco pela primeira vez justamente no show londrino do ano passado). O som que sai dela é único, com seus botões e pedais pitorescos, que chegam a emular o barulho de um motor de automóvel, como em "Bat Macumba". Ele era o líder e maestro.

E foi também a voz da banda na crítica que fez ao presidente Lula no cha-cha-cha "El Justiciero", na qual o chamou de "Lulacito, el grande banana" (como Rita Lee?), o que provocou aplausos inerciais e algumas vaias, todos abafados pela continuação da música, que também teve citação pouco elogiosa ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O prefeito de SP, Gilberto Kassab (xingado por parte do público antes de o show começar), ouviu tudo da área vip.

Depois do bis de praxe, com "Bat Macumba" e "Panis et Circensis", a banda voltou novamente ao palco para cantar mais uma vez "Balada do Louco", o que não estava programado ("eu juro que é melhor não ser o normal"...). Foi ovacionada.

Pois bem. Os Mutantes voltaram. Como se o rock psicodélico brasileiro estivesse intacto, porém vivo. Eles farão shows em algumas cidades do país (o próximo é no Rio, dia 3) e no exterior na seqüência. A questão é se essa "volta" vai ser breve e, então, uma aposentadoria geral e irrestrita será o futuro ou se haverá novas e boas canções dos Mutantes do século 21. Se nenhum desses cenários se realizar, "desculpe, babe", o que é memorável hoje pode facilmente se tornar uma piada.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Barack Obama

James Crabtree

Ele já foi capa da revista "Time" e recebeu apoio de Oprah. Seu recente livro, "The Audacity of Hope" (a audácia da esperança), chegou ao primeiro lugar na lista de best sellers do "The New York Times" e também ganhou um prêmio Grammy por melhor gravação falada. Suas palavras são analisadas em busca de pistas, tanto sobre seu caráter quanto suas intenções. O que há no jovem político negro novato com um nome estranho que conquistou a atenção dos americanos?

Dois fatores são cruciais para Barack Obama: seu estilo consensual e seu uso público da fé

Barack Hussein Obama ingressou na consciência americana com um discurso na convenção democrata de 2004, em Boston, que teve uma recepção extática. Na época ele era um político provincial pouco conhecido, concorrendo ao Senado em Illinois. Naquela noite, ele deu uma amostra dos temas que atualmente cativam os Estados Unidos: uma história pessoal notável e a capacidade de usá-la para articular uma versão esperançosa, refletida, do sonho americano.

O discurso foi dividido em dois. Primeiro, ele apresentou uma versão de fácil assimilação de sua criação. Ele apresentou seu pai queniano, que "cresceu pastando cabras, freqüentou a escola em um barraco com telhado de zinco", e seu avô, "que foi cozinheiro e empregado doméstico dos britânicos". Ele contou como o trabalho árduo de seu pai o trouxe aos Estados Unidos, um país onde "as portas da oportunidade permanecem abertas a todos", onde ele conheceu e se casou com uma garota branca do Kansas.

A segunda metade de seu discurso lidou com temas de esperança e oportunidade e com as barreiras modernas a elas. Em uma passagem muito citada, ele atacou "os mestres do 'spin' (distorção para dar aspecto positivo aos fatos), os boateiros negativistas", e declarou: "Os estudiosos gostam de dividir nosso país em Estados vermelhos e azuis; Estados vermelhos para os republicanos, Estados azuis para os democratas. Mas eu tenho notícias para eles. Nós adoramos um Deus incrível nos Estados azuis e não gostamos de agentes federais bisbilhotando nossas bibliotecas nos Estados vermelhos. Nós treinamos ligas infantis nos Estados azuis e, sim, temos alguns amigos gays nos Estados vermelhos".

Da noite para o dia, Obama se tornou uma celebridade política. A forma como o discurso foi feito foi parcialmente responsável, mas apenas oratória não é capaz de explicar o arrebatamento. Após quatro anos de presidente Bush, os democratas estavam desesperados atrás de líderes capazes de articular uma visão. Foi neste discurso que Obama usou a frase "a audácia da esperança", que se tornou o título de seu segundo livro e a mensagem de sua nascente candidatura presidencial.

Raça continua sendo uma questão definidora na política americana. Sem causar surpresa, a pergunta feita com mais freqüência em relação a Obama é: "A América está pronta para um presidente negro?" Obama é atualmente o único negro no Senado e apenas o terceiro desde a Reconstrução. Entender seu apelo envolve primeiro entender o motivo pelo qual sua cor não afasta as pessoas. Não ser descendente de escravos, ele reconheceu, serve como um ponto de partida diferente de muitos líderes negros.

Dois outros fatores são cruciais: seu estilo consensual e seu uso público da fé. Em seus comentários públicos e em seus livros, Obama consegue o raro feito de acrobacia política de parecer tanto confortador quanto franco. Ele não mede esforços para mostrar que considerou respeitosamente as idéias de seus oponentes e se esforçou para encontrar um meio termo. Após dois presidentes altamente divisórios, Obama sente que há um enorme dividendo eleitoral para o político que puder superar a polarização dos anos Clinton e Bush. De fato, a história pessoal de Obama e sua rearticulação refletida dos dilemas americanos oferecem vislumbres de algo novo: uma política pós-baby boomer (a geração pós-Segunda Guerra Mundial).

Há limitações óbvias a esta abordagem. Obama encontrará dificuldade para navegar em meio às exigências conflitantes dos eleitores de uma política bipartidária, consensual, e uma liderança forte. O comentarista conservador David Brooks, um fã confesso de Obama, comentou recentemente que o senador poderia ser visto como o "tipo de sujeito que entra em um restaurante dizendo que há 16 motivos para pedir o peixe e 19 para pedir a carne". Resumidamente, sua ponderação cuidadosa corre o risco de ser rotulada como uma fraqueza, não como uma força.

Também há menos formação de consenso em Obama do que parece. "The Audacity of Hope" está cheio de passagens no qual busca um meio termo com seus oponentes. Mas ele também tende a fazê-lo em temas relativamente pouco controversos.

Apesar de sua lucidez, "The Audacity of Hope" é notavelmente leve em propostas políticas originais. A seção sobre globalização, por exemplo, faz um relato coerente de como a crescente concorrência global está mudando o mercado de trabalho americano. Mas suas soluções experimentais a estes desafios tendem a ser pequenos ajustes, como a introdução de prontuários eletrônicos de pacientes para reduzir gastos em saúde, ou generalizações mornas sobre um "novo pacto social" em educação e investimento. Freqüentemente não está clara qual é a posição de Obama sobre questões como maior liberalização do comércio, maiores proteções ao mercado de trabalho ou reforma dos caros sistemas de aposentadoria e saúde dos Estados Unidos.

A segunda chave para o apelo de Obama, como demonstrado em seu discurso na convenção, vem de sua capacidade de falar na linguagem da religião. Assim como em sua abordagem à raça, a facilidade de Obama com a fé e valores vem em parte de sua criação. Seu pai foi criado como muçulmano, mas se tornou ateísta. Sua mãe era uma batista não praticante, e igualmente não convencida pela religião. Obama cresceu como cético. Em junho de 2006, ele fez um grande discurso sobre religião no qual explicou como foi atraído gradualmente para a fé, tanto pela certeza moral que fornecia quanto por sua contínua crença "no poder da tradição religiosa afro-americana de promover mudança social". Ele destacou "nosso fracasso como progressistas em explorar as fundações morais da nação".

Não é difícil entender por que os democratas estão tão empolgados com a capacidade de Obama de envolver uma política liberal relativamente ortodoxa em linguagem religiosa convincente. Quando Obama escreve que os americanos estão incomodados porque "querem um senso de propósito, um arco narrativo para suas vidas", ele faz uso de uma visão plena de uma boa vida para animar nosso entendimento da política. Isto é mais fácil de dizer do que fazer. Falar de valores e moral na vida cívica é fácil, mas os liberais freqüentemente empacam diante de suas implicações. O que, por exemplo, defende o direito de aborto, de liberdade de expressão ou ação afirmativa a não ser uma estrutura inflexível de direitos liberais?

Tudo isto, é claro, pouco importará se Obama decidir não concorrer. Mas no momento os sinais são de que irá. Ele é popular. Ele provou ser competente em arrecadar fundos. Antes de se tornar senador, ele era contra a guerra no Iraque e agora defende a posição democrata de uma retirada gradual. Ele é jovem e inexperiente. Mas, como ele sem dúvida apontará, Bill Clinton e Abraham Lincoln também eram.

E se ele concorrer? É bem possível que ocorra o que aconteceu com Howard Dean e sua campanha fracasse. Mas mesmo se isto acontecer, a ascensão de Obama nos diz algo sobre o que os americanos querem em seus líderes. Eles vêem em Obama aquele senso de otimismo que seus melhores políticos -Kennedy, Reagan, Clinton- projetam. Mas é nisto, em vez das deficiências de suas políticas, que Obama enfrenta o maior risco de fracasso.

Em seu mais recente livro, ele descreve o fim de um comício de campanha. "As pessoas geralmente sobem para apertos de mão." Quando falam com ele, elas freqüentemente dizem: "Por favor, permaneça fiel a quem você é... por favor, não nos decepcione". A passagem é escrita com conhecimento. No final, Obama certamente decepcionará muitos daqueles que agora o exaltam. O quanto disto será capaz de fazer sem fracassar politicamente determinará se sua promessa extravagante é mesmo que parcialmente realizável.

*James Crabtree é um alto assessor de políticas da New Democrat Network

terça-feira, janeiro 23, 2007

Livro reconta a história sob a ótica iconoclasta

ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A expressão "contracultura" nos remete aos anos 60 de passeatas, hippies, drogas, rock sério e sexo livre, tempos de transição entre o Technicolor da psicodelia e o vermelho-e-preto de maio de 68. Essa lembrança desdobra-se mais adiante nos pais e filhos dessa geração clássica. Antes, os "beats", o jazz e o blues, James Joyce e os xamãs; e, depois, a cultura rave, clubber, nerd e geek, o hip hop e o ativismo político eletrônico.
"Contracultura Através dos Tempos" amplia ainda mais esse escopo e reconta a história da humanidade do ponto de vista da quebra dos valores tradicionais e do espírito inquieto das épocas de mudanças. O livro (assinado pelo nome de batismo -Ken Goffman- do ativista e escritor R.U. Sirius) determina um Prometeu hedonista e um Abraão iconoclasta como pais dessa cultura da mudança. Judaísmo, a Paris do século 19, Thoreau e Whitman, trovadores medievais, taoísmo, zen e sufismo, Sócrates e o iluminismo apontam para a acid house, a internet, o ambientalismo e a Nova Esquerda, numa árvore genealógica dessa história paralela.

Do contra

Pai da cultura ciberpunk e discípulo de Timothy Leary, Ken Goffman lança histórico das contraculturas, que inclui filosofias orientais e a era digital; tropicalismo aponta ao futuro, diz ele

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

O discurso histórico convencional determina que os movimentos contraculturais surgiram nos anos 1950, com os "beats" nos EUA. Quando muito, este discurso inclui referências às influências da boêmia artística européia dos anos 1900. Quem aponta a limitação histórica é o escritor americano Ken Goffman, que em "Contracultura Através dos Tempos" (Ediouro), tenta ampliar o leque, resgatando o caráter contracultural de mitos, de outros "ismos", e da cultura digital.
Para Goffman, que vê no tropicalismo o futuro da contracultura, falta, por exemplo, revelar "o caráter e vocação antiautoritários, contraculturais e até alegres que fizeram parte do zen-budismo e do taoísmo".
"Eu particularmente gosto de explorar o sufismo radical, que inclui grupos como os Qalanders, que corriam nus, tomando alucinógenos e se comportando de modo excêntrico, no Oriente Médio e sul da Ásia, no século 13", exemplifica Goffman, em entrevista à Folha.

Idéias de Leary

Goffman conta que as idéias originais para um livro sobre a história das contraculturas surgiram por volta de 1994 e partiram de Dan Joy, co-autor do título, e de Timothy Leary, que assina a introdução. Escritor e psicólogo americano, que defendeu o uso do LSD, Leary morreu em 1996, e seu último livro, "Design for Dying", foi concluído por Goffman.
A abordagem de seu histórico da contracultura, avisa Goffman, não é acadêmica. Ele tem como chancela sua experiência como co-fundador da "Mondo 2000", espécie de bíblia da cultura ciberpunk dos anos 1990. E parte da idéia de que a ruptura com a tradição é, também ela, uma tradição.
É nesse contexto que o autor inicia o livro com uma comparação ligando dois extremos de sua cronologia: Prometeu, divindade grega que roubou de Zeus o dom do fogo, para dar aos homens, é um deus hacker. Do mito grego, Goffman parte para Sócrates, passa pela revolução cultural e política dos iluministas, fala das "brilhantes explosões de riso" da Paris boêmia. E chega até o movimento "situacionista", que deu origem ao Burning Man. Nascido em San Francisco, nos anos 80, o festival anual reúne tribos diversas no deserto de Nevada, para fazer arte e dançar.
Quando fala dos hippies, Goffman faz ressalvas: ao menos nos EUA, eles foram superestimados, se comparados com os punks:
"O movimento foi uma grande explosão de entusiasmo psicodélico que ameaçou ou prometeu acabar com a monotonia através de pura celebração. Mas o punk trouxe a idéia do "faça você mesmo", das pessoas sendo responsáveis por criação e suas vidas, sem a necessidade de assistência corporativa. É uma vocação mantida por muitos movimentos sociais e políticos pós-60, e que está no centro dos melhores aspectos da cultura de internet, como o "open source", os wikis, as comunidades virtuais, o YouTube etc."
Otimista com a tecnologia, pessimista com os dogmas da nova esquerda, Goffman lembra que a guerra cultural de obediência e conformidade versus experimentação e antiautoritarismo nunca termina. Ela permanece viva em todo lugar, com exceção, talvez, da fechadíssima Coréia do Norte.
"Há expressões culturais e artísticas férteis, e rebeldes, no Irã, Israel e China. O anarquismo de esquerda do movimento zapatista do México é altamente original. Havia um forte elemento artístico boêmio em Bagdá, antes da invasão americana. E, mesmo agora, se você ler blogs do Iraque, vai perceber que elementos contraculturais se tornaram tão presentes lá como nos EUA ou no Brasil. Está em toda a parte."

Brasil
Goffman dedica algumas páginas do histórico ao tropicalismo, que ele disse ter descoberto lendo "Verdade Tropical", de Caetano Veloso, e "Brutality Garden", de Christopher Dunn. O movimento aparece como uma expressão contracultural do Terceiro Mundo, que o autor julga apontar para o futuro.
"O tropicalismo foi uma hibridização de formas culturais e idéias radicais norte-americanas e européias com nativas. É um exemplo de multicultura global, em contraponto com uma monocultura global, em que todas as culturas se interpenetram e trazem um sabor próprio à festa", analisa o autor. "E ele aponta para o futuro, porque, até agora, o discurso sobre contracultura tem focado nos EUA e no Reino Unido, e esta narrativa vem se abrindo à medida que o mundo se aproxima, com avanço nos transportes e comunicações", conclui.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Reborn in Christ - Justiça fecha 7 igrejas da Renascer nos EUA

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
enviado especial da Folha de S.Paulo a Miami


A Justiça dos EUA determinou nos últimos anos o fechamento de ao menos sete templos da Igreja Renascer em Cristo, de propriedade de Sonia e Estevam Hernandes, no Estado americano da Flórida. Hoje, apenas uma sede permanece aberta em Deerfield Beach, nas cercanias de Miami, batizada de "Reborn in Christ", versão do nome em inglês.

Irregularidades na licença de funcionamento e falta de clareza nas arrecadação de fundos motivaram a interdição, segundo a Folha apurou. Nos EUA, as igrejas também são isentas de imposto de renda, mas têm de prestar contabilidade ao fisco sobre a origem e o uso dos recursos arrecadados com os fiéis. Uma das acusações da Justiça é que o casal usava as igrejas como fachada para um esquema de lavagem de dinheiro proveniente do Brasil.

A Folha esteve na última segunda-feira, incógnita, na filial americana da Renascer, num shopping a meia hora de carro de Miami, região que concentra a segunda maior comunidade de imigrantes brasileiros nos EUA, depois de Nova York.

Decorada com paredes em tom azul celeste e branco (alusão ao céu), a igreja é liderada pelo pastor Levy, que pede orações (e contribuições) para a fundadora da igreja, a bispa Sonia. Os motivos da prisão do casal (o contrabando de US$ 56.467 em dinheiro vivo e depoimentos falsos à polícia de imigração) não são revelados.

"As notícias que vêm do demônio vão nos separar do amor do nosso santo Deus?", pergunta Levy três vezes. "Não", respondem os fiéis em uníssono, a maioria jovens. No palco, uma banda toca músicas evangélicas. A platéia parece gostar e sabe os refrões de cor. Os cultos acontecem de segunda a sábado às 20h30 e aos domingos às 11h, às 17h e às 19h30.

"Senhor, nós levantamos nossos envelopes e colocamos neste envelope nosso coração, senhor", é o bordão, repetido diversas vezes ao longo do culto, celebrado em português.

Nesse momento, os féis levantam os envelopes em que serão ofertadas as doações em dólar. Diferentemente do templo do Cambuci, em São Paulo, em Miami não se pode doar em cheque ou com cartão de crédito, mas a palavra dinheiro não é mencionada nenhuma vez. O fiéis se abraçam, depositam os envelopes no altar.

Há dez anos, o casal Estevam e Sonia viaja no mês de janeiro a Miami para conduzir cultos da "Reborn in Christ" e promover shows evangélicos, cuja entrada é paga.

Caixão de luxo do operário não cabia no jazigo

LAURA CAPRIGLIONE
da Folha de S.Paulo


Morto sob 38 metros de terra no desabamento da estação Pinheiros do metrô, o motorista de caminhão Francisco Sabino Torres, 47, transportava 30 mil kg de terra todos os dias no caminhão Mercedes-Benz 2638 que pilotava a serviço do Consórcio Via Amarela. Ele teve de enfrentar a terra de novo na hora do enterro.

Velório realizado em sua casa, na rua Santa Terezinha, Vila Guilherme, bairro de Francisco Morato, Grande São Paulo, o féretro estava marcado para sair ontem às 9h em direção ao cemitério da Alegria. Não deu.

Nessa hora, sob chuva, a rua de terra era lama intransitável. O carro da funerária desistiu. Cerca de 20 operários do consórcio, que foram ao enterro, ofereceram-se para carregar o caixão nas costas --ladeira acima, 200 metros até o asfalto.

Câmeras de TVs ao vivo, a prefeita Andréa Pelizari (PSDB) mandou um trator jogar brita para estabilizar o terreno. O carro funerário conseguiu sair às 11h, sob aplausos de colegas, vizinhos e familiares.

No cemitério, outro problema: os jazigos foram construídos na medida padrão das urnas mortuárias populares. O caixão do motorista Torres era especial, de luxo, pago pelo Consórcio Via Amarela. Resultado: não cabia no retângulo concretado. Demorou. A solução foi enfiá-lo de lado.

O secretário estadual de Justiça, Luiz Antonio Marrey, que fora levar conforto aos familiares, não esperou. O corpo ainda estava encalacrado e o helicóptero da PM com Marrey a bordo sobrevoou o campo santo, voltando para São Paulo.

Pai de três filhos (Kelly, 19, Adilson, 16, e Danilo, 15), marido de Maria Sinhazinha Torres, o motorista era líder comunitário. Passou os últimos 20 anos, tempo de moradia em Francisco Morato, lutando por asfalto. Não deu tempo. Francisco Morato, 200 mil habitantes, só uma indústria instalada, é cidade-dormitório dona dos piores indicadores sociais do Estado. De 1.500 ruas, apenas 400 são pavimentadas. O resto é terra.

As pessoas estão vivendo como zumbis

"Em entrevista exclusiva, a top conta que vai abrir fundação, escrever livro e diz que não assiste TV, porque é um meio pouco criativo

Para modelo, que está no Brasil para o desfile da Colcci que encerra o Fashion Rio, as pessoas preferem viver a vida das celebridades

A modelo Gisele Bündchen está cheia de planos. Dentro em breve, quer abrir uma fundação e fazer um livro sobre a sua carreira. Mas seu projeto pessoal mais acalentado é outro: deseja se preparar para ser atriz. E a TV não está de modo algum nos seus planos. "Eu não assisto TV, não tenho paciência. Tem tantas coisas mais inteligentes que a televisão poderia estar fazendo e não faz!... Agora, eles só fazem "reality shows". Prefiro uma coisa mais criativa", diz.
Gisele, a top model mais famosa do mundo, está no Brasil para o desfile da grife Colcci, que encerra hoje à noite a temporada outono-inverno do Fashion Rio. A Folha conversou com a modelo num estúdio no Rio, antes de ela ser maquiada para a nova campanha da grife catarinense, fotografada por Gui Paganini e com direção de arte de Giovanni Bianco.
Sentada na cadeira do maquiador, Gisele falou dos distúrbios alimentares no meio da moda, da importância da educação familiar para criar segurança nas modelos, aconselhou as pretendentes à top model e fez um diagnóstico sobre o culto atual pelas celebridades.
"Hoje parece que as pessoas querem saber mais sobre quem namorou, casou ou divorciou do que das coisas que acontecem no mundo. Você sabe por que isso acontece? É porque 90% das pessoas estão vivendo como zumbis", afirmou.


FOLHA - Existe hoje uma grande preocupação com os distúrbios alimentares no meio da moda. O que você teria a dizer às novas modelos quanto a isso?
GISELE BÜNDCHEN - É uma situação muito delicada. Você não pode generalizar e dizer que todas as modelos têm anorexia, assim como não dá para dizer que todos os jornalistas ou advogados são assim ou assado. É óbvio que, na moda, é preciso ser mais magra do que a média, isso faz parte do trabalho das modelos, e as roupas dos designers caem melhor nestas pessoas mais magras. Mas eu diria também que é muito importante as pessoas serem saudáveis.
Eu comecei com 14 anos e sempre me alimentei superbem, até demais. Algumas pessoas vão além dos limites, pois se sentem inseguras e, principalmente, não têm apoio familiar. Acredito que esses distúrbios são provocados por falhas na educação familiar.

FOLHA - Na carreira, você chegou a ser pressionada para emagrecer?
GISELE - Nunca. Eu obviamente já vi isso acontecer. Quando fazia desfiles havia meninas que não comiam. Mas nem todo mundo é assim. Mas, quando comecei, chegavam para mim e falavam: "Você tem um nariz ridículo, nunca vai ser capa de revista". O que eu poderia fazer?
Ficar chorando ou fazer uma plástica? Não fiz nada disso, pois meu pai falou para mim: "Gisele, quem tem personalidade tem nariz grande. Você tem muita personalidade". E eu toquei a vida pra frente. Os princípios, a educação: tudo vem da família. É a educação que te dá segurança. Nem todo mundo nasceu para ser Marisa Monte, com aquela voz linda e aquele talento todo. Se eu não sou Marisa Monte, não é por isso que vou me deprimir. Vou continuar a minha vida.

FOLHA - Mas o que dizer às meninas que tentam ser modelos e não estão estourando? Ou àquelas que tentaram e não conseguiram fazer sucesso?
GISELE - Cada um tem um caminho diferente, mas é sempre importantíssimo ser realista. Acho que é legal você ir até lá e tentar, se é isso que você quer. Mas, se não der, tudo bem. Gente, tem 1 bilhão de meninas querendo ser modelo. Que eu saiba, apenas dez vão fazer sucesso. Outras vão trabalhar por um tempo e depois terão que fazer outra coisa. A carreira é muito curta, é um momento. É muito difícil conseguir atravessar este momento e continuar com sucesso. É preciso ter senso para perceber que, se não der para ser top model ou ser a Marisa Monte, você deve fazer outra coisa. Deve estar aberta para a vida, com suas surpresas. Se você foca demais, obsessivamente, bloqueia as outras oportunidades da vida.

FOLHA - O que você pretende fazer depois que encerrar a carreira de modelo?
GISELE - Quero fazer um livro. Não uma biografia, que é para quando eu tiver 90 anos. Mas um livro sobre a minha carreira, contando o que aconteceu. A gente tem todas essas fases, criança, adolescente, os filhos, virar avó, eu quero viver todas elas. Mas decidi que não vou mais controlar minha vida como se estivesse num túnel.
Também gostaria de tentar ser atriz. Adorei atuar em "O Diabo Veste Prada", foi como se tirasse férias do meu trabalho. Fiquei abalada de estar perto da Meryl Streep, que eu amo. Mas sei que tenho que me esforçar muito para ser atriz. Também estou trabalhando para abrir minha própria fundação. Mas ainda é uma coisa embrionária.
Estamos fazendo pesquisas há um ano e meio para saber em que área a atuação desta fundação seria realmente efetiva.

FOLHA - Você não gostaria de fazer televisão?

GISELE - Não, preferiria atuar, porque, quando você atua, existe um ato de criação. E, quando você faz um programa de TV, não é exatamente uma criação.
Quando eu desfilo ou fotografo, por mais que seja eu mesma, para cada cliente eu estou tentando trazer uma outra personagem. Se você olhar para as minhas fotos, vai ver várias personagens. Eu não assisto TV, não tenho paciência. Prefiro ler. Tem tantas coisas mais inteligentes que a televisão poderia estar fazendo e não faz!...
Agora, eles só fazem "reality shows". Eu acho isso horrível. Prefiro uma coisa mais criativa.

FOLHA - Outro dia fotografaram você numa praia, arrumando o biquíni, e a foto foi muito comentada porque nela aparecia seu bumbum. Os paparazzi perturbam muito?

GISELE - Olha, eu acho que o mundo está ficando cada vez mais ridículo. Eu estava numa praia particular, sem nenhum ser humano por perto, e surge do nada este fotógrafo para tirar uma foto. O mundo está cheio de problemas, e as pessoas de repente passam achar que uma mulher arrumando um biquíni é a coisa mais importante. Hoje parece que as pessoas querem saber mais sobre quem namorou, casou ou divorciou do que das coisas que acontecem no mundo. É ridículo. Você sabe por que isso acontece? É porque 90% das pessoas estão vivendo como zumbis. Elas têm medo de olhar para dentro delas mesmas. Preferem viver a vida das outras pessoas, e não as suas vidas. Elas não estão despertas para o mundo, para as suas vidas. São como zumbis.

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HILDA HILST: A POETA QUE NÃO SABIA AMAR

De personalidade complexa, cristalina e sem artifícios, a autora de "Qadós" continua sendo lembrada três anos após sua morte

por Antonio Naud Júnior


A última palavra que ouvi da boca de Hilda Hilst soou terrível, como uma punhalada mortal: "Judas!", disse-me emocionada, chorando. Era o fim de um bonito relacionamento, causado por um modesto ensaio de 14 páginas, "Hilda Hilst - A Consciência Inquieta e Atormentada", sobre a sua vida e obra, que eu havia escrito com a única finalidade de presenteá-la de forma original no dia dos seus 62 anos. Semanas antes, ingenuamente, havia enviado cópias do texto para alguns amigos da autora de "A Obscena Senhora D" (1982), pedindo confirmação a respeito de alguns fatos abordados. Um deles (ou mais de um?) aproveitou a situação para num golpe fulminante cortar a minha cabeça, já que em todos os reinos existem ciumeiras e intrigas. Afastado da abelha-rainha, nunca mais voltei a vê-la. Logo eu, um garotão maluco por ela, que amava passar finais de semana na sombria Casa do Sol, um sítio próximo de Campinas.

Encantado com a voz bonita, de tom articulado e grave, desfiando histórias picantes, eu ria com o humor demolidor da idosa dama desiludida. Conversávamos fervorosamente sobre extraterrestres, experiências místicas, Deus, poesia, filmes, atores, cineastas. Ela me perguntava coisas sobre a minha vida, impressionada com o meu nascimento numa fazenda de cacau. Também muitas vezes eu cozinhava ou preparava chás, já que a escritora não sabia fritar nem um ovo; nos braços, colocava-a para dormir, embriagada, além de divulgar sua produção literária na mídia, dentro de minhas minúsculas possibilidades, e insistir para que concedesse entrevistas. Num dos nossos melhores momentos, comovido, acompanhei o nascimento dos versos de "Do Desejo" (1992), profundos como um oceano, que ela finalizou sem qualquer correção, como sempre o fez nos livros anteriores. Entretanto, percebi imediatamente que Hilda Hilst nunca estava satisfeita, queixando-se quase sempre, querendo mais. Nada era bom o bastante, nem os prêmios literários, nem as traduções de sua obra para o francês e o italiano, nem os elogios de consagrados críticos literários. Hilda me parecia radiante, iluminada, fraterna, mas terminaria por descobrir um coração ferido, uma luta constante entre o instinto de sobrevivência e a autodestruição.

NINHO DE VÍBORAS

Acusado injustamente, o boicote brutal me fez perder um bom emprego e as portas de diversos conhecidos meus, escritores e jornalistas, fecharam-se. Assim, aprendi cedo que o mundo literário é um ninho de víboras, tão selvagem como qualquer campo de batalha. Entretanto, qual o motivo da censura imperdoável ao tal controverso ensaio? O que escrevi, a poeta de "Cantares de Perda e de Predileção" (1983) contava abertamente, encantadora e sarcástica, rodeada de estudantes de literatura ou poetas de todo o Brasil, como uma moderna Sherazade, entre uma dose de uísque ou outra e muitos cigarros, enquanto assistíamos a telenovela das oito, sem jamais pedir segredo e traduzindo uma confiança inabalável em seu passado irreverente. Talvez o ponto vulnerável estivesse em uma vivência relatada oralmente, vista de uma só vez estampada no papel. Mas por que eu deveria seguir os passos da maioria dos narradores da história da polêmica escritora, omitindo fatos essenciais e ficando apenas na exuberância superficial? Eles, quando contam algo incômodo, em carne viva, entornam mel, praticamente pedindo perdão ao leitor e, principalmente, a biografada. É difícil cavar o fosso entre o mito e a realidade. Segundo um dos personagens de Dostoievski, "um homem saciado não pode compreender um faminto e nem mesmo um faminto pode compreender um outro". O evidente é que Hilda Hilst nunca se preocupou em ocultar sua vida privada. Parecia não ser importante para ela.

ALÉM DE BONITA, PENSA E ESCREVE

O ensaio percorre labirintos ouvidos, diversas vezes, dos lábios da própria poeta: o pai, o fazendeiro de café e jornalista, Apolônio Almeida Prado Hilst, tentando seduzi-la num manicômio; a demência irrecuperável da mãe, Bedecilda Vaz Cardoso, após encontrar o amante bem mais jovem, um piloto, com outro homem na sua própria cama; na Livraria Planalto, no centro de São Paulo, a mocinha Hilda saboreando chá quase que diariamente com Oswald de Andrade e sua turma, e ouvindo deles: "além de bonita, pensa e escreve"; a virgindade perdida aos 20 anos, sem compromissos, por livre e espontânea vontade; a atração pueril pelo astro Marlon Brando, levando-a a pernoitar no Ritz de Paris e terminando por espiá-lo na intimidade lúbrica com o galã francês Christian Marquand, depois de subornar um segurança do hotel; anos de futilidade e luxúria, vestida quase sempre com modelitos de Denner, da Casa Vogue ou de Madame Rosita; os namorados ricos que lhe ofereciam jóias, peles, viagens para o exterior e até um Mercedes-Benz; os pileques e farras no seu sofisticado apartamento da Alameda Santos, em São Paulo, com uma turma de famosos que incluía Jô Soares, Mira Schaendel, Cassiano Gabus Mendes, Renata Pallotini, Bráulio Pedroso, Massao Ohno, Lupe Cotrim, Raul Cortez, Eva Wilma, Cacilda Becker, entre outros; os amantes descartáveis recolhidos em bares, restaurantes e rodovias; o horror a mulheres e crianças, as quais chamava de "crionças", que a levou a fazer abortos; coisas notáveis em matéria de mediunidade; gravações de vozes do além através de ondas radiofônicas; vultos assombrados passeando pelo jardim; o alcoolismo; a velhice mal-resolvida, incomodando-se com rugas, flacidez, cabelos brancos ou a pele muito clara cheia de manchas de senilidade; o planeta Marduk, aonde iria depois da morte etc. Tamanha parafernália deveria fazer parte de qualquer biografia honesta de Hilda Hilst, um dos maiores ícones literários brasileiros do século 20. Ela os revelava com detalhes para quem quisesse ouvir, entre uma torrente de palavrões, muitas vezes caindo na gargalhada, noutras se ensopando de lágrimas.

HIPER LUCIDEZ E LIBERDADE

Mesmo descartado, jamais deixei de amá-la, lembrando até hoje da sua beleza, porte, inteligência, cultura e talento. Ela foi a figura mais admirável, lúcida, livre e inteligente que conheci. Ao saber da sua morte, realizei um ritual em sua homenagem, em pleno inverno catalão nas montanhas dos Pirineus, lendo poemas de seus poetas mais amados: Holderlin, John Donne, Rainer Maria Rilke, Fernando Pessoa, Jorge de Lima, T. S. Elliot, René Char, Saint John Perse e Federico Garcia Lorca. Hilda Hilst morreu solitária, depois de longos meses de enfermidade, com falência múltipla dos órgãos, em 3 de fevereiro de 2004, às 3 da manhã, magrinha, alojada numa aparência de 90 anos, ela que foi uma das mulheres mais lindas de sua época - parecida com a atriz sueca Ingrid Bergman; namorou astros de Hollywood (Tony Curtis, Jeff Chandler e Dean Martin) e o milionário Howard Hughes (o mesmo do filme de Martin Scorsese, "O Aviador / The Aviator", 2004); ela que um dia recusou pedido de casamento de Vinícius de Moraes e o assédio de Carlos Drummond de Andrade, que lhe dedicava poesias eróticas e a seguia timidamente pelas ruas do Rio de Janeiro.

AVERSÃO AO MOVIMENTO CONCRETISTA

Lembro que Hilda levantava por volta das dez horas, passava óleo de amêndoa na pele e caminhava lentamente até o canil, alimentando 15 cães vira-latas. Depois iniciava o seu trabalho, sempre numa máquina Olivetti portátil. Ela vivia nesse tempo com o salário razoável de artista residente da Universidade de Campinas, que injustamente terminaria por ser cortado. Aproximando-nos ainda mais, tínhamos o mesmo livro favorito, "O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights" (1847), de Emily Brontë. Ouvíamos as sinfonias de Gustav Mahler, fazíamos leituras de poesias e eu me emocionei quando descreveu com perfeição a aparência doentia do escritor mineiro Lúcio Cardoso, que ela conhecera na década de 50. Entre o lirismo e o escracho, esbravejava contra a mediocridade renitente, não apreciando o relato com começo, meio e fim. Tinha aversão ao concretismo e duvidava da consagração acadêmica, no exterior, de Machado de Assis. "É mentira. Machado só é lembrado no Brasil porque faz parte do currículo escolar, caso contrário seria esquecido e não faria falta", afirmava. Egocêntrica e hipocondríaca, tomava vitaminas em excesso por uma simples gripe. Odiava ser chamada de poetisa, achando que o feminino diminuía a grandeza do poema, e renegava quase todos os escritores e poetas brasileiros, somente apreciando Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Jorge de Lima.

SENTIR MAIS, DEFINIR MENOS

Mesmo atualmente com suas obras completas (40 livros em 19 volumes) sendo publicadas pela Editora Globo, e seu arquivo no Cedae da Unicamp, disponível para pesquisas, a escritora paulista passou anos em luta contra o esquecimento, o desdém do público e da crítica. De ascendência ibérica do lado da mãe e franco-alemã do lado do pai (os Hilst vieram da Alsácia, região entre a França e a Alemanha), nasceu em Jaú, no interior de São Paulo, em 21 de abril de 1930, estudou Direito na Faculdade do Largo do São Francisco, sem nunca ter exercido a profissão, e lançou o seu primeiro livro em 1950, "Presságio". Lia em francês, inglês e espanhol, mas não falava nenhuma língua muito bem. De rara beleza, comportava-se na juventude de maneira avançada, numa desregrada vida boêmia, escandalizando a sociedade paulista e despertando paixões sem futuro. Em 1966, depois da leitura de "Cartas a El Greco / Raport Catre El Greco", a última obra do grego Nikos Kazantzakis, escrita em 1956, resolveu abandonar essa vida fútil, procurando sentir mais a cintilância do invisível e definindo menos a realidade. Mudou-se para a Casa do Sol, transformando completamente seu cotidiano, passando a enxergar entidades e tendo vivências fora do corpo. Publicou uma série de obras em ficção e poesia (seu teatro, bastante ruim, permanece inédito), destacando-se a obra prima "Fluxo-Floema" (1970), "Qadós" (1973, o livro favorito dela), "Da Morte. Odes Mínimas" (1980) e "Amavisse" (1989). Em 1992, escandalizou o mercado editorial e seus leitores fiéis com "O Caderno Rosa de Lori Lamby", uma pequena e risível novela supostamente pornográfica.

À PROCURA DE DEUS

Encontrei Hilda Hilst pela primeira vez alguns meses antes da publicação de "Contos D'Escárnio / Textos Grotescos" (1990). Na ocasião, era mais conhecida por uma espécie de anedotário do que pela leitura de seus escritos. Chamavam-na de louca, visionária, bruxa, cortesã e até de porca histérica em reportagem do jornal francês "Libération". Porém, quisessem ou não, já era um dos pilares da literatura brasileira. Sua vasta obra, seja de poesia ou prosa, é densa, marcada pela busca incessante da individualidade e da procura ingrata de um Deus não-religioso. Hermética, vasculha uma realidade além do visível, além do palpável e do pensamento lógico. Utiliza a linguagem de forma especial e vigorosa, como meio de desestruturação, reformulação e catarse. "Existe um grande preconceito contra a mulher escritora. Você não pode ser boa demais, não pode ter uma excelência muito grande. Se você tem essa excelência e ainda por cima é mulher, eles detestam e te cortam. Você tem de ser mediano e, se for mulher, só faltam te cuspir na cara", dizia. Entretanto, exagerava. Foi bem-sucedida ainda em vida, comentada, estudada, elogiada, pouco lida, evidente, contudo são raros os grandes escritores populares. O crítico literário Leo Gilson Ribeiro chegou a defini-la como "o maior escritor vivo em língua portuguesa". Brilhante e desbocada, sentia saudades da juventude rica e glamourosa, em que era paparicada por todos. Paupérrima nos seus últimos anos, sofria por isso, pedindo dinheiro emprestado e driblando credores. Já havia vendido as obras de arte e todo o patrimônio que possuía para suprir necessidades imediatas. A péssima situação financeira fez com que escrevesse para a Fundação Nestlé rogando leite para alimentar seus estimados cães. Na sua conturbada biografia, calçada em alegrias e tragicidades fervorosas, inclui-se amizades vulcânicas, fatais, vertiginosas, entre a generosidade e a tormenta. O seu temperamento inconstante a fez perder inúmeras e preciosas amizades, às vezes com controvérsias irreversíveis e brigas homéricas, como o episódio do lançamento de uma antologia, onde quebrou um copo e ameaçou sangrar a escritora Edla van Steen, pois esta não parava de chamá-la, sussurrando, de meretriz. Caio Fernando Abreu, que morou um ano em seu sítio, fez primorosas entrevistas com a escritora e resenhas sobre seus livros, depois se tornou persona non grata para todo o sempre. Nunca soube realmente o motivo da inimizade deles, nem ele nem ela conseguiam explicá-la claramente. Hilda o acusava de falsidade, de perversidade e de escrever uma literatura estúpida. Ele sofria com isso.

O MEDO DE AMAR

Certa vez, num dos nossos passeios no enfeitiçado jardim da Casa do Sol, pouco antes do anoitecer, cheia de afetividade e mistério, disse-me que tinha medo de amar. Hilda Hilst acreditava que ninguém era feito para um outro: "Essa história de bossa alma gêmea é parvoíce. Coisa de folhetim e filmecos melosos", afirmava áspera, preferindo acariciar o dorso indomável da fera-solidão. Ela zombava do amor. Casou-se com o escultor Dante Casarini pressionada por sua mãe conservadora, talvez cansada de vê-la solteira e alvo de línguas ferinas. Belo e cúmplice, Dante foi uma companhia bondosa. Poucos anos depois, trocado por um escritor de origem espanhola, José Luís Mora Fuentes, de 17 anos (Hilda beirava os 40), solidário, continuou a ampará-la. Houve uma época em que ela se apaixonou pelo jornalista e boxeador João Ricardo Barros Penteado e, por fim, pelo primo Wilson Hilst, vinte anos mais jovem. Ciumento e dominador, ele costumava presenteá-la com flores e chocolates, contudo, sua paranóia renitente acabou por levá-lo a aprisioná-la, durante alguns dias, no seu quarto. Ela teve uma espécie de obstinação romântica por Júlio de Mesquita Neto, apelidado por ela de Lili e um dos diretores do jornal Estado de S. Paulo. Escreveu para ele os extraordinários poemas de amor de "Júbilo, Memória e Noviciado da Paixão" (1974), recentemente musicados por Zeca Baleiro. Infelizmente, ele não aceitava a vida libertária da poeta e evitou a união. No entanto, Hilda Hilst jamais amou de corpo e alma. O seu temperamento diferente parecia não compreender tal sentimento, por mais que escrevesse sobre ele. Talvez só tenha amado seus cães feios e barulhentos, sua literatura, uísques, cigarros e sua própria figura na flor da juventude. Mesmo assim, não é pouca coisa.

FRAGMENTOS...

DE CARTA DE HILDA HILST PARA ANTONIO NAUD JÚNIOR


"Você me fala do teu poço, Naud, meu baiano bonito, o poço há de ser sempre, as vezes com água mais clarinha, outras vezes com lama, bosta etc. Todos nós que escrevemos somos, queiram os outros ou não, diferentes mesmo, não há jeito. Eu sei que nada tenho a ver com as bestas-feras que habitam o planeta, acho mesmo que somos totalmente diversos, o olho vê mais fundo, a comoção é intensa, maior, fulgurante, tudo nos toca nos comove, nos mata nos aterroriza, o planeta Terra é muito bonito mas ficará amerdalhado totalmente logo mais, tenho profundo desprezo pelos homens políticos de agora de sempre, são todos uns filhos da maior puta, e nós nas mãos deles, cago para todo o Sistema de bosta, pra tudo, não desejo coisas além da solidão muito grande, só aqueles que fazem parte da minha família, isto é os escritores, os de intensidade verdadeira, os que sofrem de piedade e compaixão, as vezes penso que não vou agüentar continuar a existir vendo tanta crueldade, tanto horror. Também meu poço existe, também não tenho nada a ver com cidades, as vezes vou para SP para lançar um livro, como você sabe, chego lá tomo mil porres, ninguém tem nada a dizer, é a mesma baboseira de todos. Naud, nós todos temos problemas, saiba viver com os seus, te foi dado essa coisa tão difícil que é o ato de escrever, o sentir agudo o talento, você é um escritor e pronto, arranje um trabalho de bosta qualquer, meio período, mude-se para um pequeno lugar, você não é casado, não tem filhos para sustentar, escolha o lugar onde quer morar, arranje umas colaborações em revistas jornais, escolha a tua própria vida, faça a sua própria vida... "
(25 de dezembro de 1990)

DE TEXTO INÉDITO DE HILDA HILST ( decido por Antonio Naud Júnior )

"O grande escritor que foi John Cowper Powys ("In Defense of Sensuality"), homem extraordinário e cultíssimo teceu loas à masturbação, e ressaltava a importância da mesma como forma de dominar impulsos perigosos. Pensem na eficácia desse ato supimpa libertando instintos assassinos e sádicos. E hoje então, meu povo, diante da Aids que grassa como guanxuma grama capim, que maravilha seria! Atenção: exibicionistas não! O ato pode ser realizado entre castas paredes, ah! teu corpo nu entre castas paredes, invente, imagine por exemplo um tanque de nenúfares (procure no dicionário), ou um bidê coalhado de maçãs, branco e carmim, teu neurônio ativado relembrando coalhadas e beijos, benditos instantes entre o teu-eu e o teu-sim. Ah! a derme cravada de desejo! Ternas ou torpes associações, relembranças, tudo tudo menos isso de sair por aí esfolando boi vaca bode cachorro gato e depois criancinhas homens mulheres. Vamos a campanha da mão em concha!"
("A Mão em Concha", 1990)

DE CORRESPONDÊNCIAS

"Hilda, grande figura:
Conte, conte as coisas que às vezes atrapalham V., se acha que com isso elas se desatrapalharão um pouco. Eu farei o mesmo. Conversaremos muito, e chegaremos a grandes conclusões sobre a vida, que, segundo os últimos autores, não é bem aquela coisa ruim que a gente pensava que fosse - e sim um negócio meio chato, com alguns clarões matutinos: por exemplo, V. e suas cartas.

Se bem que, falando sério, não acredito muito na viabilidade do seu projeto de sermos "muito amigos e muito honestos um para o outro", assim por meio de cartas, e na base de um conhecimento meteórico de uma noite em casa de amigos e de uma conversa de bar. Sinto-me muito literário diante de V., muito defendido pelas minhas barbas brancas (que não aparecem, mas que V. por certo enxerga em mim), e V. por sua vez muito dona de si na sua beleza, na sua mocidade, na sua aisance de jovem que sabe dos seus poderes em face dos homens, e ainda por cima inteligente e ainda por cima poetisa. Não, Hilda, por enquanto o que nós somos um para o outro é obscuro e difícil de explicar, mas desconfio que V. seja ou esteja simplesmente curiosa - afinal, um velho poeta modernista, como é que será por dentro?"
(Carlos Drummond de Andrade, 6 de novembro de 1950)

"Sinto, Hildinha, a necessidade de penetrar numa outra dimensão, num outro nível de existir. Têm me doído o corpo e suas solicitações. Também não quero negar a carne, sei que se esse corpo nos foi dado é para que o usemos da maneira mais intensa possível, até ultrapassá-lo, até conseguir, através dele, atingir o mais alto. Acontece que, quase sempre, as vontades do corpo são baixas e escuras. Também por causa dessa maldição (?) homossexual, você sabe, os rituais, os bares especializados, essas coisas. É tão difícil. Quando cedo a isso, por desespero, tenho terríveis crises de consciência, depois. Crises que sei inúteis, desgastantes, porque mais dia menos dia voltará a ciranda do sexo. Se fosse possível um relacionamento claro entre duas pessoas, se eu conseguisse encontrar alguém que me completasse, que fosse completado por mim, que me saciasse o corpo para que o espírito pudesse voar. Espero isso, quase sempre sem procurar. Mas quando caio na procura, volto decepcionado, ferido, frustrado, enfraquecido. As pessoas têm medo da entrega. É mais fácil, menos comprometedor, diluir-se na ciranda dos bares, das saunas, do deboche. As pessoas têm medo de se doarem. E seria tão bom, tão melhor. Essa é a minha maior preocupação espiritual, e não tenho conseguido divisar a solução, o equilíbrio. Não quero a prisão da carne, também não quero a sua perdição. Não quero tornar-me nem amargurado nem debochado. Não sei."
(Caio Fernando Abreu, 14 de maio de 1972)

O AUTOR

Escritor, poeta e jornalista, o baiano Antonio Naud Júnior descobriu a literatura aos 12 anos. Começou publicando no Cacau/Letras, editado por Hélio Pólvora, e seguiu com ficção e poesia na revista Exu (Brasil), New Wave (EUA), Go (Espanha) e V_Ludo(Portugal). Participou de várias antologias e publicou sete livros, sendo que quatro deles em Portugal. Vive para viajar. Passou longas temporadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Natal, Madri, Barcelona, Cádiz, Paris, Lisboa, Sintra, Cascais, Havana, Santa Cruz de Graciosa (Açores), Londres, Edimburgo, Firenze e Colônia. Foi free-lancer dos jornais Folha de S. Paulo, O Tempo (MG) e A Tarde (BA). Mora atualmente em Salvador, escrevendo para jornais e revistas do Brasil, Portugal e Espanha. Finaliza a novela "Homem sem Caminho", uma versão contemporânea de "Carmen", de Prosper Merimée. Publicou recentemente "Suave é o Coração Enamorado" (Via Litterarum, 2006).

Estudo revela base química de "droga do esquecimento"

Cientistas do RS investigam proteínas ligadas à manutenção das memórias

Pesquisadores sabotaram memória de longo prazo em ratos, o que pode levar a criar medicação que apague lembranças seletivamente

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL


Uma série de experimentos conduzidos por um grupo de pesquisadores de Porto Alegre está ampliando a perspectiva de que, no futuro, seja possível criar uma droga do esquecimento. O grupo do neurocientista Iván Izquierdo, no Centro de Memória da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), publica neste mês dois estudos que mostram em detalhe o papel de moléculas candidatas a alvo de fármacos com essa finalidade.
Por enquanto, o apagamento de memórias indesejadas com tratamento médico está disponível apenas em filmes de ficção científica, como "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças". O grupo de Izquierdo, porém, mostrou que é possível sabotar memórias de longo prazo num experimento com ratos, atacando algumas proteínas no cérebro.
"Hoje se discute muito a clonagem, mas ninguém fala da possibilidade certa que teremos no futuro -acho que em uns 20 ou 25 anos- de modificar seletivamente as nossas lembranças", diz Martín Cammarota, principal parceiro de Izquierdo e líder de um estudo sobre o assunto publicado na edição deste mês da revista "Learning and Memory".
"Se existir um jeito de apagar memórias particulares, a indústria farmacêutica não deixaria de faturar em cima. Venderia mais do que Prozac e Viagra juntos", diz. O medicamento poderia servir, por exemplo, para tratar casos de estresse pós-traumático, de soldados a vítimas de violência urbana
Os experimentos de Cammarota e Izquierdo com ratos ainda estão longe de ser algo aplicável a humanos, pois poderiam trazer graves lesões. Os resultados, porém, estão ajudando aos poucos a descobrir quais são os processos e as moléculas envolvidos. A principal delas é uma proteína batizada BDNF, responsável por desencadear uma série de reações dos neurônios que sustentam memórias de longo prazo.
Ao lado de outros colegas, os cientistas descobriram que, para fazer um trabalho de "ajuste e manutenção" das lembranças, essa molécula exerce uma função importante em uma região do cérebro chamada hipocampo. A descoberta rompe com teorias anteriores, segundo as quais essa região cerebral só é importante no momento da formação das memórias.
Em estudo na edição de hoje da revista "Neuron", os cientistas relatam como a BDNF atua em diversos momentos do estabelecimento das memórias de longo prazo.

Lembranças paradoxais
O problema com mais implicações filosóficas investigado pelo grupo da PUC-RS, porém, diz respeito a um paradoxo que envolve o ato de lembrar. Memórias de longo prazo (semanas, meses ou anos) em geral se sustentam quase inabaláveis num cérebro saudável- desde que não sejam muito usadas.
Segundo Cammarota, quando uma memória antiga vem à tona para a compreensão de um contexto vivido em dado momento, o cérebro a reabre para modificá-la e depois guardá-la novamente. É nesse momento que uma eventual "droga do esquecimento" poderia fazer efeito, pois esse processo requer a produção de uma série de proteínas pelo cérebro, incluindo a BDNF.
"Num experimento, isso acontece quando o animal se lembra de um objeto em um contexto diferente", diz Cammarota. "Se eu bloqueio a síntese das proteínas, o animal esquece completamente o objeto que já era conhecido antes."
Mas onde está o paradoxo? A "memória mais confiável", que mais conserva sua forma original, é "aquela que quase nunca utilizamos", diz o cientista. Por outro lado, a falta de uso prolongada aumenta a probabilidade de esquecê-la totalmente.
Para Cammarota, elucidar essa contradição é um problema fundamental da biologia. Não há motivo aparente para o cérebro colocar em risco as informações de que mais precisa.

E as implicações filosóficas? "As memórias dizem respeito a quem somos nós", diz o neurocientista. "Nós somos o que nós lembramos que somos."


"Se existir um jeito de apagar memórias particulares, a indústria farmacêutica não deixaria de faturar em cima. Venderia mais do que Prozac e Viagra juntos"
MARTÍN CAMMAROTA
neurocientista argentino

Fatboy Slim se apresenta no Second Life e em SP no mesmo dia

da Folha Online

O DJ Fatboy Slim vai se apresentar no Second Life em fevereiro. O músico britânico terá seu próprio avatar, além de uma pick-up virtual. O show no universo virtual está marcado para 9 de fevereiro --mesmo dia em que ele se apresenta em São Paulo.

O DJ tem marcados 11 shows "reais" no Brasil no mesmo mês. O show no Second Life incluirá a distribuição de pôsteres. A trilha do show vai reproduzir músicas tocadas ao vivos em outras apresentações.

Após a performance, o DJ promete conversar com os presentes. Norman Cook (nome verdadeiro de FatBoy Slim) vai usar um computador da agência de publicidade DM9DDB para acessar o Second Life.

Dos cerca de 2 milhões de usuários do Second Life, 80 mil são brasileiros. O sucesso do jogo da Linden Labs fez com que se resolvesse criar uma versão nacional do game --depois dos EUA, o Brasil seria o primeiro a contar com uma franquia. Anteriormente prometida para 2006, a edição deve estrear entre janeiro e fevereiro de 2007.

Vendas de iPods elevam em 78% lucro da Apple

As vendas de iPod fizeram o lucro da Apple crescer 78% nos últimos três meses do ano passado em relação ao mesmo período de 2005, de acordo com o balanço da companhia.
Divulgados na quarta-feira, os números do primeiro trimestre fiscal da gigante de informática revelaram um aumento recorde no lucro líquido, para US$ 1 bilhão (cerca de R$ 2,2 bilhões), frente a US$ 565 milhões registrados um ano antes.

Além das vendas do iPod, a Apple também viu crescerem suas vendas de notebooks, de US$ 5,8 bilhões nos três últimos meses de 2005 para US$ 7,1 bilhões entre outubro e dezembro de 2006.

Brasil é lugar mais caro do mundo para se comprar um iPod Nano

Da Reuters, em Camberra
Por Rob Taylor

Depois de ter agitado o mundo da música, o iPod finalmente está abrindo caminho pelos mercados monetários globais, e o Brasil é o lugar mais caro do mundo para se comprar o aparelho, segundo pesquisa realizada pelo banco australiano Commonwealth Bank.

A instituição, um dos maiores bancos da Austrália, usou a última versão do player de música da Apple, o fino modelo Nano, para comparar moedas mundiais e o poder de compra em 26 países.

Junto com o famoso índice Big Mac lançado há 20 anos pela revista The Economist, a pesquisa do banco australiano avalia os preços do iPod Nano de 2 gigabytes em dólares americanos e descobriu que ele é mais caro no Brasil. A companhia do player de música digital custa em média US$ 327,71 no país, bem acima dos US$ 222,27 cobrados em média na Índia, segunda colocada no ranking.

O Canadá é o país onde se paga menos por um iPod Nano, US$ 144,20, mais barato do que os US$ 179,84 cobrados na China, onde o aparelho é fabricado. Os Estados Unidos ocupam a quarta posição da lista, com o produto saindo a US$ 149.

"O interessante, principalmente por causa do custo zero de frete, é que a China está no meio termo da lista em termos de preços mundiais", disse Craig James, economista-chefe do Commonwealth Bank, à Reuters.

A paridade do poder compra compara os preços de produtos em diferentes países e ajuda a mostrar, no mínimo, se uma moeda está desvalorizada em relação a outra.

James informou que os resultados sugerem que a moeda norte-americana tem espaço para crescer contra uma série de importantes divisas, com exceção dos dólares de Hong Kong e do Canadá e do iene japonês.

Entretanto, os resultados podem ser influenciados por diferentes políticas de preços que a Apple pode aplicar em partes distintas do mundo, disse James.

"Os resultados do índice iPod não fazem a alegria dos responsáveis por política monetária dos Estados Unidos. Eles querem que o iuan se aprecie e não caia contra o dólar", disse James. Mais de 21 milhões de iPods foram vendidos no último trimestre.

Veja a seguir a lista dos países compilados pelo Commonwealth Bank e o custo médio em dólares dos EUA de um iPod Nano de 2 GB:

1. Brasil 327,71

2. Índia 222,27

3. Suécia 213,03

4. Dinamarca 208,25

5. Bélgica 205,81

6. França 205,80

7. Finlândia 205,80

8. Irlanda 205,79

9. Reino Unido 195,04

10. Áustria 192,86

11. Holanda 192,86

12. Espanha 192,86

13. Itália 192,86

14. Alemanha 192,46

15. China 179,84

16. Coréia do Sul 176,17

17. Suíça 175,59

18. Nova Zelândia 172,53

19. Austrália 172,36

20. Taiwan 164,88

21. Cingapura 161,25

22. México 154,46

23. EUA 149,00

24. Japão 147,63

25. Hong Kong 147,35

26. Canadá 144,20

Fonte: CommSec, Apple

O índice CommSec iPod é baseado nos preços de janeiro deste

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Os sonhos dos adolescentes

CONTARDO CALLIGARIS

Por que os adolescentes sonham com um futuro acomodado e razoável, que nem a nossa vida?

NA FOLHA de domingo passado, uma reportagem de Antônio Gois e Luciana Constantino trouxe os dados de uma pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais: em 2005, 16% dos adolescentes entre 15 e 17 anos de idade não freqüentaram a escola. Trata-se de 1,7 milhão de jovens. Alguns desistiram por falta de meios, de vaga ou de transporte escolar, outros adoeceram, mas, em sua maioria (40,4%), eles abandonaram os estudos por falta de interesse. Como disse uma entrevistada, "os professores eram muito chatos".
Os comentadores, na própria reportagem, acusam a pouca qualificação ou motivação de muitos professores e um sistema de avaliação que produz repetências. Concordo, mas talvez haja mais.
Ao longo de 30 anos de clínica, encontrei várias gerações de adolescentes (a maioria, mas não todos, de classe média) e, se tivesse que comparar os jovens de hoje com os de dez ou 20 anos atrás, resumiria assim: eles sonham pequeno.
É curioso, pois, pelo exemplo de pais, parentes e vizinhos, os jovens de hoje sabem que sua origem não fecha seu destino: sua vida não tem que acontecer necessariamente no lugar onde nasceram, sua profissão não tem que ser a continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma proliferação extraordinária de ficções e informações, eles conhecem uma pluralidade inédita de vidas possíveis.
Apesar disso, em regra, os adolescentes e os pré-adolescentes de hoje têm devaneios sobre seu futuro muito parecidos com a vida da gente: eles sonham com um dia-a-dia que, para nós, adultos, não é sonho algum, mas o resultado (mais ou menos resignado) de compromissos e frustrações.
Um exemplo. Todos os jovens sabem que Greenpeace é uma ONG que pratica ações duras e aventurosas em defesa do meio ambiente. Alguns acham muito legal assistir, no noticiário, à intrépida abordagem de um baleeiro por um barco inflável de ativistas. Mas, entre eles, não encontro ninguém (nem de 12 ou 13 anos) que sonhe em ser militante do Greenpeace. Os mais entusiastas se propõem a estudar oceanografia ou veterinária, mas é para ser professor, funcionário ou profissional liberal. Eles são "razoáveis": seu sonho é um ajuste entre suas aspirações heróico-ecológicas e as "necessidades" concretas (segurança do emprego, plano de saúde e aposentadoria).
Alguém dirá: melhor lidar com adolescentes tranqüilos do que com rebeldes sem causa, não é? Pode ser, mas, seja qual for a qualidade dos professores, a escola desperta interesse quando carrega consigo uma promessa de futuro: estudem para ter uma vida mais próxima de seus sonhos.
Aparte: por isso, aliás, é bom que a escola não responda apenas à "dura realidade" do mercado de trabalho, mas também (talvez, sobretudo) aos devaneios de seus estudantes; sem isso, qual seria sua promessa? "Estude para se conformar"?
Conseqüência: a escola é sempre desinteressante para quem pára de sonhar.
Em princípio, os jovens interpretam o desejo (inconsciente) dos pais e herdam os sonhos reprimidos atrás das vidas (fracassadas ou bem-sucedidas, tanto faz) dos adultos. Aquela fala chata dos pais, que evocam as renúncias que foram necessárias para conseguir criar os filhos, aponta o caminho de aventuras menos sacrificadas. Há uma guitarra empoeirada no sótão do comerciante ou do profissional cujo filho quer ser roqueiro. O que mudou? Duas hipóteses.
É possível que, por sua própria presença maciça em nossas telas, as ficções tenham perdido sua função essencial e sejam contempladas não como um repertório arrebatador de vidas possíveis, mas como um caleidoscópio para alegrar os olhos, um simples entretenimento. Os heróis percorrem o mundo matando dragões, defendendo causas e encontrando amores solares, mas eles não nos inspiram: eles nos divertem, enquanto, comportadamente, aspiramos a um churrasco no domingo e a uma cerveja com os amigos.
É também possível (sem contradizer a hipótese anterior) que os adultos não saibam mais sonhar muito além de seu nariz. Ora, a capacidade de os adolescentes inventarem seu futuro depende dos sonhos aos quais nós renunciamos. Pode ser que, quando eles procuram, nas entrelinhas de nossas falas, as aspirações das quais desistimos, eles se deparem apenas com versões melhoradas da mesma vida acomodada que, mal ou bem, conseguimos arrumar. Cada época tem os adolescentes que merece.

Bush admite erros no Iraque e anuncia envio de 21.500 erros.

Washington, 10 jan (EFE).- O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, admitiu hoje que se houve erros no passado na estratégia americana no Iraque e assegurou que nesses casos "a responsabilidade é do presidente".

Em seu discurso à nação para explicar a nova estratégia no conflito, Bush afirmou que "a situação no Iraque é inaceitável para os americanos" e para ele próprio.

O presidente disse que "a prioridade mais urgente para o sucesso no Iraque é a segurança, especialmente em Bagdá". Ele anunciou como ponto principal de sua estratégia o envio de 21.500 soldados. A maior parte ficará na capital iraquiana, e 4 mil vão para a província de al-Anbar, considerada o principal reduto da rede Al Qaeda no país.

A violência entre comunidades "está dividindo Bagdá em enclaves sectários e minando a confiança de todos os iraquianos", disse Bush, na biblioteca da Casa Branca, em discurso retransmitido pelos canais mais importantes dos EUA.

Além disso, as tropas iraquianas aumentarão sua presença e mais soldados americanos serão incorporados a unidades iraquianas, para acelerar a formação dos soldados locais.

Bush afirmou que interromperá o "fluxo de apoio" que, segundo ele, os insurgentes e terroristas recebem do Irã e da Síria para atacar as tropas americanas.

O presidente americano também afirmou que os países árabes "devem entender que uma derrota americana no Iraque criaria um novo santuário para os extremistas e uma ameaça estratégica à sobrevivência" dos regimes da região.

Bush reconheceu como erro na estratégia seguida nos três anos e meio de conflito se encontra o fato de que em Bagdá "não houve tropas iraquianas nem americanas em número suficiente para proteger os bairros ocupados por terroristas e insurgentes".

Até agora, o presidente tinha sustentado que o número de soldados americanos no Iraque era o suficiente para a missão.

Em seu discurso, Bush disse que deixou claro para o primeiro-ministro Nouri al-Maliki e outros líderes no Iraque que "o compromisso dos Estados Unidos não é eterno".

"Se o Governo do Iraque não cumprir as suas promessas, perderá o apoio do povo americano e do iraquiano também. Chegou o momento de atuar", insistiu.

O presidente reconheceu que por enquanto a violência e as bombas vão continuar. Mas prometeu que com o tempo será possível esperar que "as tropas iraquianas capturem os assassinos e haja menos atos de ousadia terrorista".

"A vitória não será como as que nossos pais e nossos avós conquistaram" e um Iraque democrático "não será perfeito", reconheceu. "Mas será um país que lutará contra o terrorismo, em lugar de apoiar os terroristas, e ajudará a trazer um futuro de paz e segurança", disse.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Canção para se viver mais

Fernanda Takai fala sobre o Pato Fu, internet e mercado de música no Brasil

por Rubinho Vitti e Mirela Leme

Talento e ousadia são duas coisas que não faltam na banda mineira Pato Fu. Formada em Belo Horizonte no início dos anos 90, eles conseguiram romper as barreiras do eixo Rio-São Paulo entrando definitivamente no estreito funil de consagrados artistas brasileiros. Depois de embalar sucessos como Canção para você viver mais, Perdendo dentes e Made in Japan, eles conquistaram o Brasil e agora querem o mundo. Com elementos que desfilam entre o pop rock e baladas suaves, o Pato Fu mistura criativamente pitadas de música eletrônica e inesperadas intervenções visuais e sonoras que despertam a curiosidade do público.

Com uma voz simples e um jeito meigo de interpretar as canções, a vocalista e compositora da banda, Fernanda Takai, não deixa de falar o que pensa como cidadã e artista. Em uma entrevista onde a simplicidade e simpatia tomaram conta do cenário, Fernanda falou de Política, mercado fonográfico, pirataria, independência e maternidade, sem qualquer censura.


Qual foi a maior dificuldade quando a banda teve que enfrentar o mercado fonográfico?

A maior dificuldade pra todo mundo é rádio. Rádio é um universo muito cruel porque é o meio mais importante para todos e o mais difícil. É raro você ter um programador de rádio, aquele que vai pegar os discos todos que ele recebeu, ouvir e tocar a música que ele gostou. Normalmente o cara vai receber a indicação de qual CD que vai tocar. O funil da carreira artística já é muito estreito para você ter um certo reconhecimento. É um “esquemão” mercadológico estúpido e você não consegue fazer nada como cidadão. As rádios são concessões públicas e você pode recolher milhões de assinaturas e mandar para um lugar que vai ser votado pelos caras que são os mesmos donos das rádios.

E a Internet é uma forma de sair desse “esquemão”?
Felizmente para muitos músicos esse tempo de internet está vindo como uma válvula de escape, porque é um veículo importante e que você pode mostrar sua música para muita gente. É um meio democrático onde as pessoas poderão criar suas próprias rádios. Mas no Brasil, onde tem gente que não sabe nem ler, temos que vencer a barreira da inclusão digital. É a luz no fim do túnel.

A distribuição de MP3 já causou impacto na venda de discos do Pato Fu?
Aqui no Brasil os números de pirataria que mais derrubam as vendas é a de rua. Cerca de 70% do mercado é pirata. O compartilhamento de arquivo ajuda mais do que atrapalha, de certa forma é uma vitrine. O ponto X da questão é dos direitos do compositor, pois os artistas que fazem show tem essa forma de sobreviver, agora imagina quem são os compositores, que vivem só da produção intelectual? Não tem como medir e arrecadar nada. Essa é uma situação que está sendo discutida. Tem um monte de gente trabalhando para isso se resolver.

Quem compra CD pirata do Pato Fu pode ser considerado fã?
É considerado fã sim. Quando lançamos esse novo disco, ele se enquadrou na categoria mais barata possível. Foi ótimo poder colocar um preço menor, para os fãs e para nosso negócio, mas não tem como competir com o CD pirata. Na hora que você vai comprar, se não tem o dinheiro, vai com aquilo mesmo. Então é fã também, apesar de estar consumindo nossa música de um outro jeito. Eu até assino CD pirata.

Hoje está na moda bandas novas se tornarem cópias idênticas de artistas consagrados. O que você acha dessa tendência?
As bandas que tem uma afinidade musical com determinado artista, tendem a se formatar para ficarem parecidas com eles. Eu acho que isso até um erro, pois acabam esquecendo de fazer o trabalho próprio.

O Pato Fu tem banda cover?
Me falaram que existiam algumas bandas que tocavam muitas músicas nossas, mas não exclusivamente. Era na época que nós tocávamos bastante em rádio, o que estimula esse tipo de coisa. Nós sempre falamos que não temos sucesso suficiente pra que exista uma banda cover nossa. Mas eu fico honrada em saber que existem músicos que tocam Pato Fu. É inesperado até para o público ouvir.

As bandas e os músicos de hoje estão cada vez mais ligados em alguma tribo. O Pato Fu também pertence a um grupo específico?
A coisa mais difícil pra gente é identificar qual é a nossa tribo. Temos uma diversidade no público, assim como temos em nossa própria música. É muito comum nos shows de Rock a platéia estar vestida igual aos ídolos, é uma identificação. No nosso caso, pela música e pelos próprios integrantes, que são diferentes, não dá para dizer que existe um “uniforme”.

Na época da banda de colégio você teve algumas influências musicais que se refletem até hoje. O quanto isso ajuda ou atrapalha na hora de fazer as próprias músicas?
Suzanne Vega é a minha grande influência como artista, letrista, no jeito de cantar e até na forma como ela leva a carreira, discreta e muito produtiva, que me inspira. Eu tenho seguido muito a carreira dela, vou ao show, mando carta, presente, sou fã mesmo. Ela é a minha influência direta, mas que fica diluída no Pato Fu, pelos integrantes serem tão diferentes.

A música Simplicidade, do disco Toda cura para todo mal , tem elementos que misturam o caipira e o cibernético, a música sertaneja cantada por uma voz de robô. Essa mistura é o estilo do Pato Fu? É uma tendência da banda?
Quando a gente faz uma música nova ela basicamente nasce de uma folha de papel, com algumas frases e idéias que vamos escrevendo, e um violão. Quando Simplicidade foi feita, se fôssemos seguir o caminho natural dela, seria uma toada caipira. O que tentamos fazer em cada disco é colocar um elemento inesperado. O mais inesperado que podíamos fazer era colocar uma voz de inteligência artificial cantando uma canção sobre a vida no campo. É uma contradição, mas é também o mundo de hoje, onde queremos que a tecnologia faça tudo por nós, mas nossa busca interior é de uma vida mais tranqüila e equilibrada. A voz foi foi manipulada digitalmente em estúdio. Na hora do show, quem aparece para cantar é um robô, como em um teatro de bonecos, também um elemento inesperado para um show de rock. A nossa idéia sempre com a banda é o imprevisível sem deixar chato.

Nesta mistura toda de temas e ritmos que o Pato Fu tem, você já fez alguma música que considerou política?
Eu, como compositora, nunca fiz. O John tem feito algumas coisas dentro do Pato Fu. Em alguns discos tem sempre alguma faixa com um recado. A gente tenta apontar o dedo não para as outras pessoas, mas pra gente mesmo, errando e aprendendo junto. O que tem sido um pouco mais constante no repertório, e que é uma forma de música política também, são as críticas às religiões. Apesar de às vezes estarem travestidas numa música divertida, elas falam justamente dessa época em que todos os canais de televisão citam o nome de Jesus. Nós não temos talento para fazer uma crítica social profunda, mas nem por isso me considero uma cidadã omissa nas minhas posições. Eu sou porta-voz do Pato Fu, mas eu não posso levantar uma bandeira que não é a opinião de toda a banda, então prefiro falar sobre isso fora dela.

Existem muitos músicos que não conseguem viver da profissão, tendo que desistir do que mais gostam ou sabem fazer. Você acha que o poder público tem um parcela de culpa por não incentivar a cultura?
Temos hoje muitos programas e leis de incentivo municipais que ajudam. Belo Horizonte é um exemplo, que privilegia os artistas com verbas culturais. Dá para ajudar mais, descomplicar algumas coisas. Tem como aprovar um projeto, mas é tão complicado saber elaborá-lo. Às vezes eles não são aprovados por falta de texto adequado, quase é preciso ter uma formação acadêmica para escrever projetos e alguns artistas ficam presos com isso. O necessário é ter um fomento, abrir espaços novos, financiar espetáculos.

A Ordem dos Músicos do Brasil ajuda ou é uma burocracia na arte?
Eu tenho carteira da ordem desde 1987. Se você fosse fazer um show em qualquer barzinho precisava pertencer à ordem porque senão teria de pagar uma multa. Pra que isso? É um elefante branco que está lá parado e o músico fica preso com isso. Hoje não é necessário, é uma burocracia que ninguém precisa, é a Desordem dos Músicos do Brasil.

O que a Música Brasileira está produzindo hoje de melhor e pior?
Sempre tem coisas que prestam, mas que talvez não estejam sendo mostradas. Das coisas mais legais atualmente o trabalho da Vanessa da Mata é muito bom, com personalidade, ela canta e escreve muito bem e é um som brasileiro contemporâneo. Los Hermanos é minha banda preferida daqui e Érica Machado, uma garota que está lançando seu trabalho agora. Desses, eu recomendo a audição. Das coisas ruins é difícil falar porque não escuto muito, mas você liga o rádio e a música que mais toca no Brasil é um reggae “safadinho”, com umas rimas feitas em cinco minutos. Eu tenho a impressão que muitas músicas que estão sendo tocadas são obras que poderiam ficar muito boas, mas os artistas ficam com preguiça.
Eu tenho uma filhinha agora e não gostaria de vê-la cantando uma música ruim que fala palavrão o tempo todo. Eu queria que as pessoas escutassem coisas melhores. E quando uma música dessas faz sucesso, aparece um monte de gente querendo fazer o mesmo. Você tem que fazer a sua onda, achar um caminho seu.

Agora, com mais de 14 anos de carreira, entre sucessos e fracassos, o que muda?
Hoje dá para se fazer mais escolhas. Há uma grande discussão que uma parte do público nos questiona: “Porque vocês não fazem como o Lobão, chuta o pau da barraca, briga com as gravadoras”, etc. Nós podemos fazer isso, mas o Lobão construiu uma carreira e quando se sentiu à vontade ele fez do seu jeito. Desde 2004, quando tentamos trocar de gravadora e deu muita coisa errada, acabamos ficando sozinhos. Era o sinal de que nós poderíamos ter uma autonomia maior e fazer nossa produção, gravar e mixar no nosso estúdio e só distribuir por um grande selo e poder escolher tudo o que gente quer fazer. Só com alguns anos de carreira e uma certa estabilidade financeira é que dá para ser independente. Tem gente que passa o resto da vida jogando o mesmo jogo. Nós estamos experimentando jogar o nosso jogo. Somos responsáveis por tudo.

Você usa ou pretende usar a música como forma de educação?

A boa música educa. No fim as letras são histórias, pequenas crônicas do cotidiano. Acabam sendo inspiradas por coisas que aconteceram com a gente e uma criança que começa a gostar muito de música, começa a ler melhor. Eu acho bom esse tipo de ligação, uma sensibilização. A boa música faz você sair de casa para ver espetáculos, tornando-se público de show e teatros. A boa cultura, mesmo que não tenha uma mensagem educacional, é importante.

Você já chegou a compor alguma música especialmente para sua filha, alguma música infantil mesmo?

Não fiz, mas a aura boa que se instalou na nossa vida depois dela, influencia num todo. Não sai uma coisa direta na música. Raramente a gente fez uma música que fosse inspirada diretamente em um fato real. Deve ter umas três podem falar diretamente sobre algo. Me explica, que foi feita sobre o acidente com Herbert Vianna, Canção para você viver mais, uma música que eu queria ter feito para meu pai, quando ele estava doente e Um ponto oito, que foi quando vimos um cara atropelado na rua e nos disseram “não é nada não, não é ninguém, é só um mendigo”. Esse tipo de coisa inspirou diretamente na música.
A Nina é nossa musa inspiradora em tempo integral, mas não necessariamente vai parar na letra.

entrevista publicada no site Música & Letra

Build - Housemartins

Clambering men in big bad boots
Dug up my den, dug up my roots
Treated us like plasticine town
They built us up and knocked us down
From meccano to legoland
Here they come with a brick in their hand
Men with heads filled up with sand
Its build

Its build a house where we can stay
Add a new bit everyday
Its build a road for us to cross
Build us lots and lots and lots and lots and lots

Whistling men in yellow vans
They can and drew us diagrams
Showed us how it all worked it out
And wrote it down in case of doubt

Slow, slow, quick, quick, quick
Its wall to wall and brick to brick
They work so fast it makes you sick
Its build

Its build a house where we can stay
Add a new bit everyday
Its build a road for us to cross
Build us lots and lots and lots and lots and lots

Its build

Down with sticks and up with bricks
In with boots and up with roots
Its in with suits and new recruits
Its build

terça-feira, janeiro 09, 2007

MTV recebe mais de 20 mil e-mails contra bloqueio do YouTube

Da Redação

O bloqueio ao site YouTube provocou uma onda de protestos. O site começou a ser bloqueado nesta segunda-feira por empresas de telefonia após decisão judicial em favor do namorado da modelo Daniela Cicarelli, Tato Malzoni. Ele quer impedir a exibição de imagens gravadas em uma praia da Espanha em que os dois aparecem em cenas íntimas.


Ao menos 5,7 milhões de internautas, usuários da Brasil Telecom, ficaram sem conseguir acessar o domínio www.youtube.com até a tarde desta terça-feira, quando o acesso foi liberado. A Telefonica também chegou a implementar o bloqueio, mas não divulgou o número de internautas afetados.

Zico Goes, diretor de programação da MTV, diz que já recebeu mais de 20 mil e-mails de protesto. "Obviamente não temos nada a ver com a história, a Daniela também não tem. Quem processou o YouTube foi o Renato Malzoni Filho, não ela", afirmou.

Brasileiros criaram o site www.boicoteacicarelli.com, em que apregoam o boicote à modelo e à rede de televisão MTV. "Eu já deletei o canal da minha TV, não assisto MTV até a Cicarelli sair do ar", dizia o internauta Caio no site. Há até vídeos que explicam como desprogramar o canal da televisão.

"A MTV se posiciona contra toda a censura e pela liberdade da expressão. Claro, a garotada ficou indignada. Mas repudiamos a história do boicote, porque ela flerta com o mesmo espírito fascista que quer atacar", diz o diretor da MTV.

O diretor teatral Gerald Thomas, que vive em Nova York, adotou recentemente o site de compartilhamento de vídeos YouTube para mostrar aos amigos no Brasil trechos de suas peças. Nesta segunda (08/01), quem acessou seu blog não conseguiu ver as cenas do novo espetáculo "Earth in Trance". "Não dá mais para ver o vídeo", dizia um visitante.

"Voltamos à era da censura?", questionou Thomas, irritado. "O passo seguinte é banir a Internet inteira, porque vídeos circulam pela rede mesmo antes do YouTube existir: tem que banir a imprensa também e qualquer fotografia."



Fúria virtual

Entre os comentários exaltados e dicas para burlar o bloqueio, um blog chegou a publicar um modelo de ação de indenização contra os provedores de acesso, por barrarem o acesso ao site de vídeos.

Mas isso não funcionaria, explica o especialista em direito eletrônico Renato Opice Blum. "O provedor não tem responsabilidade nenhuma, está só cumprindo uma ordem judicial", disse.

Segundo ele, uma alternativa mais rápida, menos polêmica e tecnicamente viável para o caso seria ter identificado quem está colocando o vídeo no ar e reprimido um a um, como fazem as gravadoras norte-americanas em relação aos piratas de MP3. "Acaba sendo uma divulgação do que pode e do que não pode, e ajuda a evitar a disseminação [do vídeo] por outros meios", afirmou Blum.

Reponsabilidade de quem?

No rastro da controvérsia ainda há a responsabilidade técnica pelo bloqueio, já que as operadoras de tráfego não têm como impedir o acesso a um único vídeo.

"Basta você entrar no YouTube hoje. O mesmo vídeo é apresentado de maneiras diferentes, com logotipos e edições diferentes. Mesmo que você faça análises com ferramentas de software para reconhecer o vídeo, não é possível capturá-lo", explica Carlos Afonso, do Comitê Gestor da Internet. "Se você entrar no sistema de troca de arquivos BitTorrent, então, há milhares de cópias. Quanto mais houver processos, mais o vídeo vai se disseminar."

Fóruns, blogs e comunidades virtuais parecem confirmar o que diz Afonso. Estão repletos de indicações de métodos para burlar o bloqueio ao YouTube, e também de links alternativos para assistir ao vídeo.

Na decisão por suspender o bloqueio, o desembargador Ênio Santarelli Zuliani pede que as operadoras de backbone informem ao Tribunal de Justiça de São Paulo as razões técnicas da impossibilidade de bloquear apenas o vídeo.

Protestos e censura

Para Márion Strecker, diretora de conteúdo do UOL, proibir o grande público de ter acesso a todo um portal por causa de um só vídeo foi uma medida extrema. "Decisões judiciais precisam ser acatadas, mas o UOL defende a livre circulação da informação e é totalmente contra a censura. O fato é que a Internet trouxe à sociedade as ferramentas para facilitar a publicação e a circulação livre da informação. O autor de um vídeo pode publicá-lo em muitos sites ou portais diferentes, em regiões e países diferentes", diz Strecker.

O tema também gerou polêmica na blogosfera. No site Technorati, buscador de blogs, o termo "Daniela Cicarelli" era o segundo mais procurado em blogs de todo o mundo desde domingo. Só perdia para "Saddam". O termo YouTube aparecia na quinta posição, e "Cicarelli" também estava em sexto lugar.


Outro blogueiro indignado com o bloqueio foi Marcelo Tas. Para ele, a ação judicial equivaleu a tirar uma revista de circulação devido à publicação de uma foto indevida. "Uma coisa é você processar um veículo que divulgue algo difamando você, e processar a pessoa que criou a difamação. Isso é legítimo. Outra coisa é você cercear a liberdade de expressão, e o sinônimo disso é censura", disse Tas.

Também circulou pela Internet um abaixo-assinado, no site www.petitiononline.com/brtube/petition.html, pedindo a intervenção do governo, com cerca de 7.500 assinaturas até o início desta terça-feira, quando foi suspenso o bloqueio. Comunidades no Orkut discutem a medida, e internautas exaltados também classificam de censura o impedimento de acessar o site.

Já Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, acha exagerado falar em censura. "Na China [onde há censura da Internet], o bloqueio não é feito pelo Judiciário, mas pelo Executivo", diz. "Acredito não ter sido intenção do magistrado causar dano aos usuários brasileiros. Ele tentou fazer cumprir uma decisão, mas usou uma solução que extrapolou o objetivo e causou repercussão gigantesca."

O bloqueio
O bloqueio ao YouTube no Brasil cumpriu decisão liminar após ação movida por Renato Malzoni Filho, devido à publicação de um vídeo com cenas íntimas dele e sua namorada, Daniela Cicarelli. As cenas foram filmadas em Cádiz, na Espanha, no ano passado.

Na semana passada, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu liminar em favor de Cicarelli, ex-mulher do jogador de futebol Ronaldo, e de Malzoni.

Nesta segunda-feira, a Brasil Telecom disse ter recebido ofício da Justiça e foi a primeira a informar que tinha bloqueado o acesso de internautas brasileiros ao YouTube, uma unidade do mecanismo de buscas norte-americano Google.

A Telefonica emitiu comunicado afirmando que "todas as empresas que possuem controle de tráfego de dados internacional" foram notificadas e que a determinação de bloquear o acesso ao YouTube no Brasil é "válida por tempo indeterminado". A empresa também confirmou o bloqueio no final de segunda-feira.

No início da tarde desta terça-feira (09/01), despacho do desembargador Ênio Santarelli Zuliani suspendeu o bloqueio ao YouTube. O próximo passo seria a Justiça notificar as operadoras dessa suspensão. O vídeo do casal, no entanto, continua proibido e as operadoras de tráfego da Internet deverão informar à Justiça as dificuldades em bloqueá-lo.