terça-feira, janeiro 23, 2007

Do contra

Pai da cultura ciberpunk e discípulo de Timothy Leary, Ken Goffman lança histórico das contraculturas, que inclui filosofias orientais e a era digital; tropicalismo aponta ao futuro, diz ele

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

O discurso histórico convencional determina que os movimentos contraculturais surgiram nos anos 1950, com os "beats" nos EUA. Quando muito, este discurso inclui referências às influências da boêmia artística européia dos anos 1900. Quem aponta a limitação histórica é o escritor americano Ken Goffman, que em "Contracultura Através dos Tempos" (Ediouro), tenta ampliar o leque, resgatando o caráter contracultural de mitos, de outros "ismos", e da cultura digital.
Para Goffman, que vê no tropicalismo o futuro da contracultura, falta, por exemplo, revelar "o caráter e vocação antiautoritários, contraculturais e até alegres que fizeram parte do zen-budismo e do taoísmo".
"Eu particularmente gosto de explorar o sufismo radical, que inclui grupos como os Qalanders, que corriam nus, tomando alucinógenos e se comportando de modo excêntrico, no Oriente Médio e sul da Ásia, no século 13", exemplifica Goffman, em entrevista à Folha.

Idéias de Leary

Goffman conta que as idéias originais para um livro sobre a história das contraculturas surgiram por volta de 1994 e partiram de Dan Joy, co-autor do título, e de Timothy Leary, que assina a introdução. Escritor e psicólogo americano, que defendeu o uso do LSD, Leary morreu em 1996, e seu último livro, "Design for Dying", foi concluído por Goffman.
A abordagem de seu histórico da contracultura, avisa Goffman, não é acadêmica. Ele tem como chancela sua experiência como co-fundador da "Mondo 2000", espécie de bíblia da cultura ciberpunk dos anos 1990. E parte da idéia de que a ruptura com a tradição é, também ela, uma tradição.
É nesse contexto que o autor inicia o livro com uma comparação ligando dois extremos de sua cronologia: Prometeu, divindade grega que roubou de Zeus o dom do fogo, para dar aos homens, é um deus hacker. Do mito grego, Goffman parte para Sócrates, passa pela revolução cultural e política dos iluministas, fala das "brilhantes explosões de riso" da Paris boêmia. E chega até o movimento "situacionista", que deu origem ao Burning Man. Nascido em San Francisco, nos anos 80, o festival anual reúne tribos diversas no deserto de Nevada, para fazer arte e dançar.
Quando fala dos hippies, Goffman faz ressalvas: ao menos nos EUA, eles foram superestimados, se comparados com os punks:
"O movimento foi uma grande explosão de entusiasmo psicodélico que ameaçou ou prometeu acabar com a monotonia através de pura celebração. Mas o punk trouxe a idéia do "faça você mesmo", das pessoas sendo responsáveis por criação e suas vidas, sem a necessidade de assistência corporativa. É uma vocação mantida por muitos movimentos sociais e políticos pós-60, e que está no centro dos melhores aspectos da cultura de internet, como o "open source", os wikis, as comunidades virtuais, o YouTube etc."
Otimista com a tecnologia, pessimista com os dogmas da nova esquerda, Goffman lembra que a guerra cultural de obediência e conformidade versus experimentação e antiautoritarismo nunca termina. Ela permanece viva em todo lugar, com exceção, talvez, da fechadíssima Coréia do Norte.
"Há expressões culturais e artísticas férteis, e rebeldes, no Irã, Israel e China. O anarquismo de esquerda do movimento zapatista do México é altamente original. Havia um forte elemento artístico boêmio em Bagdá, antes da invasão americana. E, mesmo agora, se você ler blogs do Iraque, vai perceber que elementos contraculturais se tornaram tão presentes lá como nos EUA ou no Brasil. Está em toda a parte."

Brasil
Goffman dedica algumas páginas do histórico ao tropicalismo, que ele disse ter descoberto lendo "Verdade Tropical", de Caetano Veloso, e "Brutality Garden", de Christopher Dunn. O movimento aparece como uma expressão contracultural do Terceiro Mundo, que o autor julga apontar para o futuro.
"O tropicalismo foi uma hibridização de formas culturais e idéias radicais norte-americanas e européias com nativas. É um exemplo de multicultura global, em contraponto com uma monocultura global, em que todas as culturas se interpenetram e trazem um sabor próprio à festa", analisa o autor. "E ele aponta para o futuro, porque, até agora, o discurso sobre contracultura tem focado nos EUA e no Reino Unido, e esta narrativa vem se abrindo à medida que o mundo se aproxima, com avanço nos transportes e comunicações", conclui.

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