O presidente venezuelano pede que Bento 16 reconheça o "genocídio indígena"
Clodovaldo Hernández
Em Caracas
Em um de seus habituais discursos transmitidos por rádio e televisão, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, escolheu o papa como alvo de seus ataques. O líder venezuelano pediu a Bento 16 que peça desculpas aos povos indígenas da América por ter afirmado que o catolicismo não foi imposto à força aos aborígines. Chávez, que se declara católico, mostrou-se indignado com as afirmações feitas pelo papa em sua recente viagem ao Brasil.
"Como chefe de Estado, rogo a Sua Santidade que se desculpe. Não entendo como pôde afirmar que a evangelização não foi imposta, se chegaram aqui com arcabuzes e entraram a sangue, chumbo e fogo. Ainda estão quentes os ossos dos mártires indígenas nestas terras", afirmou o presidente durante um longo discurso transmitido por rádio e televisão na noite de sexta-feira. Chávez retoma críticas que fez nos últimos anos contra o período da conquista e os séculos de colonização espanhola.
A posição de Chávez sobre esse tema não é nova. De fato, sob seu governo foi alterada a interpretação oficial do 12 de outubro, que deixou de ser o Dia do Descobrimento ou Dia da Raça, como era chamado, e passou a ser o Dia da Resistência Indígena.
"Está equivocado, Sua Santidade está equivocado, digo com respeito. Cristo não chegou aqui com Colombo, quem chegou foi o Anticristo. O Holocausto indígena foi pior que o Holocausto da Segunda Guerra Mundial, e nem o papa nem ninguém pode negar isso", enfatizou o presidente venezuelano.
Acrescentou que com atitudes como a assumida pelo pontífice é compreensível que a Igreja Católica esteja perdendo terreno diante de outras religiões na América Latina, especialmente as evangélicas. Exatamente a necessidade de reforçar o catolicismo na América Latina foi um dos motivos que levou Bento 16 ao Brasil, em sua primeira visita à região.
Antes de Chávez expressar sua opinião, a ministra de Assuntos Indígenas, Nicia Maldonado, pertencente à etnia yekuana, assentada na selva amazônica, já havia feito o mesmo. O presidente venezuelano, que tinha mantido o silêncio durante mais de uma semana, fato incomum, reapareceu na sexta-feira durante um encontro organizado pela televisão internacional Telesur. No discurso, que se estendeu por mais de três horas, fez vários anúncios que eram esperados, como a designação de um novo ministro da Saúde, cargo que coube ao coronel aposentado Jesús Mantilla.
O presidente também fez o anúncio da nomeação da jornalista Lily Rodríguez para presidente do canal Televisora Venezolana Social (TEVES), cujo sinal substituirá a partir da próxima segunda-feira (28) o canal de oposição RCTV, cuja concessão terminará no dia 27.
Ontem se realizou uma marcha de setores contrários à decisão do governo de não renovar a permissão para a citada televisão. Segundo informa a agência Efe, dirigentes de oposição denunciaram que o governo Chávez mandou a polícia "sabotar" a chegada do interior do país dos manifestantes que tentaram viajar para a jornada de protestos em Caracas.
"Vimos com desagrado que nos pedágios de Valencia, de Tazón, na autopista de Oriente, na Guatire-Guarenas e outras, as pessoas foram retidas, inclusive utilizando cachorros antidrogas para revistá-las", denunciou à imprensa Oscar Pérez, do chamado Comando Nacional da Resistência, um dos cerca de 30 partidos e organizações de oposição ao governo que convocaram as manifestações.
terça-feira, maio 22, 2007
domingo, maio 20, 2007
...
Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons
quarta-feira, maio 09, 2007
"Papai descobriu o Brasil", exclama Nana Caymmi
Cantora lança "Quem Inventou o Amor", terceiro disco em que relê a obra do pai
Nana grava o que considera os únicos 14 sambas-canções de Caymmi e diz que, se não fosse ele, a música brasileira não seria conhecida lá fora
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de uma pessoa lhe dizer que "Você Não Sabe Amar" era de Chico Buarque e de uma bisneta de Dorival Caymmi afirmar, após uma consulta na internet, que "Marina" era de Gilberto Gil, Nana Caymmi decidiu enfrentar a desinformação gravando discos temáticos com músicas do pai. "Quem Inventou o Amor", com os sambas-canções, é o terceiro em cinco anos -afora um ao vivo.
Esse esforço concentrado, que resultou no registro de 45 das 120 composições de Caymmi, se deu após o pai encerrar a carreira por causa da saúde, mas enquanto ele ainda pode apreciar os resultados.
"Ele está lúcido, com a língua ferina. Noutro dia, ganhou um celular de presente e ligou a cobrar para o Danilo [Caymmi, irmão de Nana]. Ri à beça. Papai enterrou todo mundo, inclusive os médicos", diz a primogênita, que há duas semanas comemorou seus 66 anos junto dos 93 do pai.
No estilo sincero e desbocado de Nana, não há espaço para meias palavras. Quando é para exaltar o pai, ela fala grande:
"Ele descobriu o Brasil. O americano não sabia de nós até "O Que É Que a Baiana Tem?" [de 1939]. Se hoje somos conhecidos em alguma coisa, é porque se lembram de Carmen Miranda, a quem papai ensinou a cantar [a música] e a fazer os gestos. Hoje, no cu da Finlândia tem uma bicha que vai ensinar a uma outra bicha, colega, branca, azeda, triste, na neve, a botar aquele turbante."
Quando é para contrariar uma verdade consagrada -a de que Caymmi é o melhor intérprete das próprias canções-, ela também não se acanha:
"[Ser o melhor] É o que ele diz. Eu não acho. Quando canta o mar, a tragédia que sente na voz, aí ele é o grande intérprete. As outras são músicas para o mundo, com outros grandes cantores. Mas não digo nada. Ele tem um ego que não cabe dentro das calças".
Copacabana
Nana gravou agora o que considera os únicos 14 sambas-canções do pai. Eles têm o clima das boates de Copacabana dos anos 40 e 50.
"Aquela Copacabana se perdeu. Mas não perde o charme, porque ela está ali, reina com o turismo, o mundo gay, todo o baixo fundo. Quem dita moda no Brasil é Copacabana. Ipanema é uma moda internacional, boba, uma bolsa custa três salários mínimos. Em Copacabana, qualquer mulher é linda, qualquer homem é maravilhoso. Francês misturado com russo, com alemão, com brasileiro. É a Manhattan brasileira", acredita a cantora.
Apenas uma música do novo disco, "Tão Só", era inédita na voz de Nana. A repetição não é algo que pareça lhe preocupar.
"Não saio disputando o primeiro lugar na parada, até porque nem tem mais parada para disputar. Antes, minhas colegas de trabalho ficavam preocupadas em gravar inéditas, fazer estouro, e eu sempre fui à parte. Quis seguir a linha da família Caymmi, fazer bonito, ficar para a história, coisa que consegui", diz.
Como não é difícil supor, sua visão do que o chamado mercado fonográfico produz não é das mais positivas.
"Tem muita cópia do americano. Acho um terror, mas as pessoas precisam comer, cada um faz a merda que quiser. Eu gosto de samba, de samba-canção. Meu gosto não mudou, nem por isso me considero arcaica, museu, velha. Porque esse é o Brasil. Sou a rainha do bolero, mas nem por isso saio impingindo... Sou uma cantora do bloco do eu sozinho, adoro cantar para mim", afirma.
Um projeto como "Quem Inventou Amor", segundo ela, "não interessa ao mercado".
Reinado
"O negócio hoje é dinheiro rápido. As pessoas querem trocar de carro. Eu nem carro tenho, nunca soube dirigir. E chofer sabe da sua vida, para que eu quero uma cruz dessa?", brinca.
Ela é das que resistem à velocidade dos dias de hoje: "Estou cansada de ir a casas em que não existe biblioteca ou uma paredinha com livros. Não sei se põem para papel higiênico, mas não há livro. É uma cultura rápida. Não uso internet, não sei quem é on-line, e-mail, não me interessa. Não sou dona da verdade, não vou salvar ninguém em Israel, no Irã ou no Iraque".
É na música brasileira, que tem no pai um dos pontos altos, que Nana encontra a perenidade que lhe interessa.
"Na música somos o maior país do mundo. Estamos reinando há, pelo menos, 40 anos, contando só a partir da minha geração. A gente reina, mas não tem consciência disso", lamenta a cantora.
Nana grava o que considera os únicos 14 sambas-canções de Caymmi e diz que, se não fosse ele, a música brasileira não seria conhecida lá fora
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de uma pessoa lhe dizer que "Você Não Sabe Amar" era de Chico Buarque e de uma bisneta de Dorival Caymmi afirmar, após uma consulta na internet, que "Marina" era de Gilberto Gil, Nana Caymmi decidiu enfrentar a desinformação gravando discos temáticos com músicas do pai. "Quem Inventou o Amor", com os sambas-canções, é o terceiro em cinco anos -afora um ao vivo.
Esse esforço concentrado, que resultou no registro de 45 das 120 composições de Caymmi, se deu após o pai encerrar a carreira por causa da saúde, mas enquanto ele ainda pode apreciar os resultados.
"Ele está lúcido, com a língua ferina. Noutro dia, ganhou um celular de presente e ligou a cobrar para o Danilo [Caymmi, irmão de Nana]. Ri à beça. Papai enterrou todo mundo, inclusive os médicos", diz a primogênita, que há duas semanas comemorou seus 66 anos junto dos 93 do pai.
No estilo sincero e desbocado de Nana, não há espaço para meias palavras. Quando é para exaltar o pai, ela fala grande:
"Ele descobriu o Brasil. O americano não sabia de nós até "O Que É Que a Baiana Tem?" [de 1939]. Se hoje somos conhecidos em alguma coisa, é porque se lembram de Carmen Miranda, a quem papai ensinou a cantar [a música] e a fazer os gestos. Hoje, no cu da Finlândia tem uma bicha que vai ensinar a uma outra bicha, colega, branca, azeda, triste, na neve, a botar aquele turbante."
Quando é para contrariar uma verdade consagrada -a de que Caymmi é o melhor intérprete das próprias canções-, ela também não se acanha:
"[Ser o melhor] É o que ele diz. Eu não acho. Quando canta o mar, a tragédia que sente na voz, aí ele é o grande intérprete. As outras são músicas para o mundo, com outros grandes cantores. Mas não digo nada. Ele tem um ego que não cabe dentro das calças".
Copacabana
Nana gravou agora o que considera os únicos 14 sambas-canções do pai. Eles têm o clima das boates de Copacabana dos anos 40 e 50.
"Aquela Copacabana se perdeu. Mas não perde o charme, porque ela está ali, reina com o turismo, o mundo gay, todo o baixo fundo. Quem dita moda no Brasil é Copacabana. Ipanema é uma moda internacional, boba, uma bolsa custa três salários mínimos. Em Copacabana, qualquer mulher é linda, qualquer homem é maravilhoso. Francês misturado com russo, com alemão, com brasileiro. É a Manhattan brasileira", acredita a cantora.
Apenas uma música do novo disco, "Tão Só", era inédita na voz de Nana. A repetição não é algo que pareça lhe preocupar.
"Não saio disputando o primeiro lugar na parada, até porque nem tem mais parada para disputar. Antes, minhas colegas de trabalho ficavam preocupadas em gravar inéditas, fazer estouro, e eu sempre fui à parte. Quis seguir a linha da família Caymmi, fazer bonito, ficar para a história, coisa que consegui", diz.
Como não é difícil supor, sua visão do que o chamado mercado fonográfico produz não é das mais positivas.
"Tem muita cópia do americano. Acho um terror, mas as pessoas precisam comer, cada um faz a merda que quiser. Eu gosto de samba, de samba-canção. Meu gosto não mudou, nem por isso me considero arcaica, museu, velha. Porque esse é o Brasil. Sou a rainha do bolero, mas nem por isso saio impingindo... Sou uma cantora do bloco do eu sozinho, adoro cantar para mim", afirma.
Um projeto como "Quem Inventou Amor", segundo ela, "não interessa ao mercado".
Reinado
"O negócio hoje é dinheiro rápido. As pessoas querem trocar de carro. Eu nem carro tenho, nunca soube dirigir. E chofer sabe da sua vida, para que eu quero uma cruz dessa?", brinca.
Ela é das que resistem à velocidade dos dias de hoje: "Estou cansada de ir a casas em que não existe biblioteca ou uma paredinha com livros. Não sei se põem para papel higiênico, mas não há livro. É uma cultura rápida. Não uso internet, não sei quem é on-line, e-mail, não me interessa. Não sou dona da verdade, não vou salvar ninguém em Israel, no Irã ou no Iraque".
É na música brasileira, que tem no pai um dos pontos altos, que Nana encontra a perenidade que lhe interessa.
"Na música somos o maior país do mundo. Estamos reinando há, pelo menos, 40 anos, contando só a partir da minha geração. A gente reina, mas não tem consciência disso", lamenta a cantora.
terça-feira, maio 08, 2007
Falling to Pieces
Back and forth, I sway with the wind
Resolution slips away again
Right through my fingers, back into my heart
Where it's out of reach and it's in the dark
Sometimes I think I'm blind
Or I may be just paralyzed
Because the plot thickens every day
And the pieces of my puzzle keep crumblin' away
But I know, there's a picture beneath
Indecision clouds my vision
No one listens...
Because I'm somewhere in between
My love and my agony
You see, I'm somewhere in between
My life is falling to pieces
Somebody put me together
Layin' face down on the ground
My fingers in my ears to block the sound
My eyes shut tight to avoid the sight
Anticipating the end, losing the will to fight
Droplets of "yes" and "no"
In an ocean of "maybe"
From the bottom, it looks like a steep incline
From the top, another downhill slope of mine
But I know, the equilibrium's there
Indecision clouds my vision
No one listens
Because I'm somewhere in between
My love and my agony
You see, I'm somewhere in between
My life is falling to pieces
Somebody put me together
Resolution slips away again
Right through my fingers, back into my heart
Where it's out of reach and it's in the dark
Sometimes I think I'm blind
Or I may be just paralyzed
Because the plot thickens every day
And the pieces of my puzzle keep crumblin' away
But I know, there's a picture beneath
Indecision clouds my vision
No one listens...
Because I'm somewhere in between
My love and my agony
You see, I'm somewhere in between
My life is falling to pieces
Somebody put me together
Layin' face down on the ground
My fingers in my ears to block the sound
My eyes shut tight to avoid the sight
Anticipating the end, losing the will to fight
Droplets of "yes" and "no"
In an ocean of "maybe"
From the bottom, it looks like a steep incline
From the top, another downhill slope of mine
But I know, the equilibrium's there
Indecision clouds my vision
No one listens
Because I'm somewhere in between
My love and my agony
You see, I'm somewhere in between
My life is falling to pieces
Somebody put me together
segunda-feira, maio 07, 2007
Descartes teve vida pouco cartesiana
Biografia do filósofo francês surpreende e revela os caminhos tortuosos e os becos sem saída das ciências
por Elias Thomé Saliba
O caderno secreto de Descartes, Amir D. Aczel, trad. Maria Luiza X. de A. Borges, Jorge Zahar Editor, 232 págs., R$ 44
Se você ainda associa “cartesiano” a algo ou a alguém sistemático, regrado e racionalista, esqueça. E se nunca leu nada de tão detalhado sobre a vida de René Descartes porque acreditava que fosse uma daquelas biografias chatas, sonolentas e repetitivas, também pode esquecer. As últimas sondagens biográficas têm mostrado que nada está mais longe do incrível personagem que foi René Descartes. E nada a estranhar num filósofo que viveu intensamente a conturbada e dramática primeira metade do século XVII, cuja expressão estética mais saliente foi o caótico, multifacetado e indisciplinado Barroco.
Num livro fluente e claramente sintonizado com as mais recentes prospecções a respeito do filósofo, Amir D. Aczel mistura biografia, mistério e matemática para rever a contribuição e o destino das idéias de Descartes na história da nossa cultura. O mistério começa com as circunstâncias da sua morte, em Estocolmo, em 1650. A narrativa tradicional conta que – convidado pela caprichosa rainha Cristina, da Suécia, para ensinar-lhe filosofia – Descartes faleceu em virtude de uma pneumonia, tratada pela medicina da época com o (também letal) método da sangria. Conta-se ainda que, quando o filósofo chegou, Cristina já estava obcecada pela dança, obrigando o criador do racionalismo moderno a escrever, constrangido, um libreto para o balé real. É provável que a pneumonia tenha sido uma doença oportunista advinda do profundo desgosto do filósofo com os caprichos da rainha. Mas, numa corte luterana, cheia de inveja, intriga e ressentimentos religiosos contra o católico Descartes, Aczel ratifica o que as biografias mais recentes apontam: o filósofo francês teria sido envenenado pelo médico holandês Weulles.
Já a narrativa sobre o destino posterior do corpo e dos despojos pessoais do filósofo surpreende, e provavelmente forneceria um ótimo roteiro para um bom filme noir: seu corpo foi exumado 16 anos depois e estava sem a cabeça. Foi repatriado, sem a cabeça, e novamente enterrado na França apenas em 1819, bem depois da Revolução. Em 1821 seu cérebro apareceu num leilão na Suécia, sendo arrematado pelo químico Berzellius, o qual, décadas depois, doou a relíquia ao governo francês. Em vez de restituir a cabeça ao corpo – enterrado em Saint-Germain-des-Près –, o governo resolveu expor publicamente o crânio do filósofo no Museu do Homem, colocando-o numa daquelas ignominiosas séries cronológicas, que começam com o Cro-Magnon, passam pela peça cerebral de Descartes e terminam com uma videocâmara que projeta a cabeça do visitante numa tela, com a inscrição: “Você, Homo sapiens, idade: 0-120”! Singular destino de um crânio que acabou por alimentar uma das mais estúpidas e etnocêntricas séries cronológicas.
Entre os manuscritos, estava um caderno de pergaminho, contendo símbolos matemáticos enigmáticos e desenhos geométricos que não puderam ser identificados – até porque o próprio caderno desapareceria em 1691. A sorte é que, 20 anos antes, Leibniz, o filósofo alemão – cioso em preservar suas próprias descobertas aritméticas – conseguiu fazer uma cópia de grande parte do tal caderno. Após a morte de Leibniz, contudo, tal cópia ficou perdida em meio às centenas de manuscritos deixados pelo filósofo alemão. Foi só no século XX, mais precisamente em 1987, que Pierre Costabel, um matemático francês, redescobriu o material e decifrou o mistério dos manuscritos deixados por Descartes – mistério que é explicado por Aczel por meio de vários exemplos didáticos. Enfim, a fórmula criada por Descartes a partir de uma análise dos sólidos tridimensionais praticamente inaugurava a topologia, uma das áreas mais importantes da pesquisa matemática, que estuda as propriedades do espaço, estendendo suas aplicações aos mais diversos campos científicos e tecnológicos.
A fórmula contida nos cadernos de Descartes – até então atribuída ao matemático suíço Euler, em 1782 – faz com que cada vez mais ela seja conhecida hoje como a “fórmula de Euler-Descartes”. Por que Descartes escondeu seu próprio trabalho? Porque ele sabia que a conexão direta entre os sólidos regulares da antiga geometria grega e o modelo cosmológico kepleriano faria com que seu trabalho fosse visto como um apoio à proibida teoria copernicana. Em resumo, Descartes teve de esconder seu trabalho por medo da fogueira da Inquisição, ainda forte e crepitante no início do século XVII.
Aczel trilha com competência as mais recentes fronteiras historiográficas, explorando caminhos tortuosos, vielas escuras e alguns daqueles formidáveis becos sem saída da história das ciências. Mostrando aos leitores que a ciência, afinal, é feita por seres humanos muitas vezes talentosos, às vezes estabanados, ocasionalmente execráveis e, de vez em quando – muito de vez em quando – geniais.
por Elias Thomé Saliba
O caderno secreto de Descartes, Amir D. Aczel, trad. Maria Luiza X. de A. Borges, Jorge Zahar Editor, 232 págs., R$ 44
Se você ainda associa “cartesiano” a algo ou a alguém sistemático, regrado e racionalista, esqueça. E se nunca leu nada de tão detalhado sobre a vida de René Descartes porque acreditava que fosse uma daquelas biografias chatas, sonolentas e repetitivas, também pode esquecer. As últimas sondagens biográficas têm mostrado que nada está mais longe do incrível personagem que foi René Descartes. E nada a estranhar num filósofo que viveu intensamente a conturbada e dramática primeira metade do século XVII, cuja expressão estética mais saliente foi o caótico, multifacetado e indisciplinado Barroco.
Num livro fluente e claramente sintonizado com as mais recentes prospecções a respeito do filósofo, Amir D. Aczel mistura biografia, mistério e matemática para rever a contribuição e o destino das idéias de Descartes na história da nossa cultura. O mistério começa com as circunstâncias da sua morte, em Estocolmo, em 1650. A narrativa tradicional conta que – convidado pela caprichosa rainha Cristina, da Suécia, para ensinar-lhe filosofia – Descartes faleceu em virtude de uma pneumonia, tratada pela medicina da época com o (também letal) método da sangria. Conta-se ainda que, quando o filósofo chegou, Cristina já estava obcecada pela dança, obrigando o criador do racionalismo moderno a escrever, constrangido, um libreto para o balé real. É provável que a pneumonia tenha sido uma doença oportunista advinda do profundo desgosto do filósofo com os caprichos da rainha. Mas, numa corte luterana, cheia de inveja, intriga e ressentimentos religiosos contra o católico Descartes, Aczel ratifica o que as biografias mais recentes apontam: o filósofo francês teria sido envenenado pelo médico holandês Weulles.
Já a narrativa sobre o destino posterior do corpo e dos despojos pessoais do filósofo surpreende, e provavelmente forneceria um ótimo roteiro para um bom filme noir: seu corpo foi exumado 16 anos depois e estava sem a cabeça. Foi repatriado, sem a cabeça, e novamente enterrado na França apenas em 1819, bem depois da Revolução. Em 1821 seu cérebro apareceu num leilão na Suécia, sendo arrematado pelo químico Berzellius, o qual, décadas depois, doou a relíquia ao governo francês. Em vez de restituir a cabeça ao corpo – enterrado em Saint-Germain-des-Près –, o governo resolveu expor publicamente o crânio do filósofo no Museu do Homem, colocando-o numa daquelas ignominiosas séries cronológicas, que começam com o Cro-Magnon, passam pela peça cerebral de Descartes e terminam com uma videocâmara que projeta a cabeça do visitante numa tela, com a inscrição: “Você, Homo sapiens, idade: 0-120”! Singular destino de um crânio que acabou por alimentar uma das mais estúpidas e etnocêntricas séries cronológicas.
Entre os manuscritos, estava um caderno de pergaminho, contendo símbolos matemáticos enigmáticos e desenhos geométricos que não puderam ser identificados – até porque o próprio caderno desapareceria em 1691. A sorte é que, 20 anos antes, Leibniz, o filósofo alemão – cioso em preservar suas próprias descobertas aritméticas – conseguiu fazer uma cópia de grande parte do tal caderno. Após a morte de Leibniz, contudo, tal cópia ficou perdida em meio às centenas de manuscritos deixados pelo filósofo alemão. Foi só no século XX, mais precisamente em 1987, que Pierre Costabel, um matemático francês, redescobriu o material e decifrou o mistério dos manuscritos deixados por Descartes – mistério que é explicado por Aczel por meio de vários exemplos didáticos. Enfim, a fórmula criada por Descartes a partir de uma análise dos sólidos tridimensionais praticamente inaugurava a topologia, uma das áreas mais importantes da pesquisa matemática, que estuda as propriedades do espaço, estendendo suas aplicações aos mais diversos campos científicos e tecnológicos.
A fórmula contida nos cadernos de Descartes – até então atribuída ao matemático suíço Euler, em 1782 – faz com que cada vez mais ela seja conhecida hoje como a “fórmula de Euler-Descartes”. Por que Descartes escondeu seu próprio trabalho? Porque ele sabia que a conexão direta entre os sólidos regulares da antiga geometria grega e o modelo cosmológico kepleriano faria com que seu trabalho fosse visto como um apoio à proibida teoria copernicana. Em resumo, Descartes teve de esconder seu trabalho por medo da fogueira da Inquisição, ainda forte e crepitante no início do século XVII.
Aczel trilha com competência as mais recentes fronteiras historiográficas, explorando caminhos tortuosos, vielas escuras e alguns daqueles formidáveis becos sem saída da história das ciências. Mostrando aos leitores que a ciência, afinal, é feita por seres humanos muitas vezes talentosos, às vezes estabanados, ocasionalmente execráveis e, de vez em quando – muito de vez em quando – geniais.
PM e fãs dos Racionais se enfrentam na praça da Sé
Público joga objetos em policiais, que retrucam com bombas e tiros de borracha durante o show
Mano Brown, vocalista e líder do grupo de rap, tentou conter a pancadaria, mas show foi interrompido após invasão do palco
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um confronto entre a Polícia Militar e o público que assistia ao show do grupo de rap Racionais MC's, na madrugada de domingo, estragou a paz que marcava, até então, a programação da Virada Cultural.
O conflito irrompeu às 5h da manhã. Sem espaço para assistir à apresentação, algumas pessoas começaram a subir numa banca de jornal. Alguns chegaram a invadir a sacada de um apartamento.
A polícia, então, tentou retirar o público do local. Houve resistência, e pessoas começaram a atirar latas, garrafas e outros objetos nos oficiais.
A tropa de choque da PM entrou em ação, com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e munições de borracha. Durante o conflito, onze pessoas foram detidas.
Depois, oito viaturas da PM, uma da guarda civil e dois veículos particulares foram danificados. Uma loja da rede Lojas Americanas e outra da lanchonete O Rei do Mate, além de quiosques na estação Sé, foram saqueados. Na praça, telefones públicos e banheiros químicos acabaram destruídos.
Quando a confusão começou, Mano Brown, o vocalista da banda interrompeu a apresentação e disse: "Vamos continuar, essa festa é nossa, vamos ignorar a polícia".
Ele tentou retomar o show, mas o quebra-quebra já estava instalado. A banda saiu de cena sob proteção de amigos e seguranças. Tudo durou pouco menos de uma hora.
Segundo o tenente Ricardo Mendonça, comandante da unidade da Sé, a polícia não teve escolha. "Fomos técnicos, usando apenas uma força tática especializada em controle de distúrbios civis".
Após o incidente, nenhum dos integrantes dos Racionais quis se pronunciar sobre o ocorrido.
O rapper Primo Preto, que apresentava o espetáculo, disse: "A polícia viajou. Foi ao ouvir os tiros e as bombas que as pessoas começaram a correr. Havia crianças e senhoras presentes. Alguém do comando da PM teve a idéia de mandar dispersar o povão. Mas fazer isso com bombas é um absurdo".
Clima de tensão
Segundo o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, que esteve presente poucos minutos antes da apresentação, já havia um "clima de tensão no ar". "Vi o público tentando invadir áreas restritas. A praça estava cheia demais. Depois me dei conta de que só faltava uma faísca ali para acontecer alguma coisa séria".
Às 2h40, vinte minutos antes da entrada prevista dos Racionais -que subiram ao palco com mais de 90 minutos de atraso-, o público estava tentando invadir área destinada à imprensa e convidados.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que assistia ao show no palco, afirma que a polícia continuou a agir quando a situação parecia controlada. "Acho que a polícia, em alguns momentos, só fez a confusão se expandir ainda mais", disse. "Vi ações agressivas da tropa de choque em hora de calma, já depois do ocorrido."
A PM diz que, caso a situação não fosse controlada, o tumulto poderia se estender para outras regiões do centro, ocupadas pela programação da Virada.
"Acho que foi um erro a prefeitura organizar um show dos Racionais, que fazem músicas contra a polícia e a desigualdade social, num lugar aberto, juntando um monte de gente da periferia", disse a operadora de telemarketing Kyara Magalhães, 25. "Mas a polícia não tinha o direito de agredir tanta gente indefesa."
A Secretaria de Segurança Pública divulgou nota ontem dizendo que um grupo começou o tumulto, atacando policiais militares com pedras e garrafas, depredando uma banca de jornal, viaturas e carros e saqueando lojas.
No final do dia, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), chamou o tumulto de um "incidente grave", mas limitado a um ponto entre os mais de 80 onde foram realizados eventos da Virada Cultural.
"Houve este incidente, mas gostaria de celebrar os resultados", afirmou no encerramento do evento. Segundo ele, a prefeitura deve "assumir as responsabilidades" pelos prejuízos causados.
Mano Brown, vocalista e líder do grupo de rap, tentou conter a pancadaria, mas show foi interrompido após invasão do palco
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um confronto entre a Polícia Militar e o público que assistia ao show do grupo de rap Racionais MC's, na madrugada de domingo, estragou a paz que marcava, até então, a programação da Virada Cultural.
O conflito irrompeu às 5h da manhã. Sem espaço para assistir à apresentação, algumas pessoas começaram a subir numa banca de jornal. Alguns chegaram a invadir a sacada de um apartamento.
A polícia, então, tentou retirar o público do local. Houve resistência, e pessoas começaram a atirar latas, garrafas e outros objetos nos oficiais.
A tropa de choque da PM entrou em ação, com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e munições de borracha. Durante o conflito, onze pessoas foram detidas.
Depois, oito viaturas da PM, uma da guarda civil e dois veículos particulares foram danificados. Uma loja da rede Lojas Americanas e outra da lanchonete O Rei do Mate, além de quiosques na estação Sé, foram saqueados. Na praça, telefones públicos e banheiros químicos acabaram destruídos.
Quando a confusão começou, Mano Brown, o vocalista da banda interrompeu a apresentação e disse: "Vamos continuar, essa festa é nossa, vamos ignorar a polícia".
Ele tentou retomar o show, mas o quebra-quebra já estava instalado. A banda saiu de cena sob proteção de amigos e seguranças. Tudo durou pouco menos de uma hora.
Segundo o tenente Ricardo Mendonça, comandante da unidade da Sé, a polícia não teve escolha. "Fomos técnicos, usando apenas uma força tática especializada em controle de distúrbios civis".
Após o incidente, nenhum dos integrantes dos Racionais quis se pronunciar sobre o ocorrido.
O rapper Primo Preto, que apresentava o espetáculo, disse: "A polícia viajou. Foi ao ouvir os tiros e as bombas que as pessoas começaram a correr. Havia crianças e senhoras presentes. Alguém do comando da PM teve a idéia de mandar dispersar o povão. Mas fazer isso com bombas é um absurdo".
Clima de tensão
Segundo o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, que esteve presente poucos minutos antes da apresentação, já havia um "clima de tensão no ar". "Vi o público tentando invadir áreas restritas. A praça estava cheia demais. Depois me dei conta de que só faltava uma faísca ali para acontecer alguma coisa séria".
Às 2h40, vinte minutos antes da entrada prevista dos Racionais -que subiram ao palco com mais de 90 minutos de atraso-, o público estava tentando invadir área destinada à imprensa e convidados.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que assistia ao show no palco, afirma que a polícia continuou a agir quando a situação parecia controlada. "Acho que a polícia, em alguns momentos, só fez a confusão se expandir ainda mais", disse. "Vi ações agressivas da tropa de choque em hora de calma, já depois do ocorrido."
A PM diz que, caso a situação não fosse controlada, o tumulto poderia se estender para outras regiões do centro, ocupadas pela programação da Virada.
"Acho que foi um erro a prefeitura organizar um show dos Racionais, que fazem músicas contra a polícia e a desigualdade social, num lugar aberto, juntando um monte de gente da periferia", disse a operadora de telemarketing Kyara Magalhães, 25. "Mas a polícia não tinha o direito de agredir tanta gente indefesa."
A Secretaria de Segurança Pública divulgou nota ontem dizendo que um grupo começou o tumulto, atacando policiais militares com pedras e garrafas, depredando uma banca de jornal, viaturas e carros e saqueando lojas.
No final do dia, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), chamou o tumulto de um "incidente grave", mas limitado a um ponto entre os mais de 80 onde foram realizados eventos da Virada Cultural.
"Houve este incidente, mas gostaria de celebrar os resultados", afirmou no encerramento do evento. Segundo ele, a prefeitura deve "assumir as responsabilidades" pelos prejuízos causados.
sexta-feira, maio 04, 2007
Governo decide quebrar patente de remédio anti-Aids
Ministério da Saúde rejeitou a contraproposta de desconto de 30% pelo Efavirenz
Medicamento é usado por 75 mil pacientes na rede pública; o laboratório Merck deverá ir à Justiça contra a medida inédita no país
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu autorizar o licenciamento compulsório do remédio Efavirenz, o que, na prática, representa a quebra da patente do medicamento. A decisão, que segue recomendação do Ministério da Saúde, será anunciada hoje em cerimônia às 12h no Palácio do Planalto. Após recusar a contraproposta de desconto de 30%, feita pelo laboratório Merck Sharp&Dohme, um dos maiores do mundo, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) enviou ontem ao Palácio do Planalto a proposta de licenciamento compulsório do antiretroviral, usado hoje por cerca de 75 mil pacientes de Aids na rede pública, a um custo de US$ 43 milhões por ano.
Com o licenciamento compulsório, o país pode tanto iniciar a produção nacional da droga como importar genéricos. Sem isso, só a Merck poderia vendê-lo no país, pois é dona da patente do medicamento aqui, o que significa exclusividade de comercialização. Embora a decisão não tenha sido anunciada oficialmente, foi confirmada informalmente por assessores da Presidência e consta na agenda de Lula como "cerimônia de assinatura de ato de licenciamento compulsório de medicamento antiretroviral". Procurada pela Folha por volta das 21h, a Merck declarou que não havia sido informada.
Será a primeira vez que o Brasil licencia um remédio protegido por patente -já houve ameaças em 2001 e 2003, relativas ao Nelfinavir (Roche) e ao Kaletra (Abbott). E até hoje, poucos países fizeram isso -como Tailândia, Moçambique, Malásia e Indonésia. No caso da Tailândia, o país enfrenta retaliações do laboratório Abbott e até do governo norte-americano. "Já tivemos reuniões demais com o laboratório. Em nenhum momento apresentaram uma proposta séria e consistente", disse Temporão, que evitou, porém, confirmar a decisão.
Para ele, "é pouco provável" que ocorram novas negociações. Participaram da decisão também a Casa Civil e o Ministério das Relações Exteriores. A Folha apurou que o laboratório não tem condições de apresentar preços menores ao governo e deve ir à Justiça para manter a patente. Segundo executivos da Merck, a empresa tenta, desde o último dia 24 de abril, realizar reuniões para explicar melhor seus motivos e encontra portas fechadas no ministério.
O Brasil tenta desde novembro pressionar o laboratório Merck, sem sucesso, a reduzir o preço do Efavirenz de US$ 1,59 para US$ 0,65 por comprimido de 600mg. Na semana passada, o Ministério da Saúde declarou o medicamento de "interesse público" e anunciou a intenção de comprar a versão genérica da Índia por um preço de US$ 0,45 por comprimido.
A economia estimada seria de US$ 30 milhões por ano. Mesmo assim, foi dado um prazo para a Merck fazer uma contraproposta. Na última sexta, o laboratório ofereceu um desconto de 30%, que foi considerado "insuficiente" pelo governo, segundo Temporão. Além disso, o desconto seria válido até 2010, não 2012, data em que a patente expira. O licenciamento prevê o pagamento de 1,5% em royalties como remuneração à Merck por ter inventado o remédio. Além disso, o Brasil fica vedado de comercializar o produto.
O país tem estoque do Efavirenz da Merck até agosto. E afirma que não haverá desabastecimento porque três fabricantes da Índia, os laboratórios Ranbaxy, Cipla e Aurobindo, já foram consultados sobre o fornecimento para o país. Esses genéricos são pré-qualificados pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Colaboraram EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília e FABIANE LEITE, da Revista da Folha
Medicamento é usado por 75 mil pacientes na rede pública; o laboratório Merck deverá ir à Justiça contra a medida inédita no país
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu autorizar o licenciamento compulsório do remédio Efavirenz, o que, na prática, representa a quebra da patente do medicamento. A decisão, que segue recomendação do Ministério da Saúde, será anunciada hoje em cerimônia às 12h no Palácio do Planalto. Após recusar a contraproposta de desconto de 30%, feita pelo laboratório Merck Sharp&Dohme, um dos maiores do mundo, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) enviou ontem ao Palácio do Planalto a proposta de licenciamento compulsório do antiretroviral, usado hoje por cerca de 75 mil pacientes de Aids na rede pública, a um custo de US$ 43 milhões por ano.
Com o licenciamento compulsório, o país pode tanto iniciar a produção nacional da droga como importar genéricos. Sem isso, só a Merck poderia vendê-lo no país, pois é dona da patente do medicamento aqui, o que significa exclusividade de comercialização. Embora a decisão não tenha sido anunciada oficialmente, foi confirmada informalmente por assessores da Presidência e consta na agenda de Lula como "cerimônia de assinatura de ato de licenciamento compulsório de medicamento antiretroviral". Procurada pela Folha por volta das 21h, a Merck declarou que não havia sido informada.
Será a primeira vez que o Brasil licencia um remédio protegido por patente -já houve ameaças em 2001 e 2003, relativas ao Nelfinavir (Roche) e ao Kaletra (Abbott). E até hoje, poucos países fizeram isso -como Tailândia, Moçambique, Malásia e Indonésia. No caso da Tailândia, o país enfrenta retaliações do laboratório Abbott e até do governo norte-americano. "Já tivemos reuniões demais com o laboratório. Em nenhum momento apresentaram uma proposta séria e consistente", disse Temporão, que evitou, porém, confirmar a decisão.
Para ele, "é pouco provável" que ocorram novas negociações. Participaram da decisão também a Casa Civil e o Ministério das Relações Exteriores. A Folha apurou que o laboratório não tem condições de apresentar preços menores ao governo e deve ir à Justiça para manter a patente. Segundo executivos da Merck, a empresa tenta, desde o último dia 24 de abril, realizar reuniões para explicar melhor seus motivos e encontra portas fechadas no ministério.
O Brasil tenta desde novembro pressionar o laboratório Merck, sem sucesso, a reduzir o preço do Efavirenz de US$ 1,59 para US$ 0,65 por comprimido de 600mg. Na semana passada, o Ministério da Saúde declarou o medicamento de "interesse público" e anunciou a intenção de comprar a versão genérica da Índia por um preço de US$ 0,45 por comprimido.
A economia estimada seria de US$ 30 milhões por ano. Mesmo assim, foi dado um prazo para a Merck fazer uma contraproposta. Na última sexta, o laboratório ofereceu um desconto de 30%, que foi considerado "insuficiente" pelo governo, segundo Temporão. Além disso, o desconto seria válido até 2010, não 2012, data em que a patente expira. O licenciamento prevê o pagamento de 1,5% em royalties como remuneração à Merck por ter inventado o remédio. Além disso, o Brasil fica vedado de comercializar o produto.
O país tem estoque do Efavirenz da Merck até agosto. E afirma que não haverá desabastecimento porque três fabricantes da Índia, os laboratórios Ranbaxy, Cipla e Aurobindo, já foram consultados sobre o fornecimento para o país. Esses genéricos são pré-qualificados pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Colaboraram EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília e FABIANE LEITE, da Revista da Folha
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