De Margaret Meehan
Aos 23 anos, eu tinha me apaixonado por cigarros, suflê de chocolate, meu gato e (pela TV) James Franco em "Freaks and Geeks". Mas ainda não tinha experimentado um verdadeiro romance humano.
Depois de passar meus anos de colégio nas laterais do amor, eu naturalmente desprezava qualquer um que estivesse dentro do jogo. Então cheguei a Nova York dois anos atrás como uma anti-romântica hipócrita que zombava das idealistas de olhar brilhante, considerava o sexo um ato impensado entre dois imbecis e tinha pena das mulheres que perdiam sua identidade e sua independência ao mergulhar naquele vazio insignificante chamado "amor".
Eu, a anti-romântica, fiquei enlouquecida por esse ele, medíocre mas encantador
Se o Trem do Amor um dia parasse na minha estação, eu pretendia caçoar dos idiotas a bordo, acenando da minha plataforma de solteira auto-suficiente enquanto eles se afastariam e se tornariam um borrão de sentimentalismo no horizonte.
Mas então aconteceu. Numa noite de quinta-feira, enquanto eu entornava vodcas-sodas num bar do East Village, o Trem do Amor achou o caminho do meu coração de gárgula irritada. Freou junto à minha banqueta com um chiado, e ele desceu. Para minha surpresa, eu não apenas o recebi de braços abertos e com uma admiração apaixonada, como passei a sacrificar todo o meu orgulho, amor-próprio e moralidade durante nosso relacionamento de um ano. Tudo em nome do que eu mais detestava: amor!
Ele era absurdamente bonito, quase alienígena com seus lábios grossos, olhos azuis e pele morena. E como naquela virada improvável em todo filme de Molly Ringwald ele se aproximou de mim, uma antissocial. Fiquei cativada e caí presa daquela outra idéia repulsiva reservada aos idiotas: amor à primeira vista. Conversamos sobre Hemingway e Henry Miller, e então nos beijamos apaixonadamente. Depois que ele bateu com a garrafa de cerveja no balcão e declarou "Você vai ser minha namorada!", trocamos telefones.
Nos meses seguintes, sem a permissão de minha lógica ou o bom julgamento do meu intelecto, fiquei enlouquecida por esse músico medíocre mas encantador. Passávamos a noite toda acordados escutando Billie Holiday e Sam Cooke, andamos de mãos dadas a ponto de sentir cãibras pelo parque de Tompkins Square e admirávamos de modo nauseante cada movimento do outro.
Ele rabiscou poemas proclamando sua adoração por meu cabelo, e até por meus dentes, em vários objetos do meu quarto: o retrato de Patti Smith, o manual do meu DVD, uma garrafa de vinho vazia. Tentamos assistir "Antes do Amanhecer" várias vezes, mas sempre tínhamos de parar no meio do discurso meloso de Ethan Hawke, como se estivéssemos ansiosos demais para trocar nossas próprias histórias de traumas de infância, segredos de família e as dores de nossas existências.
Ele gravou canções sobre cavalos e poças de lama em um tom country choroso num gravador barato e me deu as fitas como gestos de amor. Eu as escutava sozinha, ignorando a culpa pelo meu passado de insensibilidade e arrulhando como uma pombinha idiota. Agora sentia-me próxima dos românticos franceses do final do século 19. Tinha passado de uma teimosa Holden Caulfield para uma inebriada Baudelaire.
Quando nos conhecemos, ele dormia num colchão de ar no chão da cozinha do apartamento de seu colega de banda, com a intenção de um dia alugar lugar um apartamento. Depois que ele dormiu em minha casa na primeira noite, mudou-se para meu apartamento sem perguntar, e sem eu realmente perceber. Logo senti falta da minha solidão, do conteúdo da minha geladeira e do dinheiro que eu periodicamente lhe emprestava (ele raramente tinha o suficiente para a passagem do metrô). Mas permiti que ele alimentasse seus vícios em minha casa e com meus recursos, desde que me deixasse alimentar o meu vício: ele.
Mas eu conservava sensatez suficiente para forçá-lo (mas não demais) a procurar um lugar para ele. E foi nessa época, em um passeio à tarde pela minha região do Brooklyn, que ele e eu passamos pelo dilapidado Greenpoint Hotel. Parecia bastante inócuo, não muito distante do rio East.
Mas então encontramos uma reportagem de um jornal online afirmando que era um dos estabelecimentos com quartos de solteiro mais usados por prostitutas e viciados em Nova York. E ele decidiu que por US$ 100 por semana o lugar era imbatível. Talvez ele acreditasse que poderia viver seu Kerouac reprimido —o artista torturado juntando-se a um bando de vagabundos depravados para alimentar a produtividade artística.
Minhas reservas aumentaram. Eu não conseguia mais suportar suas excentricidades com humor, dizendo a mim mesma "Ele é tão livre!" ou "É bacana como ele despreza as normas sociais". Mas ainda assim decidi reprimi-las, jogando meus padrões pela janela junto com meu cinismo. O amor provara que eu estava errada: era real e estava lá, suplicando-me para apaziguá-lo por mais deploráveis que fossem as circunstâncias.
Pouco depois de ele mudar para o Greenpoint Hotel, tivemos uma discussão acalorada diante de um bar em Manhattan onde eu tinha comemorado meu 24º aniversário. Para ele, a humilhação de não ter dinheiro suficiente para me pagar uma cerveja superou sua obrigação de ficar e cantar "Parabéns" para mim. Quando ele terminou a única cerveja que podia pagar, saí com ele, chateada porque ele ia embora, mas tentando não ser dramática.
Quando ele acendeu um cigarro, eu disse calmamente: "Estou decepcionada porque você vai embora". E ele respondeu: "Então agora você quer me fazer sentir culpado?" E lá se foi.
Na minha mente saqueada pelo amor, aquela criatura maravilhosa não era apenas meu namorado, mas a própria personificação do amor; a abstração antes intangível havia se tornado uma entidade viva e respirante na qual eu podia encostar meu rosto e envolver meus braços. E eu não ia deixá-lo fugir, ainda mais no meu aniversário.
Então fiz o que qualquer romântica autodestrutiva faria: corri atrás dele. Em plena Avenue A, de vestido de lantejoulas e sapato de salto, correndo como um animal faminto. E quando meus saltos alcançaram as botas marrons do Amor, eu pretendia subjugá-lo. Mas errei e em vez disso me tornei uma bola de raiva enlouquecida, chutando e gritando na noite enquanto ele se afastava cada vez mais —meu idiota, meu namorado, meu amor.
Depois da minha explosão ele parou de se comunicar comigo, um gesto que só aumentou minha paixão. Pela primeira vez na vida eu senti a dor esmagadora do coração; era como se meus órgãos internos estivessem inchados e pressionassem minhas costelas.
Minhas dores comuns pareciam totalmente originais para mim, quase revolucionárias. Passei uma semana inteira (ou foi o que pareceu) agachada nas esquinas das ruas com as palmas das mãos voltadas para o céu, pensando coisas novas como "Ninguém jamais entenderá" e "Esta é a primeira vez na história que uma dor semelhante é sentida por um ser humano".
Em tempos mais felizes, ele havia tocado para mim a canção "Damaged" do Primal Scream, dizendo: "Esta canção me faz amá-la tanto que eu quero morrer".
Então eu cantei a letra em sua caixa postal: "Doces dias de verão quando eu me sentia tão bem, só eu e você, garota, que tempo maravilhoso. Oh, sim, eu me sentia tão feliz, minha, minha, minha", com o "minha, minha, minha" final rouco, quase um grito silencioso, para fazê-lo ter ainda mais pena de mim. Então liguei mais 17 vezes, a cada vez adorando ouvir sua voz gravada.
Eu tinha uma última opção: ir até o Greenpoint Hotel. Depois daquela noite terrível de ligações incessantes, acordei às 8h banhada em suor, em um pânico amoroso. Saí do apartamento e fui na minha bicicleta até a porta do cortiço.
Ele tinha me mostrado seu minúsculo apartamento uma semana antes (sob a condição de que, para minha própria segurança, eu me escondesse embaixo de um capuz e ficasse ao lado dele), e me lembrei do andar e do número do quarto. Entrei hesitante nos corredores turquesa malcheirosos e percorri um labirinto de corredores, passando por homens mal-encarados e rapazes bebendo cerveja.
Prendi a respiração para evitar o fedor de água sanitária e urina enquanto subia os três andares de escadas cheias de papéis de comida, latas de cerveja, sacos de droga e gatos sem dono. Cheguei até a porta dele, na qual havia a seguinte mensagem, escrita em marcador preto: "Por favor não bata forte, sou cardíaco" (palavras aparentemente escritas pelo último inquilino, um velho que realmente morreu na mesma cama em que meu namorado dormia hoje). Sim, eu estava prestes a suplicar o amor de um homem que dormia na cama de um morto em um quarto de 2,5 x 2,5 metros, de aluguel semanal.
Levantei o punho trêmulo até a porta e bati suavemente três vezes, depois mais alto e mais forte, até que estava esmurrando como uma louca. Finalmente desisti e despenquei junto à porta em um monte de soluços.
Então lá estava eu, uma garota com educação universitária e um currículo brilhante, uma família amorosa e todas as outras características incômodas de uma vida maravilhosa, tremendo no chão manchado de urina de um cortiço. E eu fazia tamanha cena que o inquilino do lado, um homem enorme de shorts rasgados, saiu de seu covil, apontou um dedo acusador para mim e gritou: "Garota, você precisa arrumar a sua cabeça".
Eu lentamente me recompus e me arrastei para fora do prédio.
E então meu namorado voltou para mim! Por um mês. E aí anunciou que ia me deixar por outra mulher.
Eu me agarrei a ele e solucei, ensopando sua camiseta branca com minhas lágrimas, batendo meus punhos em seu peito, suplicando a ele e aos deuses que nos permitissem ficar juntos. Mas de repente parei de chorar e gritei, quase confusa: "Espere. Quem quer realmente namorar você?"
Meu momento de clareza finalmente havia chegado. O que eu estava fazendo?
Alguém poderia pensar que essa experiência me deixaria amarga para o amor e traria de volta, como vingança, minha hostilidade ao romance. Mas não. Pelo contrário, e mais uma vez negando a razão, ainda o quero muito. Ou, mais precisamente, quero aquela sensação que tudo consome.
Sim, sou eu. Antes totalmente cínica em relação ao amor, hoje sou prisioneira dele, ou melhor, uma passageira, tendo encontrado um lugar muito confortável no Trem do Amor, lotado com outros tolos patéticos e soluçantes e prestes a partir para destinos condenados, perturbados e talvez até insalubres —onde o coração manda e a mente obedece.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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domingo, novembro 25, 2007
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