Der Spiegel
Johann Grolle e Veronika Hackenbroch.
Nas últimas semanas, o mundo foi tomado pelo medo da gripe suína. Em entrevista à "Spiegel", o epidemiologista Tom Jefferson fala sobre os perigos da pesquisa científica desvirtuada, que lucra com o medo, e também porque deveríamos lavar nossas mãos com muito mais frequência.
Spiegel: Sr. Jefferson, o mundo está vivendo com medo da gripe suína. Alguns preveem que, no próximo inverno, um terço da população mundial possa estar infectada. O senhor está preocupado? O senhor e sua família tomam alguma precaução?
Tom Jefferson: Eu lavo minhas mãos com muita frequência - e não somente por causa da gripe suína. Isso é porque esta talvez seja a precaução mais eficiente que existe contra todos os vírus respiratórios, e também contra a maioria dos vírus e germes gastrointestinais.
Spiegel: O senhor considera a gripe suína especialmente preocupante?
Jefferson: É verdade que os vírus da influenza são imprevisíveis, então demandam um certo grau de cautela. Mas uma das características extraordinárias dessa influenza - e de toda a saga da influenza - é que há algumas pessoas que fazem previsões ano após ano, e essas previsões ficam cada dia piores. Nenhuma delas aconteceu até agora, e essas pessoas continuam fazendo suas previsões. Por exemplo, o que aconteceu com a gripe aviária, que supostamente mataria a todos nós?
Nada. Mas isso não impede que essas pessoas sempre façam essas previsões. Às vezes, dá a impressão de que existe toda uma indústria quase que esperando que uma pandemia aconteça.
Spiegel: A quem o senhor se refere? À Organização Mundial de Saúde (OMS)?
Jefferson: A OMS e autoridades de saúde pública, virologistas e companhias farmacêuticas. Eles construíram esta máquina em torno de uma pandemia iminente. E há muito dinheiro envolvido, e influência, e carreiras, e instituições inteiras! E bastou que um dos vírus da influenza sofresse uma mutação para fazer a máquina funcionar.
Spiegel: Eu seu site em italiano, há uma "contagem regressiva para a pandemia" que expira em 1º de abril. O senhor não acha que a situação exige um pouco mais de seriedade?
Jefferson: Estou só usando isso ironicamente para expor a falsa certeza com que nos alimentam. Será que um terço da população do mundo contrairá a gripe suína? Ninguém pode dizer isso com certeza no momento. Por enquanto, pelo menos, eu não vejo nenhuma diferença fundamental, nenhuma diferença na definição entre esta e uma epidemia de gripe comum. A gripe suína poderia até ter passado despercebida se tivesse sido causada por algum vírus desconhecido e não por um vírus influenza.
Spiegel: O senhor acha que a OMS declarou a pandemia precipitadamente?
Jefferson: Você não acha que é curioso o fato de que a OMS mudou sua definição de pandemia? A antiga definição era a de um vírus novo, que se espalhava rapidamente, para o qual não há imunização e que tinha uma alta taxa de incidência e mortalidade. Agora essas duas últimas características foram abandonadas, e foi assim que a gripe suína foi categorizada como uma pandemia.
Spiegel: Mas ano após ano, 10 a 30 mil pessoas morrem só na Alemanha por causa da influenza. No mundo ocidental, a influenza é a doença infecciosa mais fatal que existe.
Jefferson: Espere aí! Esses números não são nada mais do que estimativas. Acima de tudo, é preciso distinguir entre uma doença parecida com a influenza e a gripe propriamente dita, a influenza verdadeira. Ambas têm os mesmos sintomas: uma febre alta súbita, garganta ardendo, tosse, dor reumática nas costas e pernas, possível bronquite e pneumonia. Mas as gripes verdadeiras, as influenzas verdadeiras, são causadas apenas pelos vírus influenza, enquanto há mais de 200 vírus diferentes que causam doenças parecidas com a influenza. No que diz respeito aos números relacionados às mortes atribuídas à gripe, sempre existem outras causas, provocadas pela combinação de outros vírus. Agora, no caso das pessoas idosas que morrem de pneumonia, ninguém faria um exame de autópsia para descobrir se foi de fato um vírus influenza que as matou. Aproximadamente 7% dos casos de doenças parecidas com a influenza são causados pelos vírus influenza. É uma porcentagem muito pequena. O que eu sei é que a influenza verdadeira é sistematicamente superestimada.
Spiegel: E o que dizer desses outros 200 tipos de vírus?
Jefferson: Eles não são tão populares quanto a influenza. Os pesquisadores simplesmente não etão interessados nisso. Pegue o rhinovirus, por exemplo, um vírus derivado dos cavalos. É o agente isolado mais comumente associado aos resfriados comuns. Há centenas de tipos diferentes desses rhinovirus. Eles normalmente causam apenas coriza, mas também podem ser fatais. Ou o chamado RSV, o vírus respiratório sincicial humano, que é muito perigoso para crianças e bebês.
Spiegel: Então por que os pesquisadores não estão interessados?
Jefferson: É fácil. Eles não conseguem ganhar dinheiro com isso.
Com os rhinovirus, o RSV e a maioria dos outros vírus, é difícil ganhar muito dinheiro ou construir uma carreira com eles. Contra a influenza, entretanto, há vacinas, e há remédios que podem ser vendidos. E é aí que está o dinheiro investimento da indústria farmacêutica. Isso garante que a pesquisa do influenza seja publicada em bons jornais. E é por isso que há mais atenção para esse assunto, e todo o campo da pesquisa se torna interessante para cientistas ambiciosos.
Spiegel: Mas há alguma razão científica para se interessar pelos vírus influenza?
Jefferson: O interesse restrito sobre o influenza não é apenas um desvio; também é algo perigoso. Você lembra de uma coisa chamada Sars?
Essa foi uma epidemia verdadeiramente perigosa. Foi como um meteoro:
chegou e foi embora com rapidez, e matou muita gente. A Sars nos pegou de surpresa porque era causada por um coronavirus totalmente desconhecido. De onde ele veio? Para onde foi? Ou continua existindo? Ainda não sabemos. Há muitas coisas estranhas como esta que continuam aparecendo. Todo ano, um novo agente é identificado. Por exemplo, há uma coisa chamada bocavirus, que pode causar bronquite e pneumonia em crianças pequenas. E há outra chamada metapneumovirus, que os estudos dizem que é responsável por mais de 5% de todas as doenças relacionadas à gripe. Então, devíamos manter nossos olhos abertos em todas as direções!
Spiegel: Mas a grande pandemia de 1918 e 1919 foi causada por um vírus influenza, e matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Ou os cientistas contestam isso?
Jefferson: É muito provável que tenha sido assim, mas há muitos aspectos sobre a pandemia de 1918 e 1919 que ainda nos deixam intrigados. Fazem apenas 12 anos que descobrimos que o vírus H1N1 havia causado a pandemia. Mas também havia muita atividade bacteriana acontecendo na época. E sobretudo não está claro porque a taxa de mortalidade da gripe caiu de forma tão dramática depois da Segunda Guerra Mundial. Hoje, há apenas uma fração do que era o padrão antes da guerra. No que diz respeito às pandemias posteriores, como a "gripe asiática" de 1957 ou a "gripe de Hong Kong" de 1968 e 1969, mal se consegue detectá-las como uma taxa excepcional de mortalidade em relação às estatísticas de morte como um todo.
Spiegel: Então por que chegamos a falar sobre pandemias?
Jefferson: Isso é algo que você deveria perguntar à Organização Mundial de Saúde!
Spiegel:,/B> Em sua opinião, o que é necessário para que um vírus como o da gripe suína se torne uma ameaça global?
Jefferson: Infelizmente, só podemos dizer que não sabemos. Eu suspeito que todo o assunto seja muito mais complexo do que somos capazes de imaginar hoje. Levando em conta todos os vírus que produzem sintomas parecidos com o da gripe, talvez o postulado de Robert Koch de que um patógeno específica provoca uma doença específica não vá longe o suficiente. Por que, por exemplo, nós não pegamos gripe no verão? Afinal, o patógeno está lá o ano inteiro! Já no século 19, o químico e higienista alemão Max von Pettenkofer havia desenvolvido uma teoria sobre como o contato do patógeno com o ambiente pode alterar a doença. Acho que valeria à pena a pesquisa nessa direção. Talvez isso nos fizesse entender melhor a pandemia de 1918 e 1919 ou nos tornasse mais capazes de compreender os perigos da gripe suína.
Spiegel: Os humanos têm melhores defesas hoje do que tinham em 1918, e provavelmente não vai levar muito tempo para que tenhamos uma vacina contra a gripe suína. Na semana passada, o governo federal da Alemanha anunciou que queria comprar o suficiente para 30% da população. Quanto o senhor acha que é necessário para nos proteger?
Jefferson: No que diz respeito à vacinação pandêmica, como dizemos em inglês, a prova está no pudim. A prova está em usá-la. Nós veremos.
Ela gera uma resposta de anticorpos, mas será que realmente vai prevenir a doença?
Spiegel: O senhor é pessimista em relação a isso?
Jefferson: Não, estou apenas dizendo que nós estamos prestes a descobrir (risos). Vamos conversar novamente daqui a um ano, que tal?
Spiegel: Durante vários anos, como integrante da Cochrane Collaboration, o senhor tem sistematicamente avaliado todos os estudos sobre imunização contra a influenza sazonal. Ela funciona bem?
Jefferson: Não exatamente bem. Uma vacina contra a influenza não funciona para a maioria das doenças parecidas com influenza porque é projetada apenas para combater os vírus influenza. Por esse motivo, a vacina não muda nada em relação às altas taxas de mortalidade durante os meses de inverno. E, mesmo nos melhores casos, a vacina funciona apenas num grau limitado contra os vírus influenza. Entre outras coisas, há sempre o perigo de que o vírus da gripe em circulação tenha mudado no momento em que a vacina comercializável está pronta, e como resultado, na pior das hipóteses, a vacina será totalmente ineficaz.
No melhor dos casos, os poucos estudos decentes que existem mostram que a vacina funciona principalmente com adultos jovens e saudáveis.
Com as crianças e os idosos, ajuda só um pouco, quando ajuda.
Spiegel: Mas não são exatamente esses os grupos para os quais se recomenda a imunização contra a influenza?
Jefferson: De fato. Essa é uma das contradições entre as descobertas científicas e a prática, entre as evidências e as políticas.
Spiegel: Então, o que está por trás dessa contradição?
Jefferson: É claro que isso tem algo a ver com a influência da indústria farmacêutica. Mas também tem a ver com o fato de que a importância da influenza é completamente superestimada. Isso tem a ver com fundos de pesquisa, poder, influência e reputações científicas!
Spiegel: Então, nesse momento é razoável manter a vacinação contra a influenza sazonal?
Jefferson: Não consigo ver nenhuma razão para isso, mas não sou um tomador de decisões.
Spiegel: E quanto ao Tamiflu e Relenza, dois dos medicamentos antigripais que estão sendo usados contra a gripe suína? Qual é a eficácia deles?
Jefferson: Se for tomado na hora certa, em média, o Tamiflu reduz a duração da influenza verdadeira em um dia. Um estudo também descobriu que ele diminui o risco de pneumonia.
Spiegel: Esses medicamentos podem baixar as taxas de mortalidade associadas à gripe?
Jefferson: Isso é possível, mas ainda tem de ser cientificamente provado.
Spiegel: E quanto aos efeitos colaterais?
Jefferson: O Tamiflu pode provocar náusea. E há relatos que indicam efeitos colaterais psiquiátricos. Há relatos vindos do Japão de que jovens que tomaram Tamiflu tiveram reações psicóticas agudas similares às encontradas nos esquizofrênicos.
Spiegel: Então, é sensato usar esses medicamentos?
Jefferson: Nos casos severos, sim. Mas sob nenhuma circunstância o Tamiflu deve ser oferecido a escolas inteiras, como tem sido feito atualmente em algumas situações. Nessas circunstâncias, não me surpreende em nada o fato de que já estamos ouvindo relatos de variedades resistentes da gripe suína.
Spiegel: Na Alemanha, o governo deve estocar medicamentos para a gripe para 20% da população. O senhor acha que isso é sensato?
Jefferson: Bem, pelo menos há formas muito mais simples de fazer muito mais. Por exemplo, deveria-se ensinar as crianças nas escolas a lavarem as mãos regularmente - de preferência antes de cada aula! E todos os aeroportos deveriam instalar algumas centenas de pias.
Qualquer um que desça de um avião e não lave as mãos deveria ser parado pela polícia de fronteira. É possível saber, por exemplo, colocando uma tintura invisível e neutra na água. E usar máscaras também é sensato.
Mais sobre o entrevistado
Tom Jefferson, 55, trabalhou para a Cochrane Collaboration por 15 anos. Junto com uma equipe internacional de cientistas, ele avalia todos os estudos publicados relacionados à gripe. Antes de assumir sua atual posição, ele era clínico geral no Exército Britânico. Ele mora perto de Roma
Spiegel: De fato foi comprovado que essas medidas funcionam?
Jefferson: Há vários bons estudos sobre isso que foram feitos durante a epidemia de Sars. São estudos de caso controlados que examinaram indivíduos que tiveram contato próximo com o vírus da Sars. Eles compararam as características daqueles que haviam sido infectados com o vírus durante esse contato com as das pessoas que não foram infectadas. Esses estudos tiveram resultados muito claros.
Spiegel: O senhor parece bastante impressionado.
Jefferson: Estou. O que é ótimo em relação a essas medidas não é só o fato de elas serem baratas, mas também que elas podem combater mais do que os vírus da influenza. Esse método pode combater os 200 patógenos que produzem sintomas de gripe, assim como vírus gastrointestinais e germes totalmente desconhecidos. Um estudo feito no Paquistão mostrou que lavar as mãos pode até mesmo salvar as vidas das crianças. Alguém deveria ganhar um prêmio Nobel por isso!
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