sexta-feira, março 16, 2007

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL


No rock, ninguém quer ser chamado de dinossauro. Significa que uma banda ou artista passou do tempo, pertence apenas ao passado. No mundo da música eletrônica, que por definição pega carona nos avanços tecnológicos, o adjetivo tem conotação ainda mais pejorativa. Mas não para Laurent Garnier, que se assume como pré-histórico.
Em entrevista à Folha, por telefone, durante uma pausa em sua turnê pela Ásia e pela Austrália, Garnier, 41, não apenas adotou o termo dinossauro, como atacou a mistura de rock com eletrônica e o minimalismo -as duas principais correntes da dance music hoje.
E vai além. Para ele, a música eletrônica passa por um momento de reciclagem do passado e os verdadeiros artistas jovens não são mais os DJs e produtores, mas sim os técnicos que desenvolvem softwares e equipamentos musicais.
Aos 41 anos, Laurent Garnier é dinossauro muito mais por sua experiência do que pela idade. A história da dance music passa pelas discotecagens dele, que é considerado o maior DJ francês e um dos melhores do mundo.
Garnier acompanhou e fez parte da explosão da acid house, quando tocava no mítico clube Haçienda (assim mesmo, com cedilha), em Manchester.
Passou os anos 90 sendo chamado para se apresentar nos principais clubes do mundo graças a sets que não se prendiam a apenas um estilo: tecno, house, reggae, jazz, dub e até funk carioca ganham novo sentido pelas mãos de Garnier.
Ele já lançou os discos de estúdio "Shot in the Dark" (95), "30" (97), "Unreasonable Behaviour" (00) e "The Cloud Making Machine" (05), e canções essenciais como "Crispy Bacon" e "The Man with the Red Face". Em maio, Garnier retorna ao Brasil. Sua apresentação com Marky será a principal atração do festival Skol Beats. A seguir, a entrevista.


FOLHA - Você volta ao Brasil para tocar junto com Marky. Como será essa apresentação conjunta?
LAURENT GARNIER - Já fizemos isso em Paris, Londres e Tóquio. E funcionou, é muito legal. Nós tocamos juntos por uma hora, apenas drum'n'bass. É uma grande honra tocar com Marky, ele é muito habilidoso tecnicamente. O que ele faz com os toca-discos é incrível. É como um desafio. Porque, quando toco drum'n'bass, faço como se fosse tecno, com mixagens longas [a passagem de uma música a outra; em vez de cortar uma canção para entrar outra, Garnier costuma deixar duas faixas tocando juntas por um tempo maior]. Para o público, ver dois DJs em ação é algo especial.

FOLHA - Hoje muitos DJs e até bandas estão misturando eletrônica com rock. Você gosta?
GARNIER - A maioria é rasa, superficial. Fácil de fazer. São poucos os talentosos, como LCD Soundsystem. Eles conseguem fazer algo com o espírito que se fazia antigamente, de bandas como Liquid Liquid, que misturavam música branca e negra com personalidade. Fora eles, mais ninguém. As bandas tentam ter a atitude rock and roll, o jeito com que se vestem, aí colocam algumas batidas dançantes [nas canções], mas a maioria é vergonhosa.

"É claro que eu sou um dinossauro"

Garnier diz que não gosta das bandas da chamada new rave; "não conhecem história e não estão fazendo nada novo"

"No tecno minimal, algumas coisas são brilhantes, mas 85% é tremendamente chato, um lixo", afirma o DJ


FOLHA - Você não gosta dessas misturas que estão fazendo hoje na dance music?

LAURENT GARNIER - Em mais de 20 anos de dance music, muita gente vem misturando diferentes estilos. Música indiana com dance, world music com dance. Isso existe há tempos. Mas essas fusões são rasteiras, porque quem faz isso normalmente não pertence a nenhum desses estilos. Quando eu toco drum'n'bass, não misturo com batidas de tecno. Gosto do d'n'b pelo que ele é. A mesma coisa com hip hop, dub, reggae.
O problemas com muitas dessas bandas de rock é que elas não têm bagagem. Outro dia, vi uma reportagem sobre new rave, como chamam na Inglaterra. Nenhuma dessas bandas me agrada, não conhecem a história. E não estão fazendo nada novo. Ninguém venha me dizer que é novo porque o New Order fazia isso há 20 anos, e fazia naturalmente.
Nos anos 80, quando a house music surgiu, e aquilo foi uma verdadeira revolução, você nem precisava tanto ter uma bagagem, porque ali a história estava sendo feita. A house foi algo realmente novo. Usaram a tecnologia de uma maneira inovadora, os vocais eram usados como um instrumento, como uma máquina. Hoje, quando uma banda mistura rock com dance music, dois estilos que têm uma história extensa, me desculpe, mas você tem obrigação de saber como tudo começou.

FOLHA - Além do electro-rock, a dance music vem sendo tomada pelo estilo minimalista...
GARNIER - Hoje há duas ditaduras na dance music: a do electro-rock e a do tecno minimal. No tecno minimal, algumas coisas são brilhantes, mas 85% é tremendamente chato, vazio, um lixo. E ouvir isso por uma noite inteira é um pesadelo. Infelizmente, 80% dos clubes do mundo só tocam esses tipos de música. Porque está na moda.

FOLHA - Os novos softwares podem trazer algo de novo à música?
GARNIER - Na década de 90, tínhamos artistas que eram verdadeiros gênios, como Aphex Twin, por exemplo. Hoje, os verdadeiros gênios são os cientistas que desenvolvem novos equipamentos e softwares. Os gênios não estão fazendo música, estão criando máquinas. O resultado disso é a música minimal. Porque o dance-rock está atrás apenas de energia.

FOLHA - No rock, artistas mais velhos, como os Stones, são chamados de dinossauros. Você tem medo de ser tratado como um dinossauro?
GARNIER - Claro que sou um dinossauro! Me diga quem está fazendo algo novo hoje? Electro-rock? New rave? Me desculpe, mas já faziam isso há dez anos. Os jovens até podem achar que seja diferente, mas não é novo. Bandas como !!!, Shitdisco, Klaxons, são como filhotes do New Order. Não sou contra, acho que devem existir, mas não tente me dizer que isso é novo. Então, sim, claro que sou um dinossauro, sei que os mais novos pensam isso. Os Stones são dinossauros, Bowie é dinossauro, fico muito feliz em ser um dinossauro. Você precisa dos Stones, porque se não fossem eles, o rock and roll seria muito mais chato hoje. O que acho triste é que os jovens não estão vivendo uma verdadeira revolução. E eu realmente espero que algo novo aconteça. Estamos precisando.

Frases


"O problema com muitas dessas bandas de rock é que elas não têm bagagem. Outro dia, vi uma reportagem sobre new rave, como chamam na Inglaterra. Nenhuma dessas bandas me agrada, não conhecem a história. E não estão fazendo nada novo.
Ninguém venha me dizer que é novo porque o New Order fazia isso há 20 anos"
LAURENT GARNIER, DJ

"Por muitos anos, a eletrônica foi um gênero futurista.
Cada pequena mudança parecia uma revolução. Hoje estamos lidando com o passado, assimilando o que foi feito nesses anos todos, descobrindo clássicos perdidos, redefinindo técnicas de produção de música (mesmo com o constante desenvolvimento de softwares e hardwares)"

PHILIP SHERBURNE, jornalista

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