quarta-feira, maio 09, 2007

"Papai descobriu o Brasil", exclama Nana Caymmi

Cantora lança "Quem Inventou o Amor", terceiro disco em que relê a obra do pai

Nana grava o que considera os únicos 14 sambas-canções de Caymmi e diz que, se não fosse ele, a música brasileira não seria conhecida lá fora

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO


Depois de uma pessoa lhe dizer que "Você Não Sabe Amar" era de Chico Buarque e de uma bisneta de Dorival Caymmi afirmar, após uma consulta na internet, que "Marina" era de Gilberto Gil, Nana Caymmi decidiu enfrentar a desinformação gravando discos temáticos com músicas do pai. "Quem Inventou o Amor", com os sambas-canções, é o terceiro em cinco anos -afora um ao vivo.
Esse esforço concentrado, que resultou no registro de 45 das 120 composições de Caymmi, se deu após o pai encerrar a carreira por causa da saúde, mas enquanto ele ainda pode apreciar os resultados.
"Ele está lúcido, com a língua ferina. Noutro dia, ganhou um celular de presente e ligou a cobrar para o Danilo [Caymmi, irmão de Nana]. Ri à beça. Papai enterrou todo mundo, inclusive os médicos", diz a primogênita, que há duas semanas comemorou seus 66 anos junto dos 93 do pai.
No estilo sincero e desbocado de Nana, não há espaço para meias palavras. Quando é para exaltar o pai, ela fala grande:
"Ele descobriu o Brasil. O americano não sabia de nós até "O Que É Que a Baiana Tem?" [de 1939]. Se hoje somos conhecidos em alguma coisa, é porque se lembram de Carmen Miranda, a quem papai ensinou a cantar [a música] e a fazer os gestos. Hoje, no cu da Finlândia tem uma bicha que vai ensinar a uma outra bicha, colega, branca, azeda, triste, na neve, a botar aquele turbante."
Quando é para contrariar uma verdade consagrada -a de que Caymmi é o melhor intérprete das próprias canções-, ela também não se acanha:
"[Ser o melhor] É o que ele diz. Eu não acho. Quando canta o mar, a tragédia que sente na voz, aí ele é o grande intérprete. As outras são músicas para o mundo, com outros grandes cantores. Mas não digo nada. Ele tem um ego que não cabe dentro das calças".

Copacabana
Nana gravou agora o que considera os únicos 14 sambas-canções do pai. Eles têm o clima das boates de Copacabana dos anos 40 e 50.
"Aquela Copacabana se perdeu. Mas não perde o charme, porque ela está ali, reina com o turismo, o mundo gay, todo o baixo fundo. Quem dita moda no Brasil é Copacabana. Ipanema é uma moda internacional, boba, uma bolsa custa três salários mínimos. Em Copacabana, qualquer mulher é linda, qualquer homem é maravilhoso. Francês misturado com russo, com alemão, com brasileiro. É a Manhattan brasileira", acredita a cantora.
Apenas uma música do novo disco, "Tão Só", era inédita na voz de Nana. A repetição não é algo que pareça lhe preocupar.
"Não saio disputando o primeiro lugar na parada, até porque nem tem mais parada para disputar. Antes, minhas colegas de trabalho ficavam preocupadas em gravar inéditas, fazer estouro, e eu sempre fui à parte. Quis seguir a linha da família Caymmi, fazer bonito, ficar para a história, coisa que consegui", diz.
Como não é difícil supor, sua visão do que o chamado mercado fonográfico produz não é das mais positivas.
"Tem muita cópia do americano. Acho um terror, mas as pessoas precisam comer, cada um faz a merda que quiser. Eu gosto de samba, de samba-canção. Meu gosto não mudou, nem por isso me considero arcaica, museu, velha. Porque esse é o Brasil. Sou a rainha do bolero, mas nem por isso saio impingindo... Sou uma cantora do bloco do eu sozinho, adoro cantar para mim", afirma.
Um projeto como "Quem Inventou Amor", segundo ela, "não interessa ao mercado".

Reinado

"O negócio hoje é dinheiro rápido. As pessoas querem trocar de carro. Eu nem carro tenho, nunca soube dirigir. E chofer sabe da sua vida, para que eu quero uma cruz dessa?", brinca.
Ela é das que resistem à velocidade dos dias de hoje: "Estou cansada de ir a casas em que não existe biblioteca ou uma paredinha com livros. Não sei se põem para papel higiênico, mas não há livro. É uma cultura rápida. Não uso internet, não sei quem é on-line, e-mail, não me interessa. Não sou dona da verdade, não vou salvar ninguém em Israel, no Irã ou no Iraque".
É na música brasileira, que tem no pai um dos pontos altos, que Nana encontra a perenidade que lhe interessa.
"Na música somos o maior país do mundo. Estamos reinando há, pelo menos, 40 anos, contando só a partir da minha geração. A gente reina, mas não tem consciência disso", lamenta a cantora.

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