quarta-feira, setembro 03, 2008

Para Glass, artista precisa "se livrar da própria voz"

Em palestra em Porto Alegre, americano toca piano e diz que compositor deve fugir da voz antes que ela seja sua "descrição'

Músico, que foi parceiro de Beckett e Ginsberg, diz que tal busca sempre o colocou "em situações em que não sabia o que fazer"

EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE


Em sua palestra no Fronteiras do Pensamento, anteontem à noite em Porto Alegre, o músico norte-americano Philip Glass, 71, disse que o mais difícil para um compositor não é descobrir sua "própria voz" -algo que, segundo ele, vem de modo "inevitável, orgânico e natural"-, mas sim livrar-se da voz antes de ela se tornar uma "descrição do artista". "Por isso, sempre me coloquei em situações em que não sabia o que fazer", disse Glass, repetidamente chamado de músico minimalista, um rótulo que ele rejeita e considera mera caracterização da imprensa. Conhecido do grande público por trilhas sonoras de filmes como "Kundun", de Martin Scorsese, e "O Sonho de Cassandra", de Woody Allen, Glass deu alguns exemplos de como tentou fugir da "voz" ao longo de sua carreira dando uma pequena aula sobre suas parcerias no teatro e no cinema. Ele alternou sua fala no Fronteiras do Pensamento com peças que executou ao piano, para um público que lotou o Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O músico começou sua apresentação lembrando que no início dos anos 60, em Paris, teve uma espécie de revelação ao ler o livro "Silence", de John Cage (1912-1992), e ao saber das experimentações do compositor. Cage havia criado uma composição em que misturava, aleatoriamente, sílabas de textos do escritor Henry David Thoreau (1817-1862). "Há 40 anos pensávamos que a obra de arte era independente do público. Cage criou uma nova equação de performance em que o público tinha de concluir o trabalho. Pode parecer óbvio hoje, mas naquela época não era." O músico, que volta a se apresentar hoje no Fronteiras do Pensamento, desta vez em Salvador, disse que usou o mesmo conceito de Cage em sua parceria com Samuel Beckett (1906-1989) em "Play", de 1963. "Peguei duas notas e as alternei em diferentes ritmos. A música era um subtexto que mudava de modo inesperado. Percebi que, a cada noite, a catarse emocional estava em lugares diferentes", disse Glass. Ele também falou de sua parceria com o diretor Bob Wilson em "Einstein on the Beach" (Einstein na praia), tocando uma composição com cerca de sete minutos de duração, acompanhado de imagens do espetáculo exibidas em telões. Em seguida, contou sobre suas colaborações com o diretor Godfrey Reggio em "Koyaanisqatsi" (1982), que concorreu ao Urso de Ouro em 1983 no Festival de Berlim, e apresentou o curta "Evidence", outra parceria com Reggio. Por fim, falou de sua colaboração com o poeta Allen Ginsberg (1926-1997). Tocou por sete minutos acompanhado da voz de Ginsberg recitando trecho do espetáculo "Hydrogen Jukebox".

O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou a convite do Fronteiras do Pensamento

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