A vida breve de Billy Cox
Eles são jovens. Eles vendem drogas. Eles carregam armas e assassinam uns aos outros. Quatro disparos no sul de Londres deixaram o Reino Unido em um estado de profunda preocupação com a situação de seus jovens urbanos
Thomas Hüetlin
em Londres
Corredores estreitos, o som de portões se fechando, nenhuma folha de grama no campo de futebol, apenas algumas poucas camisinhas usadas. O projeto habitacional de Fenwick Estate, no sul de Londres, é o tipo de lugar onde a pobreza parece tomar cada aspecto da vida. Nada muda aqui exceto as pichações quando outro garoto que chamam simplesmente de "soldado" é morto.
Há poucos anos foi a vez de Yankee. Mas como as enormes mensagens "Yankee RIP" (Yankee descanse em paz) apenas deixavam este local deprimente ainda mais desolador, a cidade investiu em algumas poucas latas de tinta e removeu a recordação. Agora o nome de Remer adorna as paredes.
Letras redondas pintadas em azul-turquesa dizem "Remer RIP" e apontam que seus amigos "nunca o esquecerão". Então vem "Remer RIP" em letras pretas, com o comentário acrescentado que "este soldado tombado agora está nas mãos de Deus".
"Remer" era o apelido nas ruas de Billy Cox. Ele tinha 15 anos e morava no apartamento nº 123 com seus pais e irmã. A campainha tocou no Dia de São Valentino (14 de fevereiro, quando se comemora o dia dos namorados em alguns países) por volta das 15h30. Dois jovens brancos e um negro aguardavam na porta, os vizinhos disseram à polícia posteriormente. Eles conversaram brevemente. Então dois partiram para comprar flores para o dia dos namorados. Um entrou com Billy no apartamento. Um disparo foi ouvido logo depois.
Quando Elizabeth, a irmã de Billy, chegou em casa minutos depois, ela encontrou seu irmão caído no quarto, sangrando. Ela tentou ressuscitá-lo e quando não teve sucesso, ela correu para o pátio, com as mãos cobertas de sangue. Billy Cox, foi determinado posteriormente, foi baleado à queima-roupa, ao "estilo execução".
Há muitas vítimas de assassinato nos bairros melancólicos do sul de Londres, além do centro rico e movimentado, mas a idade de Billy e o fato de três outros garotos e um jovem adulto - com idades de 15, 16 e 21 anos - terem sido mortos em um raio de poucos quilômetros em um intervalo de 11 dias incomodou profundamente as pessoas por todo o Reino Unido.
"Zona de Guerra Reino Unido", dizia a manchete do "Daily Mail", um dos jornais mais lidos no país. O horror e ultraje foram tamanhos que o primeiro-ministro teve que aparecer diante das câmeras de TV para acalmar um país que a Unicef rotulou, em um relatório recém-publicado, como um dos piores países para crianças entre os 21 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Os disparos "não foram uma metáfora para o estado da sociedade britânica", disse Tony Blair, antes de exigir um endurecimento das leis para porte de armas do país, que já estão entre as mais rígidas na Europa.
A oposição política saiu à procura do culpado na bancada do governo. O líder conservador, David Cameron, lamentou o declínio dos valores familiares. David Davis, o ministro paralelo do interior do país, se queixou do "crime violento" estar "fora de controle". Mas como costuma ser o caso, a verdade é mais complicada.
"Zona de Guerra, Reino Unido"
A violência envolvendo armas na verdade caiu 14% em Londres no ano passado. Mas os crimes com armas que ocorrem tendem a envolver pessoas pobres - negros e garotos ou jovens adultos. Ocorreram 505 crimes com arma em Lambeth e Southwark, áreas perto de Fenwick, em 2006, por exemplo - números que o jornal semanal "The Observer" descreveu como reminiscentes de Johannesburgo.
Além disso, tanto as vítimas quanto os assassinos estão ficando cada vez mais jovens. A unidade especial da Scotland Yard, "Operação Tridente", apurou que dos 32 assassinatos de negros por negros em Londres desde abril de 2005, 15 foram cometidos por adolescentes.
"Billy era um bom garoto, amigável. Ele sempre disse oi", disse Yacol, 42 anos, que mora no nº 115 de Fenwick Estate e que fica de frente para o memorial montado para Billy nas lajes de concreto do projeto habitacional. É um altar feito por crianças para crianças, coberto com flores, ursos de pelúcia, faixas do time do Arsenal e gravatas de uniforme escolar.
Os dedos de Yacol estão cobertos com anéis de ouro. Ele disse que tem sete filhos e trabalha em uma construção do amanhecer até a noite para poder criá-los.Para Yacol e sua esposa, "decência" significa sempre saber onde seus filhos estão e assegurar que ninguém saia do apartamento depois das 18 horas. "As ruas são malignas", disse Yacol. "Após o anoitecer elas pertencem às gangues, aos ladrões, às drogas e armas. Não há nada para uma criança normal lá."
Um problema enfrentado por bairros como Fenwick Estate é que ninguém lá realmente sabe mais o que "normal" significa. Será que são normais adultos que vivem do bem-estar social, aqueles que passam os dias chapados, assistindo séries de TV sobre cirurgia plástica? Ou são normais os adolescentes que tentam aprender algo em suas escolas caóticas? Ou são normais os adolescentes que abandonam a escola, ganham algum dinheiro vendendo drogas e ingressando em uma gangue? O que parece certo é que as gangues têm o domínio e impõem suas leis em Fenwick Estate.
Billy Cox resistiu às leis do gueto moderno por muito tempo. Thomas, seu pai de 52 anos, um operário de construção branco, e Kim, sua mãe de 48, uma faxineira tailandesa, se mudaram para Fenwick há 10 anos. Billy era um menino dedicado que amava futebol. "Ele era meio afeminado", disse uma jovem de Fenwick Estate. "Ele não tinha vergonha de passar horas conversando conosco. Billy costumava ser espancado pelos outros garotos. Seus amigos nunca o defendiam."
Cox buscou a proteção dos Clapham Town Kids, uma pequena gangue de Fenwick. "Eles são como irmãos; eles permanecem juntos nos bons e maus momentos", disse um vizinho. Agora Billy tinha uma segunda família. Billy Cox se tornou Remer, um soldado de rua. Ele foi pego roubando e ganhou uma tornozeleira eletrônica.
Tempo de sobra, mas sem futuro
A pressão começou a aumentar, especialmente na escola, a Ernest Bevin School. Ela é uma escola só para garotos, notória por sua cultura machista. Quando Cox soltou fogos no pátio da escola no último semestre, ele foi expulso. Desde então, ele ficava sentado em casa ou no McDonalds. Ele tinha tempo de sobra em suas mãos, mas nenhum futuro. Mas ainda queria ficar rico, de forma que continuou vendendo drogas -uma mistura de crack e cocaína- durante o dia, enquanto seus pais estavam fora.
Sempre há demanda por drogas. Estatisticamente, o Reino Unido possui o maior consumo de maconha, cocaína e ecstasy na Europa. E mais e mais usuários procuram Fenwick Estate, incluindo yuppies - especialmente depois que uma batida policial afugentou os traficantes da estação de metrô Clapham North. Cox usou o dinheiro que ganhou para comprar uma arma. "Se você quer ser levado a sério neste ramo, uma faca não é mais suficiente hoje em dia", disse Charles Bailey. "É preciso ter uma arma."
Bailey, um músico que costumava gravar canções para o Arsenal e Chelsea e que conhece Fenwick Estate muito bem, fundou a organização Don't Shoot (não atire) quando as pessoas começaram a morrer há seis anos. Ele começou a percorrer as escolas com uma apresentação de hip hop e ex-membros de gangue. Atualmente ele não recebe mais ajuda do Estado, mas as gangues continuam se armando - graças principalmente às armas baratas importadas da Europa Oriental. "Um vendedor de drogas em áreas como Fenwick está sempre em risco", disse Bailey. "Não por causa da polícia, mas porque os demais vendedores querem tomar seus negócios."
Aos 15 anos, Billy Cox não era um dos mais jovens no ramo das drogas - sua idade era a média. A lei britânica pune a posse de arma com pelo menos cinco anos de prisão se o delinqüente tiver 21 anos ou mais. Isto levou os vendedores de drogas a se tornarem progressivamente mais jovens. Agora eles são adolescentes. "Crimes raramente são descobertos aqui", disse Charles Bailey. "E o preço das armas começa em 50 libras (US$ 96) - menos da metade do preço de um par de tênis. Isto é barato, não é?"
Billy Cox viu problemas se aproximarem e se inscreveu no Fairbridge Centre, um local onde adolescentes cujas vidas não deram certo recebem uma segunda chance. Os sofás no Fairbridge Centre são velhos. O lugar fede a roupas mofadas e pobreza. Além de oferecer os habituais grupos de discussão, o centro visa permitir que os adolescentes aprendam uma vocação o mais rapidamente possível - e assim sair do sul de Londres. "Muitos dos garotos daqui nunca deixaram o sul de Londres em suas vidas", disse Chris Murray, o diretor do Fairbridge Centre.
Uma segunda chance
Murray já foi um dos jovens que atualmente orienta. Ele foi morador de rua até receber uma chance em Fairbridge. "Billy Cox veio duas vezes e então desapareceu de novo", disse Murray. "Isto é normal. Muitos se sentem sob pressão quando alguém repentinamente os leva a sério e expõe seus erros." Freqüentemente não é possível deixar de lidar com os problemas reais nas escolas caóticas, disse Murray. "Crianças que não sabem ler nem escrever direito nunca admitirão. Elas preferirão chamar seus professores de idiotas."
Billy Cox contatou o Fairbridge Centre em meados de janeiro. Ele queria voltar e aprender a construir casas, como seu pai. Mas ele nunca voltou. Sua vida estava novamente dedicada a Fenwick Estate, à gangue e às drogas - que pessoas como ele chamam de "negócios" porque acreditam que não há outro modo que valha a pena para se ganhar dinheiro.
"É claro que a cultura hip hop também tem algo a ver com as mortes no sul de Londres", disse Charles Bailey. Ele acrescentou que costumava rejeitar tal conclusão, mas que muitos adolescentes em Fenwick Estate realmente acreditam que podem atingir o estilo de vida dos astros pop exibidos na MTV - o gueto reluzente de luxo feito de iates de corrida, helicópteros, malas Louis Vuitton, champanhe resfriado e modelos prostitutas sempre prontas. Não é estudando que se chega ao topo, eles acreditam, não em um emprego em escritório das 9h às 17h. O conceito de carreira tem um significado diferente em algumas partes do sul de Londres: significa ser um esperto soldado de rua vendedor de drogas. Como canta 50 Cent, um dos ídolos de Fenwick Estate: "Ficar rico ou morrer tentando". "Não adianta contornar o assunto", disse Charles Bailey. "A violência é glamourosa. E uma arma é considerada símbolo de status."
Billy Cox também devia acreditar neste sonho -mesmo que cada vez mais perseguido por dúvidas e preocupações - até o final. Até ser visitado por três jovens naquela tarde do Dia de São Valentino - jovens que ele achava serem amigos ou pelo menos parceiros de negócios.
A irmã de Billy, que o encontrou morrendo, tem 13 anos. Ela passou no muito difícil exame de admissão da Royal Ballet School poucos dias antes. "São principalmente as meninas que nos dão esperança", disse Charles Bailey. Elas passam pelo mundo machista mortal dos meninos e o deixam para trás.
Tradução: George El Khouri Andolfato
sábado, março 10, 2007
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