terça-feira, setembro 11, 2007

Confira entrevista com Sergio Aragonés, da revista "Mad"

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
da Folha de S.Paulo

Aos 70 anos, completados na última quinta (6/9), Sergio Aragonés ainda desenha com gosto e com a mesma velocidade que lhe valeu o título de "cartunista mais rápido do mundo": a Folha levou dois meses até conseguir entrevistá-lo, mas apenas 20 minutos, entre o pedido e o envio, para obter um auto-retrato para ilustrar a matéria.

Espanhol radicado no México e morando nos EUA há décadas, Aragonés tornou-se célebre por seus minicartuns para a revista "Mad", onde é o segundo colaborador mais longevo, trabalhando há 44 anos.

Ele acaba de retomar sua criação mais célebre, Groo, o errante, que ganhou no exterior uma edição especial para celebrar seus 25 anos e uma nova minisérie, "Groo: Hell on Earth", ainda sendo finalizada.

No Brasil, o personagem ganhou recentemente nova publicação, pela editora Opera Graphica, "Odisséia" (104 págs., R$ 49).

Falando por telefone de sua casa na Califórnia, Aragonés lembrou visitas ao Brasil e falou de Groo, da "Mad" e de sua vida.



FOLHA - Como é a edição comemorativa dos 25 anos de seu personagem Groo, que o sr. acaba de lançar?

SERGIO ARAGONÉS - É caprichada, tem uma capa prateada, mas é basicamente a mesma estupidez de sempre. A história é uma analogia que eu vinha tentando fazer há anos, sobre a Aids. Usamos um paralelo com uma praga que se transmite através de beijos, com o governo e a Igreja não fazendo muito para aliviar o problema.

FOLHA - E a nova minisérie que o sr. está criando?

ARAGONÉS - Estou desenhando um Groo agora, para o primeiro número, enquanto falamos. Serão quatro volumes, o tema é o aquecimento global. A história fala sobre os problemas causados pela poluição e todas suas conseqüências, e é claro que Groo acaba sendo o causador de vários dos problemas.

FOLHA - E como você e Mark Evanier [roteirista de Groo] trabalham?


ARAGONÉS - Já fizemos de diversas maneiras. Geralmente eu venho com uma trama, desenho algumas páginas a lápis e as levo para Mark, com os diálogos mal escritos, que ele apaga e substitui. Não sou muito bom com piadas escritas, meu humor é de pantomima, como o que eu faço para a "Mad". Às vezes ele sugere a trama e já houve casos em que escreveu tudo, como em "A Morte de Groo".

FOLHA - Groo é seu personagem preferido?

ARAGONÉS - Sim, já estamos juntos há tempos e é um personagem muito nobre porque seus direitos sempre foram meus, então ele nunca mudou. Muitos artistas criam um personagem e, como os direitos pertencem às editoras, acabam perdendo o controle sobre ele. Mas Groo ainda está intacto.

FOLHA - O sr. levou dez anos da criação do personagem até sua publicação. Por quê?

ARAGONÉS - Eu tinha vivido na Europa no começo dos anos 60 e vi que, lá, os autores eram donos de seu material, enquanto nos EUA era muito difícil que isso acontecesse. Então, quando cheguei no país, queria isso para mim, ter os direitos sobre minha criação. Levei vantagem sobre outros artistas porque eu estava trabalhando para a "Mad" e para a DC [editora de HQs], então não precisava desesperadamente de dinheiro, pude me dar ao luxo de esperar.

FOLHA - As histórias de Groo tem muito comentário político e social. Era esse seu objetivo ao criá-lo?


ARAGONÉS - Na verdade, não. Eu pensava nas aventuras de um bárbaro tolo, sem planejar muito à frente. Mas, com o tempo, eu via algo para o qual queria chamar a atenção das pessoas, criticar, ironizar, e escrevia baseado nisso, seja poluição, sem-tetos, arte moderna.

FOLHA - O sr. ainda é o cartunista mais rápido do mundo?


ARAGONÉS - Eu levo vantagem sobre os desenhistas que criam histórias sérias porque, como meus cartuns são de humor, as pessoas não notam quando eu erro algum personagem, faço um nariz maior ou um cabelo errado. A velocidade em si dá uma liberdade no traço com a qual é muito confortável trabalhar. Mas eu ainda levo 20 minutos para fazer uma página [ri]. É mentira, eu levo algumas horas. Esse mito começou porque eu desenho rapidamente quando estou em frente a platéias, para que elas não fiquem entediadas, e isso as espanta.

FOLHA - O sr. já era rápido quando criança?

ARAGONÉS - Eu era um artista muito ruim, sempre havia alguém muito melhor do que eu na escola. O que eu tinha era perseverança, continuei fazendo por tantos anos que acabei me desenvolvendo. Mas a velocidade não é importante, quando estou na minha mesa eu levo o tempo que precisar, só sou rápido em frente a platéias.

FOLHA - O sr. saiu da Espanha ainda criança, fugindo da guerra civil. Que lembranças tem dessa fase?

ARAGONÉS - Da Espanha fomos para a França, onde ficamos alguns anos, era a época da Segunda Guerra. Eu tinha 7 anos quando chegamos ao México, estava sempre desenhando, era um jeito de me expressar, era muito confortável criar minhas histórias. Meus primeiros desenhos de infância são relacionados à guerra, com aviões, porque era o que estava acontecendo. Estudei, fiz serviço militar no México e saí de lá aos 24.

FOLHA - E como foi a imigração para os EUA?

ARAGONÉS - Meu passaporte era mexicano, porque me tornei cidadão do país, sendo um refugiado. Cheguei nos EUA como turista, tentando vender alguns cartuns e, à medida que comecei a trabalhar, consegui tirar um green card [que permite morar no país].

FOLHA - Sendo um imigrante mexicano, como o sr. vê a situação de seus compatriotas nos EUA?

ARAGONÉS - É um problema muito sério. A maioria dos imigrantes que vêm do México são mão-de-obra de fazendas e indústria, e são tão abundantes que causam problemas para os trabalhadores daqui, que fazem propaganda negativa, levando a população a temê-los, pois acham que eles vão sobrecarregar o sistema de saúde e apenas usar os benefícios, e não é verdade. Os EUA não querem admitir que, sem os mexicanos, eles teriam muitos problemas na agricultura. Eles precisam dos trabalhadores e escondem esse fato. Poderiam dar vistos temporários, mas não podem negar o problema, como fazem.

FOLHA - Quando chegou aos EUA, o sr. pediu ajuda ao cubano Antonio Prohias [criador do "Spy vs. Spy"] para entrar na "Mad"?

ARAGONÉS - Sim, e foi muito engraçado porque ele falava ainda menos inglês do que eu. E chamava a todos de irmão, então me introduziu como se fosse seu parente, "meu irmão do México está aqui". Aí mostrei meu portfólio, a revista gostou e assim começou.

FOLHA - E já são 44 anos na revista. Quais suas melhores memórias desse período?


ARAGONÉS -* O publisher da revista, Bill Gaines [1922-1992], costumava levar todo o staff para uma viagem ao exterior uma vez por ano. Fomos para o Marrocos, México, Alemanha, Rússia, vários lugares, com todas as despesas pagas. Dividíamos os quartos com outros colegas da "Mad" e essas experiências eram maravilhosas porque tornaram a equipe uma família.

FOLHA - E de quem o sr. foi mais próximo?

ARAGONÉS - Prohias, Don Martin, Al Jaffe, Jack Davis... foram vários amigos, é uma fraternidade, não apenas trabalhamos para "Mad", somos uma família há muitos anos.

FOLHA - Quem foram seus mestres e suas influências?

ARAGONÉS - Aprendi pantomima com [o diretor e escritor chileno] Alejandro Jodorowski para melhorar meu trabalho como cartunista. Originalmente, minhas influências eram do humor, além de Carl Barks [1901-2000] e, acredite ou não, Will Eisner [1917-2005], eu adorava o jeito como ele contava as histórias, foi uma grande influência na minha escrita. O argentino Oski [1914-1979], cartunista maravilhoso, também me influenciou, assim como o mexicano [Abel] Quezada [1937-2007].

FOLHA - E o sr. sempre preferiu o humor em seu trabalho?

ARAGONÉS - Eu consigo escrever histórias sérias, fiz um western, "Bat Lash" [para a DC] e, quando comecei, escrevia para a [revista de horror] "House of Mystery". Mas, como desenhista, meu único interesse é o humor. Não pinto, não faço desenhos realistas, acho que uma das razões por que meu trabalho é admirado é porque nunca mudei, sempre fiz aquilo em que era melhor.

FOLHA - O sr. já esteve algumas vezes no Brasil, que lembranças tem daqui?


ARAGONÉS - Estive aí na década de 70, em Piracicaba (SP), e já havia vários fãs da "Mad" que conheciam meu trabalho, foi incrível. Depois voltei algumas vezes, a maioria como turista, a última na década de 80. Tenho alguns bons amigos aí, como [os irmãos] Ziraldo e o Zélio. Não tive mais tempo, mas ainda tenho de voltar ao Brasil.

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