Fernanda Takai fala sobre o Pato Fu, internet e mercado de música no Brasil
por Rubinho Vitti e Mirela Leme
Talento e ousadia são duas coisas que não faltam na banda mineira Pato Fu. Formada em Belo Horizonte no início dos anos 90, eles conseguiram romper as barreiras do eixo Rio-São Paulo entrando definitivamente no estreito funil de consagrados artistas brasileiros. Depois de embalar sucessos como Canção para você viver mais, Perdendo dentes e Made in Japan, eles conquistaram o Brasil e agora querem o mundo. Com elementos que desfilam entre o pop rock e baladas suaves, o Pato Fu mistura criativamente pitadas de música eletrônica e inesperadas intervenções visuais e sonoras que despertam a curiosidade do público.
Com uma voz simples e um jeito meigo de interpretar as canções, a vocalista e compositora da banda, Fernanda Takai, não deixa de falar o que pensa como cidadã e artista. Em uma entrevista onde a simplicidade e simpatia tomaram conta do cenário, Fernanda falou de Política, mercado fonográfico, pirataria, independência e maternidade, sem qualquer censura.
Qual foi a maior dificuldade quando a banda teve que enfrentar o mercado fonográfico?
A maior dificuldade pra todo mundo é rádio. Rádio é um universo muito cruel porque é o meio mais importante para todos e o mais difícil. É raro você ter um programador de rádio, aquele que vai pegar os discos todos que ele recebeu, ouvir e tocar a música que ele gostou. Normalmente o cara vai receber a indicação de qual CD que vai tocar. O funil da carreira artística já é muito estreito para você ter um certo reconhecimento. É um “esquemão” mercadológico estúpido e você não consegue fazer nada como cidadão. As rádios são concessões públicas e você pode recolher milhões de assinaturas e mandar para um lugar que vai ser votado pelos caras que são os mesmos donos das rádios.
E a Internet é uma forma de sair desse “esquemão”?
Felizmente para muitos músicos esse tempo de internet está vindo como uma válvula de escape, porque é um veículo importante e que você pode mostrar sua música para muita gente. É um meio democrático onde as pessoas poderão criar suas próprias rádios. Mas no Brasil, onde tem gente que não sabe nem ler, temos que vencer a barreira da inclusão digital. É a luz no fim do túnel.
A distribuição de MP3 já causou impacto na venda de discos do Pato Fu?
Aqui no Brasil os números de pirataria que mais derrubam as vendas é a de rua. Cerca de 70% do mercado é pirata. O compartilhamento de arquivo ajuda mais do que atrapalha, de certa forma é uma vitrine. O ponto X da questão é dos direitos do compositor, pois os artistas que fazem show tem essa forma de sobreviver, agora imagina quem são os compositores, que vivem só da produção intelectual? Não tem como medir e arrecadar nada. Essa é uma situação que está sendo discutida. Tem um monte de gente trabalhando para isso se resolver.
Quem compra CD pirata do Pato Fu pode ser considerado fã?
É considerado fã sim. Quando lançamos esse novo disco, ele se enquadrou na categoria mais barata possível. Foi ótimo poder colocar um preço menor, para os fãs e para nosso negócio, mas não tem como competir com o CD pirata. Na hora que você vai comprar, se não tem o dinheiro, vai com aquilo mesmo. Então é fã também, apesar de estar consumindo nossa música de um outro jeito. Eu até assino CD pirata.
Hoje está na moda bandas novas se tornarem cópias idênticas de artistas consagrados. O que você acha dessa tendência?
As bandas que tem uma afinidade musical com determinado artista, tendem a se formatar para ficarem parecidas com eles. Eu acho que isso até um erro, pois acabam esquecendo de fazer o trabalho próprio.
O Pato Fu tem banda cover?
Me falaram que existiam algumas bandas que tocavam muitas músicas nossas, mas não exclusivamente. Era na época que nós tocávamos bastante em rádio, o que estimula esse tipo de coisa. Nós sempre falamos que não temos sucesso suficiente pra que exista uma banda cover nossa. Mas eu fico honrada em saber que existem músicos que tocam Pato Fu. É inesperado até para o público ouvir.
As bandas e os músicos de hoje estão cada vez mais ligados em alguma tribo. O Pato Fu também pertence a um grupo específico?
A coisa mais difícil pra gente é identificar qual é a nossa tribo. Temos uma diversidade no público, assim como temos em nossa própria música. É muito comum nos shows de Rock a platéia estar vestida igual aos ídolos, é uma identificação. No nosso caso, pela música e pelos próprios integrantes, que são diferentes, não dá para dizer que existe um “uniforme”.
Na época da banda de colégio você teve algumas influências musicais que se refletem até hoje. O quanto isso ajuda ou atrapalha na hora de fazer as próprias músicas?
Suzanne Vega é a minha grande influência como artista, letrista, no jeito de cantar e até na forma como ela leva a carreira, discreta e muito produtiva, que me inspira. Eu tenho seguido muito a carreira dela, vou ao show, mando carta, presente, sou fã mesmo. Ela é a minha influência direta, mas que fica diluída no Pato Fu, pelos integrantes serem tão diferentes.
A música Simplicidade, do disco Toda cura para todo mal , tem elementos que misturam o caipira e o cibernético, a música sertaneja cantada por uma voz de robô. Essa mistura é o estilo do Pato Fu? É uma tendência da banda?
Quando a gente faz uma música nova ela basicamente nasce de uma folha de papel, com algumas frases e idéias que vamos escrevendo, e um violão. Quando Simplicidade foi feita, se fôssemos seguir o caminho natural dela, seria uma toada caipira. O que tentamos fazer em cada disco é colocar um elemento inesperado. O mais inesperado que podíamos fazer era colocar uma voz de inteligência artificial cantando uma canção sobre a vida no campo. É uma contradição, mas é também o mundo de hoje, onde queremos que a tecnologia faça tudo por nós, mas nossa busca interior é de uma vida mais tranqüila e equilibrada. A voz foi foi manipulada digitalmente em estúdio. Na hora do show, quem aparece para cantar é um robô, como em um teatro de bonecos, também um elemento inesperado para um show de rock. A nossa idéia sempre com a banda é o imprevisível sem deixar chato.
Nesta mistura toda de temas e ritmos que o Pato Fu tem, você já fez alguma música que considerou política?
Eu, como compositora, nunca fiz. O John tem feito algumas coisas dentro do Pato Fu. Em alguns discos tem sempre alguma faixa com um recado. A gente tenta apontar o dedo não para as outras pessoas, mas pra gente mesmo, errando e aprendendo junto. O que tem sido um pouco mais constante no repertório, e que é uma forma de música política também, são as críticas às religiões. Apesar de às vezes estarem travestidas numa música divertida, elas falam justamente dessa época em que todos os canais de televisão citam o nome de Jesus. Nós não temos talento para fazer uma crítica social profunda, mas nem por isso me considero uma cidadã omissa nas minhas posições. Eu sou porta-voz do Pato Fu, mas eu não posso levantar uma bandeira que não é a opinião de toda a banda, então prefiro falar sobre isso fora dela.
Existem muitos músicos que não conseguem viver da profissão, tendo que desistir do que mais gostam ou sabem fazer. Você acha que o poder público tem um parcela de culpa por não incentivar a cultura?
Temos hoje muitos programas e leis de incentivo municipais que ajudam. Belo Horizonte é um exemplo, que privilegia os artistas com verbas culturais. Dá para ajudar mais, descomplicar algumas coisas. Tem como aprovar um projeto, mas é tão complicado saber elaborá-lo. Às vezes eles não são aprovados por falta de texto adequado, quase é preciso ter uma formação acadêmica para escrever projetos e alguns artistas ficam presos com isso. O necessário é ter um fomento, abrir espaços novos, financiar espetáculos.
A Ordem dos Músicos do Brasil ajuda ou é uma burocracia na arte?
Eu tenho carteira da ordem desde 1987. Se você fosse fazer um show em qualquer barzinho precisava pertencer à ordem porque senão teria de pagar uma multa. Pra que isso? É um elefante branco que está lá parado e o músico fica preso com isso. Hoje não é necessário, é uma burocracia que ninguém precisa, é a Desordem dos Músicos do Brasil.
O que a Música Brasileira está produzindo hoje de melhor e pior?
Sempre tem coisas que prestam, mas que talvez não estejam sendo mostradas. Das coisas mais legais atualmente o trabalho da Vanessa da Mata é muito bom, com personalidade, ela canta e escreve muito bem e é um som brasileiro contemporâneo. Los Hermanos é minha banda preferida daqui e Érica Machado, uma garota que está lançando seu trabalho agora. Desses, eu recomendo a audição. Das coisas ruins é difícil falar porque não escuto muito, mas você liga o rádio e a música que mais toca no Brasil é um reggae “safadinho”, com umas rimas feitas em cinco minutos. Eu tenho a impressão que muitas músicas que estão sendo tocadas são obras que poderiam ficar muito boas, mas os artistas ficam com preguiça.
Eu tenho uma filhinha agora e não gostaria de vê-la cantando uma música ruim que fala palavrão o tempo todo. Eu queria que as pessoas escutassem coisas melhores. E quando uma música dessas faz sucesso, aparece um monte de gente querendo fazer o mesmo. Você tem que fazer a sua onda, achar um caminho seu.
Agora, com mais de 14 anos de carreira, entre sucessos e fracassos, o que muda?
Hoje dá para se fazer mais escolhas. Há uma grande discussão que uma parte do público nos questiona: “Porque vocês não fazem como o Lobão, chuta o pau da barraca, briga com as gravadoras”, etc. Nós podemos fazer isso, mas o Lobão construiu uma carreira e quando se sentiu à vontade ele fez do seu jeito. Desde 2004, quando tentamos trocar de gravadora e deu muita coisa errada, acabamos ficando sozinhos. Era o sinal de que nós poderíamos ter uma autonomia maior e fazer nossa produção, gravar e mixar no nosso estúdio e só distribuir por um grande selo e poder escolher tudo o que gente quer fazer. Só com alguns anos de carreira e uma certa estabilidade financeira é que dá para ser independente. Tem gente que passa o resto da vida jogando o mesmo jogo. Nós estamos experimentando jogar o nosso jogo. Somos responsáveis por tudo.
Você usa ou pretende usar a música como forma de educação?
A boa música educa. No fim as letras são histórias, pequenas crônicas do cotidiano. Acabam sendo inspiradas por coisas que aconteceram com a gente e uma criança que começa a gostar muito de música, começa a ler melhor. Eu acho bom esse tipo de ligação, uma sensibilização. A boa música faz você sair de casa para ver espetáculos, tornando-se público de show e teatros. A boa cultura, mesmo que não tenha uma mensagem educacional, é importante.
Você já chegou a compor alguma música especialmente para sua filha, alguma música infantil mesmo?
Não fiz, mas a aura boa que se instalou na nossa vida depois dela, influencia num todo. Não sai uma coisa direta na música. Raramente a gente fez uma música que fosse inspirada diretamente em um fato real. Deve ter umas três podem falar diretamente sobre algo. Me explica, que foi feita sobre o acidente com Herbert Vianna, Canção para você viver mais, uma música que eu queria ter feito para meu pai, quando ele estava doente e Um ponto oito, que foi quando vimos um cara atropelado na rua e nos disseram “não é nada não, não é ninguém, é só um mendigo”. Esse tipo de coisa inspirou diretamente na música.
A Nina é nossa musa inspiradora em tempo integral, mas não necessariamente vai parar na letra.
entrevista publicada no site Música & Letra
quarta-feira, janeiro 10, 2007
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