De Dorothy Spears
As luzes estroboscópicas piscam hipnoticamente e os dançarinos movimentam-se como robôs, quando a face fantasmagórica da cantora Nico aparece em 'Exploding Plastic Inevitable', o espetáculo itinerante de arte, música e cinema, de 1966, organizado por Andy Warhol. Em meio às guitarras monótonas do Velvet Underground, a voz de Lou Reed emerge com toda a sua força metálica.
Reed pode ter sido um dos primeiros astros do rock'n'roll a adotar a arte e o cinema como inspirações. Mas ele certamente não foi o último, conforme fica nitidamente demonstrado por 'Sympathy for the Devil: Art and Rock and Roll Since 1967' ('Simpatia Pelo Demônio: Arte e Rock and Roll Desde 1967'), uma exposição altamente aguardada que tem início neste fim de semana no Museu de Arte Contemporânea em Chicago.
Tomando como ponto de partida o filme de Ronald Nameth, 'Andy Warhol's Exploding Plastic Inevitable' (EUA/Reino Unido, 1967) e os 'Testes de Tela' gravados por Warhol com os membros do Velvet Underground -e adotando como título o hino dos Rolling Stones de 1968-, esta pesquisa apresenta mais de cem quadros, desenhos, vídeos, filmes e exemplos de 'installation art' que demonstram as ligações irreverentes entre artistas e roqueiros.
Entre os pontos altos da mostra estão o vídeo de 55 minutos de Dan Graham, 'Rock My Religion' (1982-84); capas de álbuns e folhetos de propaganda desenhados por Raymond Pettibon para a banda do seu irmão, Greg Ginn, a Black Flag; a instalação multimídia de Jutta Koether, de 2006, 'Music'; o vídeo de 58 segundos de Aida Ruilova, feito em 2002, baseado na cena final do filme de Jean-Luc Godard, 'Sympathy for the Devil' (Reino Unido, 1970); e 'Sound Digressions in Seven Colors' ('Digressões Sonoras em Sete Cores'), que consiste em uma estrutura visual e sonora feita em 2006, composta de músicos que fazem improvisações individuais nos seus instrumentos.
Organizada por Dominic Molon, o curador do museu, esta promete ser uma das mostras mais agradáveis e informativas - além de áspera - durante o outono no hemisfério norte. Obviamente esperando multidões, o museu fornece um tour em áudio, com uma coletânea de clips: 'Andy Warhol' (1971), de David Bowie; 'Personality Crisis' (1973), do New York Dolls; 'The Superman' (1981), de Laurie Anderson; 'Air' (1979), do Talking Heads; e 'Kill Yr. Idols' (1983), do Sonic Youth, entre vários outros. O tour pode ser gravado em iPods pessoais durante a visita ao museu, e as músicas completas podem ser compradas no iTunes (um link é solicitamente fornecido no website do museu, mcachicago.org).
Juntamente com trabalhos mais recentes -de Daniel Guzman, da cidade do México, do artista pop japonês Yoshitomo Nara e do coletivo brasileiro Assume Vivid Astro Focus, por exemplo- a mostra ilustra o impacto global do rock sobre os artistas. Ela identifica as raízes da colaboração arte-rock em uma fascinação básica com a interseção entre imagens e sons.
Anderson, que certa vez compôs uma peça para violino baseada nos desenhos matemáticos de Sol LeWitt, recorda como era o mundo de artistas e músicos na Nova York no início da década de 1970, quando o minimalismo liderava a avant-garde.
"As pessoas que faziam o rock cabeça compunham no espaço de arte The Kitchen", conta ela. "E o CBGB's ficava com o rock frenético, caindo mais para o soul".
Enquanto a carreira de Anderson ia de vento em popa, David Byrne ricocheteava entre a pintura, a fotografia, o vídeo e a arte conceitual, primeiro na Escola de Design de Rhode Island, e a seguir no Instituto e Universidade de Arte de Maryland. Após abandonar a escola de arte, ele mudou-se para Nova York em 1972. À época, Byrne, ex-vocalista do grupo Talking Heads, não tinha ambições musicais.
"Quando me mudei para a cidade, o que eu queria era aparecer nas galerias", conta ele.
Mas Lee Ranald, vocalista e guitarrista do Sonic Youth, lembra-se de que naquela época o mundo da arte era compartimentado.
"Era mais fácil fazer um teste musical à noite no CBGB's do que conseguir expor em uma galeria", diz ele.
Foi exatamente essa a experiência de Byrne. "Formamos uma banda, e um dia quisemos nos apresentar. Conseguimos fazer um teste no CBGB's", conta o músico.
Atraídos pelo desprezo do rock-punk à virtuosidade, os artistas que aguardavam um grande sucesso nas galerias começaram a empunhar instrumentos musicais na década de 1970.
"Muitos artistas plásticos tocavam em bandas", diz Robert Longo, que em 1977 criou um grupo chamado Menthol Wars com o também artista Richard Prince. "Era fantástico ouvir música que soava como a nossa arte visual".
A exposição exibe os grandes desenhos em carvão de Longo da sua série 'Men in the Cities' e os 'Portraits' em Ektacolor de Prince, de 1984, que incluem retratos de Dee Dee Ramone, Tina Weymouth, do Talking Heads, e Adele Bertei, do Contortions.
"Todo mundo que trabalhava no circuito underground do cenário musical de Manhattan era oriundo de algum tipo de escola de arte", lembrou Ranald em uma entrevista em Londres, onde o Sonic Youth faz uma turnê. "Havia alunos de artes visuais, teatro e cinema. Éramos basicamente garotos de classe média com educação universitária. Todos estavam por dentro do conceito de apropriação e das práticas da arte minimalista e conceitual -e aplicavam isso à música produzida no momento".
Mas o apogeu da onda punk durou pouco.
"O punk brilhou intensamente durante 18 meses", afirma Peter Saville, um dos fundadores da Factory Records, uma gravadora independente em Manchester, na Inglaterra, que sobreviveu até 1992. "Por volta de 1978, aqueles de nós que tinham um traço mais intelectual perguntavam: 'O que virá a seguir?'".
Os grupos new age e pós-punk revelaram-se um terreno fértil para Longo. "A música era como a gasolina que você coloca no tanque para fazer o carro funcionar", disse ele em uma entrevista no seu estúdio em Little Italy, no qual as suas peças artísticas estão rodeadas por três guitarras e um baixo. "O Talking Heads e o Joy Division tornaram-se o maior combustível para o meu trabalho. Foi aí que me tornei realmente produtivo".
Citando as múltiplas fontes inspiradoras dos seus desenhos da série 'Men in the Cities', de 1980-82, Longo selecionou uma performance do Contortions no CBGB's.
"A maneira como James Chance se movimentava no palco -em espasmos, quase que como se fosse dirigido por impulsos psicóticos- realmente me tocou" (a música da banda, 'Contort Yourself', de 1979, faz parte da lista da exposição).
No seu estúdio em Lower East Side, em Manhattan, o artista de vídeo Oursler falou sobre o desmantelamento, por parte do rock'n'roll, daquela que era uma torre de marfim do mundo da arte: "Havia aquela idéia lançada por David Byrne e Laurie Anderson, de que um trabalho artístico poderia ser qualquer coisa: uma música, um filme, um fragmento sonoro ou uma clip de vídeo".
Ele conta que se interessou por essa salada, e também em alcançar um público maior. "David Byrne foi um garoto-propaganda desta idéia", afirma Oursler, cujo trabalho, "Synesthesia", aparece em uma entrevista com Byrne, e que faz parte da exposição em Chicago.
Já Byrne ficou eufórico quando colegas artistas tornaram-se fãs do Talking Heads: "Lembro-me de que, no final dos anos setenta, quando estávamos tocando no CBGB's, havia vários artistas na platéia, incluindo Vito Acconci e Andy Warhol. Para nós, aqueles eram grandes nomes".
A partir do final da década de sessenta, fenômenos semelhantes aos do cenário da arte e do rock de Nova York começaram a aparecer. Mike Kelley, especialista em installation art, por exemplo, que cresceu em Detroit, lembra-se de que, nos intervalos da tarefa de salvar as revistas de arte da destruição no centro de reciclagem, ele assistiu a concertos de bandas locais como a MC5 ou os Stooges. Mas quando ele e o artista Jim Shaw formaram o barulhento grupo Destroy All Monsters da Universidade de Michigan em Ann Arbor, a receptividade foi desencorajadora.
"Eles nos detestavam", disse Kelley do seu estúdio em Los Angeles. "Quando a banda conseguiu fazer uma rara apresentação em uma festa alternativa, fomos completamente desprezados como sendo uma piada".
'Greetings From Detroit', um conjunto de retratos dos membros das bandas da cidade pela coletânea Destroy All Monsters,está em 'Sympathy for the Devil'. Quando Kelley e Shaw graduaram-se pelo Instituto de Artes da Califórnia em Valencia, o cenário era ruidoso.
"Mas era composto de pessoas interessadas em sua maioria nelas próprias", diz Kelley. O aspecto irônico daquelas apresentações tornaram-se parte da sua atuação. O Destroy All Monsters tinha um fanzine. "Mas não havia fãs, de forma que a coisa toda virou uma piada".
Enquanto ainda freqüentava o Instituto de Artes da Califórnia, Kelley formou uma outra banda, os Poetics, com Oursler. Aquele grupo, segundo Oursler, apresentava o outro lado da moeda da integração arte-pop. "Estávamos criando música, gritando e fazendo apresentações bizarras usando shorts", conta Oursler. "O nosso interesse era ir além dos limites".
Kim Gordon, atualmente vocalista e guitarrista do Sonic Youth, conheceu Kelley em uma palestra feita por Graham, o artista conceitual. E ela se recorda de que Graham desempenhou um papel na sua carreira musical. No início dos anos oitenta, quando ela trabalhava na Galeria Annina Nosey, no SoHo, Graham lhe pediu que colaborasse em uma apresentação que contava com um espelho voltado para a platéia.
"Ele me pediu que fundasse uma banda feminina", diz Gordon, acrescentando que muitas mulheres estavam envolvidas com o cenário barulhento do underground experimental.
Pouco depois disso, o universo das galerias explodiu em East Village e SoHo. "Vários artistas que faziam música pararam", diz Gordon. "Isso porque as suas carreiras nas artes plásticas decolaram".
Conforme recorda Ranaldo: "A arte começou a render muito dinheiro. E o fluxo de dinheiro deixou os músicos para trás".
Os discos de vinil, com as suas capas de 30 centímetros também ficaram para trás, à medida que os CDs reproduziam a arte em uma camada clara de plástico facilmente quebrável.
As capas dos álbuns de Saville para a Factory Records -aquela que está sendo exibida é a do álbum de 1983, 'Power, Corruption and Lies', do New Order- tornaram-se lendárias.
"As bandas consideravam-nas como parte tão integral dos seus discos que elas adiavam a produção até que Peter tivesse uma idéia", conta Byrne.
"Em 1980 a Factory Records contava com uma base muito leal de fãs, formada por cerca de 50 mil pessoas, que compravam tudo o que a gravadora produzia", diz Saville, explicando por que jamais precisou pensar em fazer marketing ao desenhar as capas dos álbuns.
"Não havia impressão das faixas na parte de trás das capas", observa ele. "E dentro não havia letras das músicas. Ninguém iria ganhar dinheiro. E ninguém estava vendendo nada. Acreditamos que as pessoas comprariam o produto, com rótulos ou não. E foi o que ocorreu".
Segundo Saville, sob tais circunstâncias, ele desfrutou da rara autonomia associada à arte.
"Você tem que estar fora do ramo para fazer algo real ou verdadeiro. E atualmente muito pouca coisa está fora do ramo".
Mas a era pioneira do cruzamento entre arte e rock continua a fascinar.
'Summer of Love', a mostra encerrada recentemente no Whitney Museum of American Art, abordou a música e a arte de 1967; 'Panic Attack! Art of the Punk Years, 1974-84', foi encerrada recentemente na Barbican Gallery, em Londres.
"Acho que os museus e as galerias estão com fome de corpos novos", afirma Ranaldo, acrescentando que uma exposição das diversas colaborações do Sonic Youth com artistas fará uma turnê pela Europa no próximo verão.
"A música é algo de muito visceral à qual os jovens respondem. É algo que tem um apelo bem mais forte do que a arte".
Reed afirma ver um renascimento do interesse em combinar arte com música.
"Atualmente existem todas essas coisas incríveis que se pode fazer com os processos digitais", diz ele. "É um momento bastante entusiasmante para se ser um artista jovem".
segunda-feira, outubro 01, 2007
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