terça-feira, março 27, 2007

Estudante chega a fusão nuclear no porão de casa

O estudante Thiago Olson conseguiu chegar a uma fusão nuclear com um aparelho montado em casa, em Michigan, nos Estados Unidos. Em outras palavras, o jovem fez uma bomba de hidrogênio no porão com equipamentos comprados em lojas, de acordo com a revista Discover.

Por dois anos, Olson pesquisou o que ele precisava e comprou todas as peças em lojas e na Internet. "É um projeto de final de semana", disse o estudante à revista.

Em novembro de 2006 Olson chegou ao seu objetivo. A fusão nuclear ocorre quando dois átomos de hidrogênio se fundem em um de hélio. Tal fusão ocorre em estrelas, sob uma temperatura extrema e difícil de atingir na Terra. A temperatura que Olson conseguiu chegar foi de cerca de 94 milhões de graus celsius, várias vezes mais quente que o sol.

A energia liberada pela fusão pode vir a ser uma fonte geradora de eletricidade. Entretanto o aparelho de Olson não pode servir como um gerador comercial porque a energia que consome é maior do que a que produz.

Robert Bussar, físico nuclear nos Estados Unidos, disse que "os jovens estão estudando coisas muito mais úteis do que nas pesquisas de bilhões de dólares que o nosso país gasta".

Padre proíbe casamento de deficientes no Rio de Janeiro

Rio de Janeiro - A psicóloga Eda Lúcia Damásio de Araújo, de 63 anos, entra hoje com representação no Ministério Público Estadual do Rio contra o padre João Pedro Stawicki, que se recusou a realizar o casamento do seu filho, Pablo Damásio de Araújo, de 33 anos, com Cláudia Araújo Vianna, de 32. Pablo tem paralisia cerebral e Cláudia, déficit de aprendizado. "A deficiência do Pablo é motora, apenas. E a de Cláudia não é genética. E mesmo que meu neto fosse deficiente, seria muito bem-vindo", afirmou Eda.

Pablo e Cláudia moravam juntos havia dois anos, quando decidiram casar-se no religioso. Eles procuraram a Paróquia de São Sebastião de Itaipu, na Região Oceânica de Niterói, Grande Rio, fizeram curso de noivos e marcaram a cerimônia para 9 de dezembro de 2006. Um mês antes, quando Pablo esteve na igreja para pagar a taxa de R$ 170, foi surpreendido com a informação de que o padre não faria a cerimônia. "O padre simplesmente devolveu a documentação e alegou que a moça era evangélica. Na verdade, na entrevista preliminar, a Cláudia contou que, quando criança, freqüentou cultos com uma tia. Mas nunca foi evangélica", contou a psicóloga.

A psicóloga enviou uma carta à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Recebeu um pedido de desculpas e foi orientada a procurar a Arquidiocese de Niterói. Enviou duas cartas ao arcebispo d. Alano Maria. Nunca obteve respostas. Decidiu, então, processar o padre. "É uma questão educativa. Não quero que isso se repita com outras pessoas", afirmou Eda. D. Alano não quis se pronunciar sobre o caso. A Assessoria de Imprensa da arquidiocese informou que "dificilmente" a decisão de Stawicki será revista. O casal acabou realizando uma cerimônia na sede da Andef na data prevista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

AE

Não é racismo se insurgir contra branco, diz ministra

Denize Bacoccina
De Brasília

A ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), diz que considera natural a discriminação dos negros contra os brancos.

Em entrevista à BBC Brasil para lembrar os 200 anos da proibição do comércio de escravos pele Império Britânico, tido como o ponto de partida para o fim da escravidão em todo o mundo, ela disse que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".

"A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural. Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou", afirmou.

Ribeiro disse que ainda vai demorar até que as políticas públicas implantadas nos últimos anos comecem a dar resultados concretos e diminuam a diferença econômica e social entre as populações branca e negra do país.

"Ainda temos muito o que fazer", afirma, enumerando ações que já começaram, como na área de educação e saúde.

Ela diz que, embora a abolição da escravatura tenha chegado atrasada ao Brasil, hoje o país tem uma das legislações mais avançadas do mundo em relação a direitos iguais, mas ainda falta uma mudança de postura da sociedade.

De acordo com as estatísticas, a proporção de negros abaixo da linha da pobreza na população brasileira é de 50%, enquanto entre os brancos é de 25%. Quando isso vai começar a mudar?
Matilde Ribeiro - As ações neste momento ainda são na ordem da estruturação das políticas. Por exemplo, no Ministério da Saúde estamos incluindo o quesito cor nos formulários. Precisamos ter referência do que adoece e morre a população brasileira, para poder ter programas específicos.

A secretaria já tem quatro anos, o que se pode perceber de resultado prático neste período?
Na educação, uma lei de 2003 obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira para as crianças, desde o início. O processo de implementação está em curso. É muito difícil ter números, resultados concretos. Mas já tem alguns resultados. Por exemplo, o (programa) Prouni, de bolsas de estudos para alunos carentes de escolas, já concedeu em menos de três anos mais de 200 mil bolsas no Brasil, dos quais 63 mil negros e 3 mil indígenas.

E em quanto tempo a senhora acha que poderemos ter uma situação de igualdade, onde as pessoas sejam julgadas pelo mérito, independentemente da raça?

O Brasil tem 507 anos. Há quase 120 anos, em 1888, foi assinado um decreto como este que o presidente assinou dizendo que não havia mais escravidão no Brasil. Só que não houve uma seqüência. Hoje, o fato de os negros e os indígenas serem os mais pobres entre os pobres é resultado de um descaso histórico. Então fica muito difícil hoje afirmar quanto tempo.

Como o Brasil se coloca no contexto internacional? O Brasil gosta de pensar que não tem discriminação e gosta de se citar como exemplo de integração. É assim que a senhora vê a situação?
É o seguinte: chegaram os europeus numa terra de índios, aí chegaram os africanos que não escolheram estar aqui, foram capturados e chegaram aqui como coisa. Os indígenas e os negros não eram os donos das armas, não eram os donos das leis, não eram os donos dos bens de consumo. A forma que eles encontraram para sobreviver não foi pelo conflito explícito. No Brasil, o racismo não se dá por lei, como foi na África do Sul. Isso nos levou a uma mistura. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão. Há um debate se aqui a questão é racial ou social. Eu diria que é as duas coisas.

E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.

Este mês, a Inglaterra comemora os 200 anos da proibição do comércio de escravos, coisa que no Brasil só aconteceu muito tempo depois. O Brasil ainda continua atrasado nesta área?
Não, nós temos acompanhado os fóruns internacionais. O Brasil é um dos países mais progressistas neste aspecto de legislação e de ação efetiva. A legislação no Brasil é extremamente avançada. Não é pela via legal que o racismo acontece. O que falta é mudança de postura das pessoas. Não adianta só o governo fazer. Muito já foi feito, mas como você disse no início: alterou os índices? Ainda não, portanto temos muito a fazer.

terça-feira, março 20, 2007

Dez teses contra Babel

LUIZ FELIPE PONDÉ

A atitude conservadora, que não é defesa irracional do passado, significa o cuidado com nossa história cognitiva, emocional e intelectual

1. REACIONÁRIO é um termo comum em assembléias e bares. Visa tornar a vítima inelegível para jantares inteligentes, aniquilando a sua vida acadêmica. Pensamento, sensibilidade e ceticismo são termos mais afeitos à crítica que supera os vícios da medrosa utopia moderna. Paralisado diante do que desconhece, o medo moderno prefere reduzir essa atitude a seus fantasmas infantis: fogueiras da inquisição, fé cega e obscurantismo medieval.
Erra, como todo preconceituoso, pois a discussão se dá estritamente no campo da razão e da defesa do comércio livre de idéias. A atitude conservadora -que não é uma defesa irracional do passado- significa o cuidado com nossa história cognitiva, emocional e intelectual contra a tendência totalitária do irracionalismo moderno, que detesta a realidade e decide modificá-la à luz da teoria que melhor apetece às suas pequenas manias inconfessáveis.
2. Esse irracionalismo fracassado delira com um mundo a partir de teorias de gabinete e suas reconstituições abstratas da realidade. O homem utilitarista de mercado, a metafísica marxista, o radical progressista, a asfixia burocrática, o gozo instrumental, a álgebra psicopolítica, todos estrangulam a experiência humana.
3. O pensamento religioso é mais sábio do que os ídolos dos últimos 200 anos que criaram fórmulas de perfectibilidade para nossa risível Babel. Filosofia, ciência e religião devem fundamentar a formação dos mais jovens. A relação entre razão e infelicidade é empírica, a relação entre razão e felicidade é ideal. Contrariamente ao pensamento mágico que se crê científico, reconhecer a sabedoria da religião nada tem a ver com a contradição moderna entre razão e fé, pois tal oposição já é fruto de má filosofia.
4. A natureza humana não é passível de redução a abstrações e deve ser olhada com respeito e temor: somos agressivos, banalmente interesseiros, às vezes santos. A "educação" -engenharias pedagógicas de última geração- nunca conseguirá "inventar" o homem ético abstrato. Contra o sonho da publicidade psicossocial, razão e emoção não fundam valor. Nem se deduz avanço a partir dos clichês da crítica social. Crítica e virtude não são necessariamente irmãs gêmeas.
Formação é um conceito mais sofisticado do que os manuais de felicidade social podem ensinar. A conduta humana é em muito fruto de processos que transcendem a especulação racional e deitam raízes no passado ancestral. Prudência, delicadeza e tremor devem nos guiar na formação.
5. O "puritano" moderno ama o homem abstrato e detesta a multiplicidade intratável que sangra. Facilmente ele se torna um pregador sem a contrapartida da piedade, que apenas aqueles que se sabem maus podem, talvez, contemplar.
6. Para além do mapa astral e do acúmulo do capital, um problema estrutural do humano é o orgulho desmedido e reativo contra sua evidente condição de sombra, silenciosamente contemplada no espelho e nos hospitais ao longo da banalidade das horas. Responsabilizar prioritariamente o contexto pela desgraça humana é uma mentira científica e tagarela.
7. Todo governo é opressor. O que impede que sua forma invisível esmague o indivíduo são as instâncias intermediárias de poder entre ele e o Estado, que jamais deve ser um agente moralizador. O pior Estado é aquele que cria valores. A importância da Idade Média, entre outras coisas, está na falta de uniformidade das instâncias de poder, mas o irracionalismo moderno só conhece a Idade Média dos iluministas e do cinema. A democracia corre o risco de se alimentar de mediocridade em nome da igualdade e da eficácia.
8. Mudanças pontuais e prudentes contra a agonia humana são bem-vindas, mas não a partir de teorias sociais ou psicológicas gerais. Nossa perigosa espécie acumulou ao longo dos milênios um delicado equilíbrio contra o risco contínuo de autodestruição. Não podemos crer nas engenharias psicossociais de almas afoitas em fundar um paraíso para seres com tão grande vocação para a mentira como nós.
9. Um traço cognitivo moderno é seu hábito metafísico inconsciente. Por exemplo, não existe tal coisa denominada "A liberdade", mas apenas lugares onde o governo, a mídia e as outras pessoas não podem entrar quando são indesejáveis.
10. Mais do que idéias, e contra o narcisismo dos vivos, o que nos humaniza é o convívio com os mortos e com os que ainda não nasceram.

LUIZ FELIPE PONDÉ, 47, filósofo e teólogo, é professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). É autor, entre outras obras, de "O Homem Insuficiente".

Cientistas encontram os primórdios da moralidade no comportamento de primatas

Nicholas Wade

Alguns animais são surpreendentemente sensíveis ao sofrimento dos outros. Chimpanzés, que não sabem nadar, morreram afogados em piscinas de zoológico tentando salvar os outros. Quando podem só obter comida puxando uma corrente que também desfere um choque elétrico a um companheiro, macacos rhesus passam fome por vários dias.

The New York Times
Cientistas dizem que certos comportamentos dos chipanzés fazem parte da herança humana


Biólogos argumentam que esses e outros comportamentos sociais são os precursores da moralidade humana. Eles também acreditam que, se a moralidade nasceu de regras de comportamento formuladas pela evolução, cabe aos biólogos, e não aos filósofos ou teólogos, dizer quais são essas regras.

Filósofos especialistas em moral não levam a sério a intenção dos biólogos de anexarem o assunto, mas interessam-se pelo que os biólogos têm a dizer e iniciou-se um diálogo acadêmico entre eles.

O primeiro grito de batalha foi do biólogo Edward O. Wilson, há mais de 30 anos, quando sugeriu em seu livro "Sociobiology" (sociobiologia) que chegara "a hora de a ética ser removida temporariamente das mãos dos filósofos" e passar aos biólogos. Talvez ele tenha corrido antes do tiro de largada, mas nas décadas que se passaram os biólogos fizeram um progresso considerável.

No ano passado, Marc Hauser, biólogo evolucionário de Harvard, propôs em seu livro "Moral Minds" (mentes morais) que o cérebro tem um mecanismo geneticamente determinado para adquirir regras morais, uma gramática moral universal. O mecanismo seria similar ao maquinário neural usado para aprender uma língua. Em outro livro recente, "Primates and Philosophers" (primatas e filósofos), o primatologista Frans de Waal defende, contra as críticas dos filósofos, a opinião que a raiz da moralidade pode ser vista no comportamento social de macacos e gorilas.

De Waal, que é diretor do Centro Living Links da Universidade Emory, argumenta que todos os animais sociais tiveram que restringir ou alterar seu comportamento de várias formas para a vida em grupo valer a pena. Essas restrições, evidentes em macacos e ainda mais em chimpanzés, também fazem parte da herança humana, e em sua opinião formam o conjunto de comportamentos do qual a moralidade humana foi formada.

Muitos filósofos acham difícil pensar em animais como seres morais. Waal de fato não alega que possuem moralidade, mas argumenta que a moralidade humana seria impossível sem certas bases emocionais que claramente estão em funcionamento em sociedades de chimpanzés e gorilas.

As opiniões de Waal baseiam-se em anos de observação de primatas não-humanos, começando com um trabalho sobre agressão nos anos 60. Ele observou que, depois de brigas entre dois combatentes, outros chimpanzés consolavam o perdedor. No entanto, batalhas com psicólogos o impediram de atribuir estados emocionais aos animais, e levou 20 anos para voltar ao assunto.

Ele descobriu que a consolação era universal entre os grandes primatas não-humanos, mas geralmente ausente em macacos menores - em algumas espécies as mães nem confortam um filhote ferido. Consolar o outro requer empatia e um grau de autoconsciência que apenas primatas parecem possuir, argumenta Waal. Ao perceber a empatia, o pesquisador passou a explorar as condições para a moralidade.

A moralidade humana poder envolver noções de direito e justiça e distinções éticas sofisticadas, mas começa com uma preocupação com os outros e a compreensão de regras sociais sobre como devem ser tratados, diz Waal. Neste nível inferior, há o que os primatólogos consideram uma sobreposição considerável entre o comportamento das pessoas e de outros primatas sociais.

A vida social requer empatia, que é especialmente evidente em chimpanzés, assim como formas de colocar fim a hostilidades internas. Toda espécie de macaco tem seu próprio protocolo de reconciliação após brigas, descobriu Waal. Se dois machos não fazem as pazes, as fêmeas freqüentemente aproximam os rivais, como se sentissem que a discórdia tornasse a comunidade pior e mais vulnerável a ataques de vizinhos. Ou então elas evitam uma briga tirando pedras das mãos dos machos.

Waal acredita que essas ações sejam tomadas para o bem maior da comunidade, de forma distinta das relações de pessoa a pessoa, e que são precursoras significativas da moralidade em sociedades humanas.

Macacos e chimpanzés têm um sentido de ordem social e regras sobre o comportamento esperado, a maior parte relacionada à natureza hierárquica de suas sociedades, na qual cada membro reconhece seu próprio lugar. Macacos rhesus jovens aprendem rapidamente a se comportar e ocasionalmente têm um dedo do pé ou da mão arrancados por uma mordida como punição.

Outros primatas também têm um sentido de reciprocidade e justiça. Eles se lembram de quem lhes fez favores e quem lhes fez mal. Chimpanzés têm maior probabilidade de dividir a comida com os que limparam os pelos deles. Macacos-prego mostram seu desprazer ao receberem recompensa menor do que um parceiro por alguma tarefa, como um pedaço de pepino em vez de uma uva.

Esses quatro tipos de comportamento - empatia, capacidade de aprender e seguir regras sociais, reciprocidade e fazer as pazes - são a base da sociabilidade. Waal acredita que a moralidade humana nasceu da sociabilidade primata, mas com dois níveis extra de sofisticação. As pessoas impõem seus códigos morais com muito mais rigor, pelo uso de recompensas, punições e fama. Elas também aplicam um grau de julgamento e razão, para o qual não há paralelos nos animais.

A religião pode ser vista como outro ingrediente especial das sociedades humanas, apesar de ter emergido milhares de anos após a moral, na opinião de Waal. Há precursores claros de moralidade em primatas não-humanos, mas não há precursores da religião. Então parece razoável assumir que, quando os humanos evoluíram a partir dos chimpanzés, a moralidade emergiu primeiro, seguida pela religião. "Vejo as religiões como adições recentes", diz ele. "Sua função pode estar relacionada com a vida social e a imposição de regras com narrativas, que é o que as religiões de fato fazem."

Waal acredita que a moral humana pode ser severamente limitada pelo fato de ter evoluído como forma de união contra adversários, com as restrições morais sendo observadas somente para o grupo interno, não para os de fora. "A ironia profunda é que nossa conquista mais nobre - a moral - tem laços evolucionários com nosso comportamento mais básico - a guerra", escreve. "O sentido de comunidade requerido pela primeira foi fornecido pela última."

Waal enfrentou muitos críticos na biologia evolucionária e na psicologia. O biólogo evolucionário George Williams negou a moralidade como um mero subproduto acidental da evolução, e os psicólogos fizeram objeções à atribuição de estados emocionais aos animais. Waal convenceu seus colegas, depois de muitos anos, que proibir a inferência de estados emocionais era pouco razoável pela continuidade evolucionária esperada entre humanos e outros primatas.

Seu público mais recente são os filósofos morais, muitos interessados em seu trabalho e de outros biólogos. "Nos departamentos de filosofia, um número crescente de pessoas são influenciadas pelo que têm a dizer", disse Gilbert Harman, filósofo de Princeton.

Philip Kitcher, filósofo de Columbia, gosta da abordagem empírica de Waal. "Não tenho dúvidas de que há padrões de comportamento que compartilhamos com nossos parentes primatas e que são relevantes às nossas decisões éticas", disse ele. "Os filósofos sempre foram seduzidos pelo sonho de um sistema de ética completo e acabado, como a matemática. Não acredito que seja assim, de forma alguma."

Mas a ética humana é consideravelmente mais complicada do que a empatia que Waal descreveu nos chimpanzés. "Empatia é a matéria prima da qual um conjunto ético mais complicado pode ser formulado", disse ele. "No mundo, somos confrontados com diferentes pessoas que podem ser alvos de nossa empatia. Ética é decidir quem ajudar, por que e quando."

Muitos filósofos acreditam que o raciocínio consciente tem grande papel no controle do comportamento ético e, portanto, não acreditam que tudo nasça das emoções, como a empatia, evidente nos chimpanzés. O elemento imparcial da moralidade vem da capacidade de raciocinar, escreve Peter Singer, filósofo de Princeton, em "Primates and Philosophers" (primatas e filósofos). Ele diz: "A razão é como uma escada rolante - quando entramos, não podemos descer até que tenhamos chegado aonde nos leva."

Era essa a opinião de Immanuel Kant, observou Singer, que acreditava que a moral deve ser baseada na razão, enquanto o filósofo escocês David Hume seguido de Waal, argumentou que os julgamentos morais nascem das emoções.

Biólogos como Waal acreditam que a razão é usada apenas depois de se chegar a uma decisão moral. Eles argumentam que a moral evoluiu em uma época em que as pessoas viviam em pequenas sociedades e freqüentemente tinham que tomar decisões instantâneas de vida ou morte, sem tempo para uma avaliação consciente de escolhas morais. O raciocínio vinha depois, como justificativa post hoc. "O comportamento humano deriva, acima de tudo, de julgamentos rápidos, automatizados e emocionais e apenas secundariamente de processos conscientes mais lentos", escreve Waal.

Por mais que celebremos a racionalidade, as emoções são nosso compasso, provavelmente porque foram moldadas pela evolução, na opinião de Waal. Por exemplo, diz ele: "As pessoas são contra soluções morais que envolvem fazer dano ao outro com as mãos. Isso pode ser porque a violência feita com a mão foi sujeita à seleção natural, enquanto deliberações utilitárias não."

Filósofos têm outro argumento para justificar por que os biólogos não podem, em sua opinião, chegar ao cerne da moralidade: é que as análises biológicas não conseguem cruzar o vão entre o que "é" e o que "deveria ser", entre a descrição dos comportamentos e a questão de porque são certos ou errados. "Talvez você identifique algum valor e conte uma história evolucionária para explicar porque o mantemos, mas sempre há aquela questão radicalmente diferente: se deveríamos mantê-lo", diz Sharon Street, filósofa da Universidade de Nova York. "Isso não é para minimizar a importância do que fazem os biólogos, mas mostra por que séculos de filosofia moral são também incrivelmente relevantes."

Jessé Prinz, filósofo da Universidade da Carolina do Norte, dá aos biólogos ainda menos campo. Ele acredita que a moralidade foi desenvolvida após o término da evolução humana e que os sentimentos morais são moldados pela cultura, não pela genética. "Seria uma falácia assumir que uma verdadeira moralidade seria um comportamento instintivo e não guiado pelo que devemos fazer", disse ele. "Um dos princípios que podem guiar a moralidade pode ser o reconhecimento de igual dignidade para todos os seres humanos, e isso parece não ter precedentes no mundo animal."

Waal não aceita a opinião dos filósofos que biólogos não podem passar do que "é" para o que "deve ser". "Não tenho certeza de quão realista é essa distinção", disse ele. "Animais têm aquilo que 'deve ser' feito. Se uma jovem entra em uma briga, a mãe deve se levantar e defendê-la. No compartilhamento de comida, animais pressionam os outros - o primeiro tipo de situação de qual é o comportamento 'devido'."

A definição de moralidade de Waal é ainda mais terrena do que a de Prinz. Moralidade, escreve, é "um sentido de certo e errado, nascido de sistemas grupais para administração de conflitos, baseado em valores compartilhados." As bases da moralidade não são bons comportamentos, mas capacidades mentais e sociais para construir sociedades "nas quais valores compartilhados restringem o comportamento individual, por um sistema de aprovação e reprovação".

Por essa definição, os chimpanzés, em sua opinião, realmente possuem algumas capacidades de comportamento inseridas em nossos sistemas morais. "A moral é tão firmemente enraizada na neurobiologia quanto tudo o mais que fazemos ou somos", escreveu Waal em seu livro de 1996 "Good Natured" (de boa natureza). Biólogos ignoraram essa possibilidade por muitos anos, acreditando que, como a seleção natural é cruel e sem misericórdia, somente poderia produzir pessoas com as mesmas qualidades. Mas essa é uma falácia, na opinião de Waal. A seleção natural favorece organismos que sobrevivem e reproduzem-se, por qualquer meio. E deu às pessoas um "compasso que leva em consideração os interesses de toda a comunidade, que é a essência da moralidade humana", escreve em "Primates and Philosophers".

Tradução: Deborah Weinberg
Visite o site do The New York Times

Cebit mostra TV do futuro, com jeitão e recursos da Internet e em 3D

FRANCISCO MADUREIRA
Editor do UOL Tecnologia, em Hannover

Esqueça as telas de LCD ou de plasma. A TV do futuro promete muito mais do que uma imagem de cinema em sua casa, com alta definição e som estéreo de sei lá quantos canais. Comece a pensar em uma televisão que chegue à sua sala pelo cabo de Internet, exiba links relacionados ao programa que você está vendo e transforme até mesmo parte das imagens em links para que você possa, por exemplo, comprar a camisa de seu time de futebol favorito ou o vestido daquela atriz. Mais —imagine que a TV lhe ofereça isso automaticamente, só de perceber que você ficou olhando por mais de cinco segundos para o mesmo lugar da tela.

CEBIT 2007

Estes são alguns dos conceitos de TV do futuro em exibição na Cebit 2007, maior feira de tecnologia do mundo, que vai até a próxima quarta-feira (21/03) em Hannover, Alemanha. Enquanto as fabricantes de eletroeletrônicos disputam para ver quem consegue produzir uma TV maior, o Parque do Futuro e estandes como o da Microsoft e do Instituto Fraunhofer mostraram tecnologias que devem mudar a forma como assistimos televisão nos próximos anos.

A TV via Internet, ou IPTV, é uma das maiores apostas. Segundo estudo do instituto Gartner, até 2010 cerca de 48 milhões de casas em todo o mundo receberão sinais de TV pela Web. De olho neste mercado, a Microsoft, por exemplo, trouxe à feira uma plataforma chamada IPTV Edition, software que roda em decodificadores digitais, como as "caixinhas" de TV a cabo do Brasil, só que conectados à Internet via cabos de rede. É possível navegar por menus com a grade de programação e selecionar, por exemplo, se quer gravar um determinado programa ou todos os programas daquela série, semanalmente. O software também integra conteúdos do PC e do telefone —dá para ver fotos, ouvir músicas e até ler e-mails e mensagens SMS na tela da TV.

TV 2.0 empresta conceitos da Web
Mas todos esses recursos ganham vida com um conceito exibido no Parque do Futuro, pavilhão da Cebit recheado de idéias de universidades e institutos de pesquisa do mundo inteiro. A Universidade de Ciências Aplicadas de Berlim, por exemplo, trouxe à feira o projeto TV 2.0 —que empresta conceitos da Web para tentar explorar melhor o fato de o sinal da TV chegar à sua casa pela Internet.

O professor Hagen Kaprykowsky, do departamento de Mídia Interativa da universidade, explica que o sistema consegue agregar informações às imagens digitais, como links relacionados ou que tornem clicáveis as próprias imagens —em uma demonstração, um vídeo exibido pela TV 2.0 mostrava um círculo piscando ao redor dos óculos de sol usados por um atleta durante uma competição. Seria possível então clicar nos óculos com o controle remoto e ser levado a uma loja virtual para comparar preços e comprar um modelo. "O projeto é ainda um piloto, mas acreditamos que a TV pode aprender bastante com a Web", diz Kaprykowsky.

O próprio controle remoto é algo que deve virar coisa do passado em breve. No estande do Instituto Fraunhofer, a exemplo do que já foi exibido na IFA 2006, LCDs com câmeras digitais embutidas conseguem detectar o movimento de suas mãos e permitem apontar e clicar em diferentes regiões da página simplesmente apontando os dedos em direção à tela.

Bem-te-vi

E por falar em telas inteligentes, outra tecnologia que deve mudar nossa relação com a TV e o próprio monitor do PC é o detector de olhar. O estande da Tobii, também no Parque do Futuro, mostrou dois modelos de monitores LCD com câmeras digitais que conseguem saber por onde seus olhos passaram —e permaneceram—na tela. Vai ficar mais fácil descobrir o que realmente mais chamou a atenção de sua namorada ou namorado naquele filme...

"Também será possível descobrir que produto chamou mais atenção de um espectador em um filme ou comercial, e direcionar melhor a publicidade e o comércio eletrônico", segundo um representante da Tobii. O monitor consegue detectar até mesmo as piscadas de olho, que podem, no caso do PC ou da TV 2.0, servir como clique.

Linguagem de programação anima festas britânicas

Um novo tipo de DJ está transformando programação em performance. Adeptos do "Livecoding" improvisam usando Perl, C++ ou arquiteturas de programação próprias para criar composições a partir do zero, substituindo instrumentos e samples pela autoria de código em tempo real diante de uma platéia.

Alex Maclean, um "livecoder" britânico e estudante de arte, afirma ter desistido de sua guitarra quando descobriu que poderia ser mais criativo usando linguagem de programação de computadores no lugar de cordas. Ele toca digitando código Perl em raves e boates, criando uma experiência musical e visual única.

As sessões com bateristas, MCs e outros "livecoders" podem ser comparadas à improvisação característica do free-jazz, afirma um artigo na Wired News.

Maclean escreveu seu próprio editor de texto, chamado Feedback.pl, que recompila seus programas continuamente através de um computador dedicado. Cada toque em uma tecla constrói uma melodia enquanto o cursor adiciona e substitui funções e variáveis de tempo. O processo de composição é projetado em telões.

Os "livecoders" formaram um grupo internacional chamado TOPLAP, que já conta com 200 membros. Para eles, as performances são um "desafio filosófico". Enquanto alguns preferem linguagens populares como Perl, outros preferem criar sua própria linguagem. Plataformas de código aberto como SuperCollider e Chuck, escrita no Laboratório de Sons da Universidade de Princeton, ganham o status de uma guitarra Fender entre os entusiastas do teclado.

No festival LiveCoda em Melbourne, na Austrália, uma multidão se reuniu em maio para ver times de graduandos em ciência da computação competir para debugar algoritmos de compressão de imagens em uma tela gigante, acompanhados por DJs.

Nos últimos meses o movimento tem ganhado cada vez mais adeptos ao redor do globo, especialmente entre os fãs de música eletrônica.

Morre criador da primeira linguagem de programação

John W. Backus, líder da equipe de programação da IBM que criou a linguagem Fortran, morreu no último sábado aos 82 anos. A linguagem, lançada em 1957 é considerada um ponto chave na computação, de acordo com o New York Times.

Foi o Fortran que transformou a programação e a tornou mais próxima da compreensão do homem. Antes a programação era muito complexa e necessitava muito estudo. De acordo com Ken Thompson, criador do Unix, 95% dos programadores de antigamente nunca teriam condições de exercer sua profissão se não fosse pelo Fortran.

Backus também inventou a "forma Backus-Naur", padrão para definição de sintaxe formal de linguagem. De acordo com parentes, Backus morreu em função de sua idade avançada, mas não deram mais detalhes sobre sua morte.

sexta-feira, março 16, 2007

"Hoje, quando uma banda mistura rock com dance music, dois estilos que têm uma história extensa, me desculpe, mas você tem obrigação de saber como tudo começou."
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL


No rock, ninguém quer ser chamado de dinossauro. Significa que uma banda ou artista passou do tempo, pertence apenas ao passado. No mundo da música eletrônica, que por definição pega carona nos avanços tecnológicos, o adjetivo tem conotação ainda mais pejorativa. Mas não para Laurent Garnier, que se assume como pré-histórico.
Em entrevista à Folha, por telefone, durante uma pausa em sua turnê pela Ásia e pela Austrália, Garnier, 41, não apenas adotou o termo dinossauro, como atacou a mistura de rock com eletrônica e o minimalismo -as duas principais correntes da dance music hoje.
E vai além. Para ele, a música eletrônica passa por um momento de reciclagem do passado e os verdadeiros artistas jovens não são mais os DJs e produtores, mas sim os técnicos que desenvolvem softwares e equipamentos musicais.
Aos 41 anos, Laurent Garnier é dinossauro muito mais por sua experiência do que pela idade. A história da dance music passa pelas discotecagens dele, que é considerado o maior DJ francês e um dos melhores do mundo.
Garnier acompanhou e fez parte da explosão da acid house, quando tocava no mítico clube Haçienda (assim mesmo, com cedilha), em Manchester.
Passou os anos 90 sendo chamado para se apresentar nos principais clubes do mundo graças a sets que não se prendiam a apenas um estilo: tecno, house, reggae, jazz, dub e até funk carioca ganham novo sentido pelas mãos de Garnier.
Ele já lançou os discos de estúdio "Shot in the Dark" (95), "30" (97), "Unreasonable Behaviour" (00) e "The Cloud Making Machine" (05), e canções essenciais como "Crispy Bacon" e "The Man with the Red Face". Em maio, Garnier retorna ao Brasil. Sua apresentação com Marky será a principal atração do festival Skol Beats. A seguir, a entrevista.


FOLHA - Você volta ao Brasil para tocar junto com Marky. Como será essa apresentação conjunta?
LAURENT GARNIER - Já fizemos isso em Paris, Londres e Tóquio. E funcionou, é muito legal. Nós tocamos juntos por uma hora, apenas drum'n'bass. É uma grande honra tocar com Marky, ele é muito habilidoso tecnicamente. O que ele faz com os toca-discos é incrível. É como um desafio. Porque, quando toco drum'n'bass, faço como se fosse tecno, com mixagens longas [a passagem de uma música a outra; em vez de cortar uma canção para entrar outra, Garnier costuma deixar duas faixas tocando juntas por um tempo maior]. Para o público, ver dois DJs em ação é algo especial.

FOLHA - Hoje muitos DJs e até bandas estão misturando eletrônica com rock. Você gosta?
GARNIER - A maioria é rasa, superficial. Fácil de fazer. São poucos os talentosos, como LCD Soundsystem. Eles conseguem fazer algo com o espírito que se fazia antigamente, de bandas como Liquid Liquid, que misturavam música branca e negra com personalidade. Fora eles, mais ninguém. As bandas tentam ter a atitude rock and roll, o jeito com que se vestem, aí colocam algumas batidas dançantes [nas canções], mas a maioria é vergonhosa.

"É claro que eu sou um dinossauro"

Garnier diz que não gosta das bandas da chamada new rave; "não conhecem história e não estão fazendo nada novo"

"No tecno minimal, algumas coisas são brilhantes, mas 85% é tremendamente chato, um lixo", afirma o DJ


FOLHA - Você não gosta dessas misturas que estão fazendo hoje na dance music?

LAURENT GARNIER - Em mais de 20 anos de dance music, muita gente vem misturando diferentes estilos. Música indiana com dance, world music com dance. Isso existe há tempos. Mas essas fusões são rasteiras, porque quem faz isso normalmente não pertence a nenhum desses estilos. Quando eu toco drum'n'bass, não misturo com batidas de tecno. Gosto do d'n'b pelo que ele é. A mesma coisa com hip hop, dub, reggae.
O problemas com muitas dessas bandas de rock é que elas não têm bagagem. Outro dia, vi uma reportagem sobre new rave, como chamam na Inglaterra. Nenhuma dessas bandas me agrada, não conhecem a história. E não estão fazendo nada novo. Ninguém venha me dizer que é novo porque o New Order fazia isso há 20 anos, e fazia naturalmente.
Nos anos 80, quando a house music surgiu, e aquilo foi uma verdadeira revolução, você nem precisava tanto ter uma bagagem, porque ali a história estava sendo feita. A house foi algo realmente novo. Usaram a tecnologia de uma maneira inovadora, os vocais eram usados como um instrumento, como uma máquina. Hoje, quando uma banda mistura rock com dance music, dois estilos que têm uma história extensa, me desculpe, mas você tem obrigação de saber como tudo começou.

FOLHA - Além do electro-rock, a dance music vem sendo tomada pelo estilo minimalista...
GARNIER - Hoje há duas ditaduras na dance music: a do electro-rock e a do tecno minimal. No tecno minimal, algumas coisas são brilhantes, mas 85% é tremendamente chato, vazio, um lixo. E ouvir isso por uma noite inteira é um pesadelo. Infelizmente, 80% dos clubes do mundo só tocam esses tipos de música. Porque está na moda.

FOLHA - Os novos softwares podem trazer algo de novo à música?
GARNIER - Na década de 90, tínhamos artistas que eram verdadeiros gênios, como Aphex Twin, por exemplo. Hoje, os verdadeiros gênios são os cientistas que desenvolvem novos equipamentos e softwares. Os gênios não estão fazendo música, estão criando máquinas. O resultado disso é a música minimal. Porque o dance-rock está atrás apenas de energia.

FOLHA - No rock, artistas mais velhos, como os Stones, são chamados de dinossauros. Você tem medo de ser tratado como um dinossauro?
GARNIER - Claro que sou um dinossauro! Me diga quem está fazendo algo novo hoje? Electro-rock? New rave? Me desculpe, mas já faziam isso há dez anos. Os jovens até podem achar que seja diferente, mas não é novo. Bandas como !!!, Shitdisco, Klaxons, são como filhotes do New Order. Não sou contra, acho que devem existir, mas não tente me dizer que isso é novo. Então, sim, claro que sou um dinossauro, sei que os mais novos pensam isso. Os Stones são dinossauros, Bowie é dinossauro, fico muito feliz em ser um dinossauro. Você precisa dos Stones, porque se não fossem eles, o rock and roll seria muito mais chato hoje. O que acho triste é que os jovens não estão vivendo uma verdadeira revolução. E eu realmente espero que algo novo aconteça. Estamos precisando.

Frases


"O problema com muitas dessas bandas de rock é que elas não têm bagagem. Outro dia, vi uma reportagem sobre new rave, como chamam na Inglaterra. Nenhuma dessas bandas me agrada, não conhecem a história. E não estão fazendo nada novo.
Ninguém venha me dizer que é novo porque o New Order fazia isso há 20 anos"
LAURENT GARNIER, DJ

"Por muitos anos, a eletrônica foi um gênero futurista.
Cada pequena mudança parecia uma revolução. Hoje estamos lidando com o passado, assimilando o que foi feito nesses anos todos, descobrindo clássicos perdidos, redefinindo técnicas de produção de música (mesmo com o constante desenvolvimento de softwares e hardwares)"

PHILIP SHERBURNE, jornalista

sábado, março 10, 2007

já vi esse filme.

A vida breve de Billy Cox

Eles são jovens. Eles vendem drogas. Eles carregam armas e assassinam uns aos outros. Quatro disparos no sul de Londres deixaram o Reino Unido em um estado de profunda preocupação com a situação de seus jovens urbanos

Thomas Hüetlin
em Londres


Corredores estreitos, o som de portões se fechando, nenhuma folha de grama no campo de futebol, apenas algumas poucas camisinhas usadas. O projeto habitacional de Fenwick Estate, no sul de Londres, é o tipo de lugar onde a pobreza parece tomar cada aspecto da vida. Nada muda aqui exceto as pichações quando outro garoto que chamam simplesmente de "soldado" é morto.

Há poucos anos foi a vez de Yankee. Mas como as enormes mensagens "Yankee RIP" (Yankee descanse em paz) apenas deixavam este local deprimente ainda mais desolador, a cidade investiu em algumas poucas latas de tinta e removeu a recordação. Agora o nome de Remer adorna as paredes.

Letras redondas pintadas em azul-turquesa dizem "Remer RIP" e apontam que seus amigos "nunca o esquecerão". Então vem "Remer RIP" em letras pretas, com o comentário acrescentado que "este soldado tombado agora está nas mãos de Deus".

"Remer" era o apelido nas ruas de Billy Cox. Ele tinha 15 anos e morava no apartamento nº 123 com seus pais e irmã. A campainha tocou no Dia de São Valentino (14 de fevereiro, quando se comemora o dia dos namorados em alguns países) por volta das 15h30. Dois jovens brancos e um negro aguardavam na porta, os vizinhos disseram à polícia posteriormente. Eles conversaram brevemente. Então dois partiram para comprar flores para o dia dos namorados. Um entrou com Billy no apartamento. Um disparo foi ouvido logo depois.

Quando Elizabeth, a irmã de Billy, chegou em casa minutos depois, ela encontrou seu irmão caído no quarto, sangrando. Ela tentou ressuscitá-lo e quando não teve sucesso, ela correu para o pátio, com as mãos cobertas de sangue. Billy Cox, foi determinado posteriormente, foi baleado à queima-roupa, ao "estilo execução".

Há muitas vítimas de assassinato nos bairros melancólicos do sul de Londres, além do centro rico e movimentado, mas a idade de Billy e o fato de três outros garotos e um jovem adulto - com idades de 15, 16 e 21 anos - terem sido mortos em um raio de poucos quilômetros em um intervalo de 11 dias incomodou profundamente as pessoas por todo o Reino Unido.

"Zona de Guerra Reino Unido", dizia a manchete do "Daily Mail", um dos jornais mais lidos no país. O horror e ultraje foram tamanhos que o primeiro-ministro teve que aparecer diante das câmeras de TV para acalmar um país que a Unicef rotulou, em um relatório recém-publicado, como um dos piores países para crianças entre os 21 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Os disparos "não foram uma metáfora para o estado da sociedade britânica", disse Tony Blair, antes de exigir um endurecimento das leis para porte de armas do país, que já estão entre as mais rígidas na Europa.

A oposição política saiu à procura do culpado na bancada do governo. O líder conservador, David Cameron, lamentou o declínio dos valores familiares. David Davis, o ministro paralelo do interior do país, se queixou do "crime violento" estar "fora de controle". Mas como costuma ser o caso, a verdade é mais complicada.

"Zona de Guerra, Reino Unido"

A violência envolvendo armas na verdade caiu 14% em Londres no ano passado. Mas os crimes com armas que ocorrem tendem a envolver pessoas pobres - negros e garotos ou jovens adultos. Ocorreram 505 crimes com arma em Lambeth e Southwark, áreas perto de Fenwick, em 2006, por exemplo - números que o jornal semanal "The Observer" descreveu como reminiscentes de Johannesburgo.

Além disso, tanto as vítimas quanto os assassinos estão ficando cada vez mais jovens. A unidade especial da Scotland Yard, "Operação Tridente", apurou que dos 32 assassinatos de negros por negros em Londres desde abril de 2005, 15 foram cometidos por adolescentes.

"Billy era um bom garoto, amigável. Ele sempre disse oi", disse Yacol, 42 anos, que mora no nº 115 de Fenwick Estate e que fica de frente para o memorial montado para Billy nas lajes de concreto do projeto habitacional. É um altar feito por crianças para crianças, coberto com flores, ursos de pelúcia, faixas do time do Arsenal e gravatas de uniforme escolar.

Os dedos de Yacol estão cobertos com anéis de ouro. Ele disse que tem sete filhos e trabalha em uma construção do amanhecer até a noite para poder criá-los.Para Yacol e sua esposa, "decência" significa sempre saber onde seus filhos estão e assegurar que ninguém saia do apartamento depois das 18 horas. "As ruas são malignas", disse Yacol. "Após o anoitecer elas pertencem às gangues, aos ladrões, às drogas e armas. Não há nada para uma criança normal lá."

Um problema enfrentado por bairros como Fenwick Estate é que ninguém lá realmente sabe mais o que "normal" significa. Será que são normais adultos que vivem do bem-estar social, aqueles que passam os dias chapados, assistindo séries de TV sobre cirurgia plástica? Ou são normais os adolescentes que tentam aprender algo em suas escolas caóticas? Ou são normais os adolescentes que abandonam a escola, ganham algum dinheiro vendendo drogas e ingressando em uma gangue? O que parece certo é que as gangues têm o domínio e impõem suas leis em Fenwick Estate.

Billy Cox resistiu às leis do gueto moderno por muito tempo. Thomas, seu pai de 52 anos, um operário de construção branco, e Kim, sua mãe de 48, uma faxineira tailandesa, se mudaram para Fenwick há 10 anos. Billy era um menino dedicado que amava futebol. "Ele era meio afeminado", disse uma jovem de Fenwick Estate. "Ele não tinha vergonha de passar horas conversando conosco. Billy costumava ser espancado pelos outros garotos. Seus amigos nunca o defendiam."

Cox buscou a proteção dos Clapham Town Kids, uma pequena gangue de Fenwick. "Eles são como irmãos; eles permanecem juntos nos bons e maus momentos", disse um vizinho. Agora Billy tinha uma segunda família. Billy Cox se tornou Remer, um soldado de rua. Ele foi pego roubando e ganhou uma tornozeleira eletrônica.

Tempo de sobra, mas sem futuro

A pressão começou a aumentar, especialmente na escola, a Ernest Bevin School. Ela é uma escola só para garotos, notória por sua cultura machista. Quando Cox soltou fogos no pátio da escola no último semestre, ele foi expulso. Desde então, ele ficava sentado em casa ou no McDonalds. Ele tinha tempo de sobra em suas mãos, mas nenhum futuro. Mas ainda queria ficar rico, de forma que continuou vendendo drogas -uma mistura de crack e cocaína- durante o dia, enquanto seus pais estavam fora.

Sempre há demanda por drogas. Estatisticamente, o Reino Unido possui o maior consumo de maconha, cocaína e ecstasy na Europa. E mais e mais usuários procuram Fenwick Estate, incluindo yuppies - especialmente depois que uma batida policial afugentou os traficantes da estação de metrô Clapham North. Cox usou o dinheiro que ganhou para comprar uma arma. "Se você quer ser levado a sério neste ramo, uma faca não é mais suficiente hoje em dia", disse Charles Bailey. "É preciso ter uma arma."

Bailey, um músico que costumava gravar canções para o Arsenal e Chelsea e que conhece Fenwick Estate muito bem, fundou a organização Don't Shoot (não atire) quando as pessoas começaram a morrer há seis anos. Ele começou a percorrer as escolas com uma apresentação de hip hop e ex-membros de gangue. Atualmente ele não recebe mais ajuda do Estado, mas as gangues continuam se armando - graças principalmente às armas baratas importadas da Europa Oriental. "Um vendedor de drogas em áreas como Fenwick está sempre em risco", disse Bailey. "Não por causa da polícia, mas porque os demais vendedores querem tomar seus negócios."

Aos 15 anos, Billy Cox não era um dos mais jovens no ramo das drogas - sua idade era a média. A lei britânica pune a posse de arma com pelo menos cinco anos de prisão se o delinqüente tiver 21 anos ou mais. Isto levou os vendedores de drogas a se tornarem progressivamente mais jovens. Agora eles são adolescentes. "Crimes raramente são descobertos aqui", disse Charles Bailey. "E o preço das armas começa em 50 libras (US$ 96) - menos da metade do preço de um par de tênis. Isto é barato, não é?"

Billy Cox viu problemas se aproximarem e se inscreveu no Fairbridge Centre, um local onde adolescentes cujas vidas não deram certo recebem uma segunda chance. Os sofás no Fairbridge Centre são velhos. O lugar fede a roupas mofadas e pobreza. Além de oferecer os habituais grupos de discussão, o centro visa permitir que os adolescentes aprendam uma vocação o mais rapidamente possível - e assim sair do sul de Londres. "Muitos dos garotos daqui nunca deixaram o sul de Londres em suas vidas", disse Chris Murray, o diretor do Fairbridge Centre.

Uma segunda chance

Murray já foi um dos jovens que atualmente orienta. Ele foi morador de rua até receber uma chance em Fairbridge. "Billy Cox veio duas vezes e então desapareceu de novo", disse Murray. "Isto é normal. Muitos se sentem sob pressão quando alguém repentinamente os leva a sério e expõe seus erros." Freqüentemente não é possível deixar de lidar com os problemas reais nas escolas caóticas, disse Murray. "Crianças que não sabem ler nem escrever direito nunca admitirão. Elas preferirão chamar seus professores de idiotas."

Billy Cox contatou o Fairbridge Centre em meados de janeiro. Ele queria voltar e aprender a construir casas, como seu pai. Mas ele nunca voltou. Sua vida estava novamente dedicada a Fenwick Estate, à gangue e às drogas - que pessoas como ele chamam de "negócios" porque acreditam que não há outro modo que valha a pena para se ganhar dinheiro.

"É claro que a cultura hip hop também tem algo a ver com as mortes no sul de Londres", disse Charles Bailey. Ele acrescentou que costumava rejeitar tal conclusão, mas que muitos adolescentes em Fenwick Estate realmente acreditam que podem atingir o estilo de vida dos astros pop exibidos na MTV - o gueto reluzente de luxo feito de iates de corrida, helicópteros, malas Louis Vuitton, champanhe resfriado e modelos prostitutas sempre prontas. Não é estudando que se chega ao topo, eles acreditam, não em um emprego em escritório das 9h às 17h. O conceito de carreira tem um significado diferente em algumas partes do sul de Londres: significa ser um esperto soldado de rua vendedor de drogas. Como canta 50 Cent, um dos ídolos de Fenwick Estate: "Ficar rico ou morrer tentando". "Não adianta contornar o assunto", disse Charles Bailey. "A violência é glamourosa. E uma arma é considerada símbolo de status."

Billy Cox também devia acreditar neste sonho -mesmo que cada vez mais perseguido por dúvidas e preocupações - até o final. Até ser visitado por três jovens naquela tarde do Dia de São Valentino - jovens que ele achava serem amigos ou pelo menos parceiros de negócios.

A irmã de Billy, que o encontrou morrendo, tem 13 anos. Ela passou no muito difícil exame de admissão da Royal Ballet School poucos dias antes. "São principalmente as meninas que nos dão esperança", disse Charles Bailey. Elas passam pelo mundo machista mortal dos meninos e o deixam para trás.

Tradução: George El Khouri Andolfato

sexta-feira, março 09, 2007

Todo dia é dia da mulher.

Uma das maiores virtudes de uma fêmea é arte de pedir.
Como elas pedem gostoso.
Como elas são boas nisso.
Resistir, quem há de?
Um simples “posso pegar essa cadeira, moço?” vira um épico. É o jeito de pedir, o ritmo da interrogação, a certeza de um “sim” estampado na covinha do sorriso.
Pede que eu dou.
Pede todas as jóias da Tiffany´s, minha bonequinha de luxo!
Estou pedindo: pede!
Eu imploro, eu lhe peço todos os seus pedidos mais difíceis.
Pede a bolsa mais recente da Louis Vuiton, pede o shopping inteiro, pede o Iguatemi, pede a Daslu, melhor ainda, pede a Daspu e veste só para o teu homem.
Pede que compro nem que seja no camelô, na 25 de Março, nas galerias dos coreanos, compro da Orenilda, minha prima sacoleira de São Miguel Paulista.
O que importa é o requinte e o atendimento da demanda.
Não me pede nada simples, faz favor, please.
Já que vai pedir, que peça alto. Você merece, uma mulher como essa não tem preço.
Amor sincero?
Fácil, fácil.
Fidelidade?
Acabo de criar o seu exclusivo cartão de milhagem.
Como é lindo uma mulher pedindo o impossível, o que não está ao alcance, o que não está dentro das nossas posses.
Podemos não ter adonde cair morto, mas damos um jeito, um truque, 12 vezes sem juros, no pré-datado, no cheque sem fundos.
Até aqueles pedidos silenciosos, quando amarra a fitinha do Senhor do Bonfim no braço…, são lindamente barulhentos.
Homem que é homem vira o gênio da lâmpada diante de uma mulher que pede o impossível.
Ah, quero o batom vermelho dos teus pedidos mais obscenos.
Quero o gloss renovado de todas as vezes que me pede para fazer um pedido, assim, quase sussurrando no ouvido: “Amor, posso te pedir uma coisa? Posso mesmo?”
Um jantar no D.O.M. ou no Fasano?
É pouco para o meu bico.
Flores de helicóptero?
Como na filosofia do pára-choque, o que você pede chorando que não faço sorrindo?!
Que eu faça o trânsito de São Paulo andar mesmo no dia da visita do Bush?
A sua rua, só a sua, está livre,com pedrinhas de brilhantes para o meu amor pisar.
Pede, benzinho, pede tudo.
Que eu largue a boemia, pare de beber e me regenere???
Pede, minha nega, que o amor tudo pode.
Mesmo as que têm mais poder de posse que todos nós não escapa de um belo pedido.
Com estas, as mais poderosas, tem ainda mais graça. Elas pedem só por esporte ou fetiche, o que não lhes comprometem a pose e muito menos a independência.
Não é questão de poder ou dinheiro.
O que importa é o pedido em si, o romantismo que há guardado no ato.
Os melhores cremes da Lancôme? Vamos a Paris comprar juntos.
Eu lhe peço: me pede.
Não pede mimos baratos, pede atenção, por exemplo, essa mercadoria tão cara ao mundo das moças. Pede que corrija os erros do meu português ruim, que eu deixe de alternar a segunda e terceira pessoa, que falta de classe, na boa, pede, nem que eu chame o Pasquale para ficar de “vela” corretiva entre eu e você, digo, entre tu e eu, melhor, entre nós dois…
Pede, amorzinho, pede gostoso, hoje sou o senhor de todas as tuas demandas, aproveita a febre, a efeméride, de diamante para baixo o céu é o limite.

Xico Sá

Baudrillard foi precursor da crítica aos simulacros do mundo virtual

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA


O filósofo francês Jean Baudrillard, morto anteontem, é considerado um dos pais do pós-modernismo, ao lado de teóricos como Jean-François Lyotard e Fredric Jameson. O título, longe de ser honorífico, está cercado de ambigüidades.
Para muitos críticos, a expressão "pós-moderno" está associada a um terrorismo epistemológico, que consistiria em reduzir qualquer discurso a "constructos" mentais sem lastro de realidade. E este, por sua vez, legitimaria o relativismo ético, o vale-tudo moral num mundo sem certezas.
Entretanto, a noção de "simulacro", proposta por Baudrillard para explicar a paisagem pós-industrial, se dirige justamente contra esse apagamento dos limites entre o real e suas representações. Para ele, lidamos em nosso cotidiano apenas com um "código" (e não com realidades palpáveis); a era da reprodução técnica do mundo se intensificou a ponto de assimilar o existente a um sistema de signos que cancela a própria idéia de "original", dos objetos naturais que a linguagem representaria:
"O significado e o referente foram abolidos para o único proveito do jogo de significantes, de uma formalização generalizada na qual o código já não se refere a nenhuma realidade subjetiva ou objetiva, mas à sua própria lógica", escreve em "O Espelho da Produção".

Pensamento crítico
A afirmação não difere muito de correntes filosóficas que colocam a linguagem não apenas como instância de nossa percepção mas como algo que dá forma ao mundo. E, ao fazê-lo, modifica sua essência, constituindo uma espécie de "segunda natureza".
Se essa idéia da volatilização do existente se difundiu nas últimas décadas, sob influxo dos meios de comunicação e das realidades virtuais, coube a Baudrillard detectar o processo em seu estado nascente.
Iniciando sua trajetória em Nanterre, reduto dos intelectuais de maio de 68 e de uma reação ao estruturalismo de Lacan, Barthes e Foucault, Baudrillard compartilha com eles a matriz de um pensamento crítico moderno (Marx, Freud, Nietzsche).
Para estes "mestres da suspeita" (segundo expressão de Paul Ricoeur), sempre há algo que permanece irrepresentado -como podemos ver em noções psicanalíticas como "recalque", "lapso", ou em categorias sociológicas como "alienação", "ideologia", "fetiche" etc.
Baudrillard chamou a atenção para o fato de que essas fissuras haviam ultrapassado âmbitos específicos (psique, relações de trabalho), produzindo uma hiper-realidade. Numa de suas primeiras obras, "O Sistema dos Objetos", ele amplifica a distinção marxista entre "valor de uso" e "valor de troca" da mercadoria, assinalando que todo objeto tem um valor simbólico intrínseco, que não pode ser visto apenas como excedente de suas funções utilitárias.
A partir daí, sua obra se desenvolveu sob a égide do imediato, acompanhando as mutações que nosso imaginário foi sofrendo sob o impacto dos simulacros, das experiências que reescrevem a dicotomia entre real e imaginário. Crítico da comunicação, Baudrillard foi um polemista que fez largo uso da imprensa para veicular suas inquietações.

domingo, março 04, 2007

Igrejas evangélicas tiram fiéis latino-americanos do catolicismo

Jens Glüsing

Os pastores evangélicos pentecostais na América Latina estão atraindo um número cada vez maior de católicos romanos para sua seita, com táticas modernas de marketing, incluindo bonés e camisetas com logotipos. A variedade de "serviços" religiosos oferecidos chega até mesmo a exorcismos.

Era noite de domingo em Perdizes, um bairro próspero de São Paulo. Centenas de adolescentes estavam a caminho de um serviço religioso em um antigo cinema. Os garotos estavam trajando roupa de surfista; as garotas usavam maquiagem pesada e vestiam tops parcos e jeans apertados. A maioria carregava uma Bíblia.

Um cantor em calça de couro preta apertada animava o público com ritmos reggae. Os jovens batiam o pé acompanhando o ritmo. Então as luzes da casa diminuíram, criando um ambiente perfeito para namoro. De repente, os holofotes se acenderam. O público aplaudiu e assovio, como se preparado para um concerto de rock. Raios de luz convergiram para um homem baixinho trajando jeans: o pastor Rinaldo Pereira.

O pastor de 34 anos arremessou seus braços no ar enquanto saudava sua congregação e se colocava atrás de seu altar, uma prancha de surfe sobre cavaletes. Às suas costas, um laptop projetava na parede imagens tranqüilizantes de paisagens de montanha e entardeceres. "Deus quer que vocês sorriam", berrou o pastor para o salão lotado. Os enormes alto-falantes ao lado do altar pulsavam. "Jesus! Jesus!" cantava o público.

Bem-vindo à Igreja Bola de Neve; ela é uma das centenas de comunidades protestantes pentecostais em São Paulo. Cerca de 5.000 fiéis participam do serviço religioso que o pastor "Rina" preside a cada domingo. A maioria dos fiéis tem menos de 30 anos. Enquanto seus pares estão circulando em shopping centers e pizzarias, os adolescentes em Perdizes estão na igreja. "O pastor Rina é da hora!" disse uma garota na entrada.

Um ex-pastor batista, Rina assumiu o salão em Perdizes há três anos, atraindo adolescentes com métodos de marketing que copiou do setor privado, vendendo camisetas da moda e bonés com o logotipo de sua igreja. No fim de semana, ele gosta de surfar longe de São Paulo. Um astuto pescador de almas, ele passou seis anos aprendendo seu ofício, pescando consumidores no departamento de marketing da Nestlé.

Rina decidiu estabelecer uma comunidade protestante pentecostal por uma "experiência espiritual", ele disse. Ele realizou seu primeiro serviço religioso em uma loja de produtos de surfe para um grupo de amigos. "Minha geração tem um forte anseio por espiritualidade que a Igreja Católica não consegue atender", ele explicou. "Religião era considerada quadrada. Então tínhamos que oferecer algo novo."

A Igreja Bola de Neve visa os jovens. Não há código de vestuário; o ambiente é descontraído e informal. "Deus não se importa com aparência", disse Rina, que vê a si mesmo como um animador a serviço do Senhor. Seus sermões são pontuados por piadas e ele freqüentemente chama os fiéis ao palco para atuações de improviso. Músicos de rock de primeira fornecem o acompanhamento. Até agora o conceito surtiu efeito: a igreja de Rina já conta com 26 filiais ao redor do país, incluindo algumas próximas das mais belas praias do Brasil.

O pastor surfista representa uma nova geração de pastores protestantes.
Diferente das comunidades pentecostais tradicionais, o foco não é a coleta do dízimo. Rina arrecada dinheiro vendendo surfwear, assim como CDs e DVDs contendo as músicas dos serviços religiosos. A Igreja Bola de Neve é tanto um centro de bem-estar religioso quanto um templo multimídia, atendendo não aos pobres, mas aos garotos de classe média com dinheiro. As vendas dos CDs do pastor Rina geralmente chegam a várias centenas de milhares.

Novas igrejas que esperam seguir a onda de sucesso de Rina estão despontando por todo o Brasil; apenas em São Paulo, as estatísticas mostram que novas igrejas evangélicas são fundadas na taxa de uma por dia. As igrejas atendem a todos gostos e orçamentos: algumas oferecem curas milagrosas e exorcismos; algumas atraem seguidores com música pop; outras se especializam em telemarketing. Como um bufê de salada, os fiéis podem provar um bocado dos pratos espirituais. Se não gostarem de um produto, podem simplesmente provar outro.

A Igreja Católica foi duramente atingida. Hordas de fiéis do maior país católico do mundo a estão trocando pelas igrejas evangélicas. O arcebispo de São Paulo, o cardeal Cláudio Hummes, estima que as igrejas católicas perderam um terço de seus fiéis nos últimos 40 anos. Sete entre 10 ex-católicos estão buscando a salvação em uma comunidade protestante.

Cerca de 18% dos brasileiros pertence a igrejas protestantes e metade de todos os fiéis em muitas das maiores cidades agora são protestantes. Uma guerra santa pelas almas das pessoas está sendo travada no Brasil", disse Regina Novaes, uma antropóloga e especialista em religiões. "A Igreja Católica perdeu o toque com as massas."

Enquanto as igrejas pentecostais -"uma árvore com muitos ramos" (Novaes)- cultiva um relacionamento direto com Deus, os católicos passam por um intermediário, o padre. "Os católicos não fornecem respostas rápidas para as necessidades das pessoas. Os protestantes são mais dinâmicos", disse Novaes.

A tendência se repete por toda a América Latina, antes baluarte do catolicismo romano no Terceiro Mundo. Do México até a Argentina, a Igreja está recuando. Em apenas poucos anos, mais da metade das populações da Guatemala e El Salvador deverão ser protestantes.

Ritmos de rap-metal ressoavam no salão de uma igreja com telhas onduladas metálicas no bairro de Villa Reconciliación, um distrito pobre de Manágua, a capital nicaragüense. Um jovem estava sentado diante do teclado, fazendo um rap sobre a morte de seu irmão. Uma camisa de mangas longas escondia suas tatuagens.

O corpo de Geovany Rodríguez é uma massa de tatuagens marciais e cicatrizes de ferimentos de faca. A cabeça de um cão babando no bíceps do homem de 29 anos indica sua filiação em Los Perros. "Os Cães" -cerca de 60 adolescentes e jovens adultos- estabeleceram um reinado de terror nas favelas da capital nicaragüense. Até seis anos atrás, Geovany era um dos líderes da gangue.

Ele fumava maconha e cheirava cocaína, financiando seu vício em drogas e seu arsenal de armas roubando ônibus e lojas. Ele foi preso quatro vezes e passou vários anos na prisão. Seu irmão foi baleado por uma gangue rival, supostamente para vingar o assassinato de um de seus membros.

Geovany disse que nunca matou ninguém, mas ele evita contato com os olhos ao dizer isto. Ele fala desconfortavelmente sobre seu passado. "Minha vida estava em um beco sem saída", ele disse. "Eu me sentia vazio por dentro." Um pastor da comunidade pentecostal Luz del Mundo abordou o jovem gângster na rua, o levou para o serviço religioso e permitiu que ele cantasse ao teclado. Geovany disse que sentiu um "poder sobrenatural" no momento.

Agora ele é um freqüentador assíduo da igreja. Os pastores o colocaram sob sua proteção, o empregando em serviços e o ajudando a desenvolver sua habilidade musical. Ele abandonou as drogas e o álcool.

Durante o serviço religioso, ele toca música rap religiosa. As letras descrevem sua conversão para um crente, como os cristãos renascidos são chamados. Um dia ele espera se tornar um músico profissional.

Como todas as comunidades pentecostais, a Luz del Mundo exerce controle restrito sobre seus membros. Seis vezes por semana, o pastor Wilmer Espinosa convoca os jovens para serviço na igreja. Quem não comparece é buscado em casa. "A comunidade exerce mais pressão sobre o indivíduo do que a Igreja Católica", disse Novaes. As pessoas que passam por crises pessoais podem contar com o sistema de apoio de suas congregações.

A Luz del Mundo é uma das maiores comunidades pentecostais da América Latina. Sua sede fica na Venezuela, mas ela tem igrejas por toda a região.

Seu líder, Jaime Banks Puertas, um ex-oficial das forças armadas da Venezuela, opera emissoras de rádio e produz programas de TV. Ele também usa a Internet como ferramenta missionária.

Os dias de igrejas pentecostais latino-americanas lideradas por americanos acabaram; a influência dos cristãos renascidos fundamentalistas desapareceu.
Os missionários de hoje vêm do Brasil, Venezuela e Porto Rico.

Os brasileiros, em particular, atualmente dominam o mercado pentecostal. A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo controverso "bispo" Edir Macedo, e a igreja evangélica dos pobres, Assembléia de Deus, possuem igrejas em Lisboa, Londres, Berlim e Moscou. Na América Latina, África e Leste Europeu, dezenas de milhares atendem aos serviços religiosos ministrados por pastores brasileiros. Edir Macedo encheu sem esforço o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 200 mil fiéis.

Macedo está travando uma disputa amarga com sua arqui-rival, a Assembléia de Deus, a maior comunidade evangélica pentecostal do Brasil. Ambas as igrejas vivem do sistema de dízimo, em que os pastores pressionam os fiéis a doarem dinheiro após cada culto.

O pastor da Igreja Universal exibiu a cesta de coleta durante o serviço em Botafogo, um bairro do Rio: "Se puder, doe R$ 50!" Ajudantes percorriam os bancos, recolhendo as doações. "Se não tiver R$ 50, doe 20, 30, 10 ou cinco!" Ninguém quer parecer sovina; mesmo o mais destituído doa um real ou dois.

Após o serviço, Macedo correu para seu carro e seguiu para a próxima igreja. O emprego de pastor paga bem: um recente anúncio de emprego oferecia R$ 3.500 por mês, mais um carro da "empresa". No Brasil, as igrejas contam com isenções especiais de impostos -aumentando o incentivo para candidatos a pastores.

Antes um vendedor de loteria no Rio, Macedo agora é um multimilionário com ativos incluindo casas de campo nos Estados Unidos, um iate e avião
particular. Suas igrejas imensas possuem assentos para dezenas de milhares de fiéis e sua mistura de mármore e vidro passou a dominar a paisagem arquitetônica do Brasil suburbano.

Os fiéis não fazem objeção à cobiça de seus líderes: a riqueza em si não é considerada um pecado, mas sim desejável. "Nas comunidades pentecostais, qualquer um pode se tornar um pastor", disse Novaes. "Para a maioria das pessoas, um carro bacana é símbolo de status."

No final dos anos 80, um estudo altamente divulgado do antropólogo americano Sheldon Annis concluiu que as comunidades protestantes são comercialmente mais bem-sucedidas que as comunidades católicas. Annis comparou a produtividade das operações de tecelagem em duas aldeias na Guatemala. Suas conclusões apontaram que, em comparação aos católicos, os pentecostais adotaram técnicas modernas de produção mais rapidamente, eram mais eficientes e mais preocupados em progredir.

"Apesar de sua freqüente identificação política atual de direita", escreveu Annis, "em pelo menos um sentido os primeiros missionários protestantes eram revolucionários das bases. (...) Aos olhos deles, a Igreja, o álcool e a dívida eram instrumentos de escravidão -e eles, os missionários, eram os libertadores".

As comunidades pentecostais são, portanto, percebidas como igrejas para
alpinistas sociais. Em vez de prometerem uma vida melhor no paraíso, elas pregam sobre a riqueza aqui e agora. E oferecem assistência prática na batalha contra o álcool e as drogas.

Logo, não é de se estranhar que sejam ímãs para os pobres. A favela de
Vigário Geral é uma das mais perigosas no Rio, mas conta com 14 comunidades pentecostais -e apenas uma Igreja Católica. Nos presídios superlotados da cidade, que são em grande parte controlados pelas gangues do narcotráfico, pastores protestantes converteram milhares de criminosos em cristãos renascidos. Vários chefões do crime e matadores se tornaram homens de Deus.

Nas favelas do Rio, as igrejas pentecostais e as gangues da cocaína
coexistem em um estado de simbiose confortável.

Era noite de sexta-feira em São João de Meriti, uma cidade pobre do Rio. Algumas poucas centenas de fiéis, entre eles antigos chefões das drogas, assassinos e ladrões, se reuniram na igreja pentecostal Assembléia de Deus dos Últimos Dias. Os homens vestiam ternos e gravatas; todas as mulheres vestiam saia; o pastor Marcos Pereira não permite que elas vistam calça no serviço religioso.

Pereira, um homem robusto de meia-idade com olhar penetrante, é o mais
conhecido e mais controverso salvador de almas do Rio. E ele é considerado uma lenda nas favelas: "Eu salvei centenas de meninos da tortura e morte", ele se gaba. Os moradores freqüentemente o chamam para mediar disputas entre gangues rivais das drogas. Mesmo o mais durão entra na linha quando o pastor aparece.

Os serviços religiosos de Pereira são verdadeiros espetáculos, megaeventos exibindo atos milagrosos de cura e exorcismo. Um após o outro, os membros de seu rebanho entram em transe. O pastor olha brevemente seus fiéis nos olhos, pressiona sua mão em suas testas e os "possessos" caem no chão. "Desapareça, demônio!" berra Pereira enquanto anda empertigado ao redor das vítimas, que se encolhem e gemem, com um dervixe rodopiante. Estalando seus dedos, ele as tira de seus transes após poucos minutos. Mesmo as pernas de estranhos ficam bambas quando Pereira lhes volta seu olhar. O homem tem poderes hipnóticos.

Antes de o pastor descobrir sua "vocação espiritual", ele servia mesas em Copacabana. "Eu bebia e freqüentava casas de prostituição", disse Pereira.

"Minha vida era uma bagunça." Sua "iluminação espiritual" ocorreu em um
ônibus; logo depois ele se juntou a uma igreja evangélica. A notícia de seu talento como hipnotista logo se espalhou. Atualmente seus serviços atraem até mesmo políticos e celebridades.

Os esforços de Pereira lhe renderam inúmeras "doações" e ele reuniu uma
imensa fortuna. Agora o pastor milagroso está buscando se expandir para o exterior. Ele viajou recentemente à Europa e também fez avanços nos Estados Unidos. "Muito trabalho me aguarda no Primeiro Mundo", ele disse com uma piscadela nada cristã. "Afinal, há demônios em toda parte."



Tradução: George El Khouri Andolfato
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sábado, março 03, 2007

Consumidor não é obrigado a comprar pipoca somente do Cinemark, diz STJ

Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça desta quinta-feira (1º/03) proíbe que o grupo Cinemark Brasil, responsável por grande parte das salas de exibição dos cinemas do país, obrigue o consumidor a comprar alimentos exclusivamente nas salas de espera do estabelecimento.

A decisão é válida para todo o Brasil e, para começar a valer, deve ser publicada no Diário da Justiça, o que pode demorar até 45 dias, segundo o STJ.

De acordo com o STJ, o cidadão pode levar de casa ou comprar em outro fornecedor a pipoca que consumirá durante a exibição do filme. Isso porque a lei do consumidor proíbe condicionar a venda de um produto a outro.

O grupo Cinemark ingressou na Justiça contra multa expedida pelo Procon do Rio de Janeiro. A empresa foi multada por praticar a chamada venda casada, ao permitir que somente produtos adquiridos em suas dependências fossem consumidos nas salas de projeção.

Segundo a empresa, o consumidor poderia assistir ao filme sem nada consumir. Desse modo, não haveria violação à relação de consumo. Disse ainda que, ao permitir a entrada de produtos comprados em outros locais, o Estado do Rio estaria interferindo na livre iniciativa, prevista na Constituição Federal.

Para os ministros do STJ, o o consumidor deve ter liberdade de escolha. Eles consideraram que a venda condicionada que a empresa cinematográfica pratica é bem diferente do que ocorre em bares e restaurantes, por exemplo, em que a venda de produtos alimentícios constitui a essência da atividade comercial.

Além disso, o princípio de não-intervenção do Estado na ordem econômica deve obedecer aos princípios do direito ao consumidor.

Drogas e violência

NO AUGE do debate sobre violência, Sérgio Cabral mencionou a legalização das drogas como um tema importante. Aparentemente, todos os que acreditam nesta saída futura deveriam lançar-se na batalha.
Mas quem conhece o processo de legalização fora daqui sabe que ele tem premissas que não foram cumpridas no Brasil. Uma delas é uma polícia mais ética e competente. Enquanto não se fizer uma reforma profunda nos organismos policiais, a mudança pode contribuir com a violência.
Com o tempo e observação internacional, passei a ver a legalização não como como uma renúncia ao controle, mas um salto de qualidade no próprio controle.
Aqui, no Brasil, é evidente que a súbita retirada dos mercados clandestinos jogaria os criminosos em outros tipos de crime. Logo, é preciso estar preparado para esse deslocamento, de um modo geral para seqüestros e roubos de carro.
Um brasileiro entrou num bar holandês onde se vende maconha.
Estava de gorro, e o gerente do bar se assustou. Chamou os seguranças que cuidam da entrada e os advertiu seriamente. Tinham esquecido da norma? É proibido entrar de gorro. Isto significa que os lugares são monitorados por câmeras.
Os armazéns suecos que vendem bebida possuem um grande fichário de clientes que não podem usar álcool. O fichário é consultado e uma luz vermelha se acende no caixa, indicando que, naquele caso, era proibido vender.
Quando a Inglaterra decidiu liberar o uso de maconha numa região de Londres, o fez aconselhada pela polícia. Argumento: quatro horas para abrir inquérito contra um usuário, é tempo preciso para realizar tarefas mais importantes de segurança pública.
Passei tantos anos falando em legalização e agora, que um jovem e corajoso governador levanta a tese, não posso abandoná-lo. Mas a melhor forma de concordar com ele é apontar e contribuir com a premissa que, realmente, pode nos aproximar, como outros países, da fase experimental: a reforma da polícia.
Mesmo a Colômbia, com os avanços em Bogotá, está mais perto da legalização do que nós, pois, do ponto de vista urbano, torna a violência administrável.
A tarefa de reformar a polícia não pode ser feita sem apoio da sociedade. Mas o importante é contar com as forças especiais e o Exército. Isso protege contra bolas pelas costas quando se tocam nos pontos mais sensíveis da corporação.
Pensem no Haiti. Em situação muito mais difícil, abriu-se um caminho em Bel Air e, nesta semana, Cité Soleil caiu nas mãos dos brasileiros. De que adianta correr o mundo se não aprendemos as lições?
assessoria@gabeira.com.br

FERNANDO GABEIRA

Cabral diz que legalizar drogas ajudaria no combate ao crime

Por Andrei Khalip

RIO DE JANEIRO (Reuters) - A legalização das drogas poderia reduzir a criminalidade e a violência que estão tomando conta do Rio de Janeiro, disse na sexta-feira o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), que prometeu seguir exemplos bem-sucedidos de Nova York e da Colômbia.

"Grande parte da criminalidade no meu Estado e na cidade vêm da proibição (das drogas), muitos jovens morrem em guerras por pontos de venda de drogas", disse Cabral a jornalistas estrangeiros, defendendo o debate sobre a legalização em nível nacional e mundial.

"Será que os Estados Unidos estão corretos em sua política conservadora sobre as drogas? Na minha visão, [estão] absolutamente incorretos", afirmou o governador, há dois meses no cargo.

O Rio tem uma taxa anual de 40 homicídios para cada 100 mil habitantes, uma das maiores da América Latina. Grande parte disso se deve a disputas entre quadrilhas de traficantes e a confrontos delas com a polícia.

As autoridades dizem que a criminalidade só pode ser vencida com iniciativas de longo prazo, como educação e empregos. Propostas de legalização das drogas são raras no Brasil.

Uma das primeiras medidas de Cabral como governador foi pedir o envio da Força Nacional de Segurança ao Rio, depois de uma onda de violência antes de sua posse, em dezembro, quando bandidos atacaram postos policiais e queimaram ônibus.

Mas a presença de centenas de agentes surtiu pouco efeito. No mês passado, policiais e traficantes entraram em conflito em favelas. Houve ainda uma comoção popular em torno da morte do menino João Hélio, de 6 anos, arrastado em um carro durante um assalto.

Cabral disse que as polícias estaduais, os agentes federais e o Exército estão agora fazendo o trabalho de inteligência para operações pontuais contra traficantes, ao invés de confiarem em invasões "militares" mal planejadas, que frequentemente causam a morte de inocentes nos morros.

Ele defendeu uma política de "tolerância zero", inspirada na campanha do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, agora pré-candidato republicano à presidência dos EUA. Citou também exemplos colombianos em abrir as favelas para a presença do policiamento e dos demais serviços públicos.

Cabral afirmou que os mais de 1 milhão de favelados cariocas precisam ser protegidos dos traficantes e também da violência policial. Segundo ele, seu governo deu novas instruções à polícia, que "agora não sai mais matando por aí". Grupos de direitos humanos acusam a polícia de realizar execuções sumárias -- cerca de mil "suspeitos" são mortos por policiais anualmente no Rio.

Questionado sobre as milícias que estão expulsando traficantes de algumas favelas e cobrando taxas de proteção dos moradores, Cabral disse que elas não serão toleradas.

No plano urbanístico, ele defendeu um controle sobre a expansão das favelas e a regularização dos assentamentos clandestinos, com serviços públicos como policiamento, ambulâncias e bombeiros.