Autores vendem para estúdios de cinema direitos de filmagem de livros que ainda nem foram escritos
LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há quem diga que adaptações para o cinema costumam estragar livros, principalmente por mostrar na tela personagens e cenas que antes só existiam na imaginação do leitor.
Mas a interferência do cinema na literatura tem sido bem mais poderosa do que se imaginava, capaz até de formar uma geração de autores que já escreve um livro com a intenção de vê-lo em breve na telona.
Há casos de livros que ainda nem chegaram às lojas e já saem da gráfica com um roteiro em fase de produção, muitas vezes feito pelo próprio autor.
O escritor americano Scott Smith teve seu livro de estréia, "Um Plano Simples", adaptado para o cinema pelo diretor Sam Raimi (o mesmo de "Homem-Aranha"). Autor também do roteiro adaptado desse divertido thriller, Scott foi indicado ao Oscar pelo trabalho em 1993.
Depois disso, ele levou quase 15 anos para escrever uma nova ficção. Lançada neste ano, "As Ruínas" conta a história de dois casais americanos que se vêem em apuros após uma aventura inconseqüente em um sítio arqueológico no México.
E, bem antes de terminado, "As Ruínas" já estava garantido para o cinema. "O livro foi escolhido por Ben Stiller [ator e diretor] para virar filme enquanto tinha somente dois terços prontos. Portanto, pelo menos no último terço, eu estava bem consciente de que eu eventualmente teria de adaptá-lo."
E como Ben Stiller tinha tanta certeza de que "As Ruínas" daria uma boa história para o cinema, uma vez que o livro nem pronto estava? "Faço trabalhos na produtora de Ben, a Red Hour, há muitos anos. Eu lhe entreguei um pequeno resumo do final da história, e ele baseou sua decisão nele. Acho que aquilo foi suficiente."
Questionado sobre uma perda de interesse dos leitores após a estréia do filme (prevista para 2008), Scott defende que a maioria das pessoas acha que ler um livro e ver um filme são experiências diferentes. "Aqui nos EUA, por exemplo, livros freqüentemente entram nas listas de mais vendidos após estrearem no cinema", defende.
Nem sempre. Um dos maiores sucessos literários de todos os tempos, "O Código da Vinci", de Dan Brown, viu suas vendas diminuírem bastante após a estréia de sua adaptação.
Aventura para cinema
O jovem escritor americano Christopher Paolini é outro que sofreu influência do cinema. Mal terminou o último livro de sua trilogia sobre um garoto e seu dragão em um mundo fantástico, no estilo "O Senhor dos Anéis", e já assistiu à primeira parte, "Eragon", neste ano, nos cinemas.
"Inicialmente eu vislumbrei a aventura para o cinema, mas, por causa da falta de recursos para produzir um filme, resolvi escrever os livros", explica.
"Eragon" foi comprado pelos estúdios da Fox quando ainda estava no manuscrito. Em entrevista ao jornal americano "USA Today", Elizabeth Gabler, executiva da Fox, explicou que "a relação entre um menino e um dragão que compartilham uma conexão telepática pode render uma forte história para o cinema".
Roteiros em falta
Aparentemente o principal motivo dessa pressa em comprar os direitos para o cinema de um livro que ainda não foi lançado é a falta de boas opções de textos para o cinema.
Joe Hill, filho do escritor Stephen King, viu seu primeiro romance, "Estrada da Noite", que conta a história de um roqueiro velho que arremata um fantasma por um site de leilões, ser comprado pelos estúdios da Warner quando ainda estava em seu quarto rascunho. Mas ele garante: absolutamente nada foi mudado após o contrato.
Joe Hill sabe do risco que é ter um livro roteirizado. "Aqui nos EUA, a cultura é tão saturada de entretenimento que as pessoas preferem passar duas horas vendo um filme a ler um romance em três semanas."
Nem o bruxo escapa
Nem mesmo a escritora J.K. Rowling fugiu desse esquema. Após o lançamento da primeira adaptação de Harry Potter para o cinema, em 2001, algo mudou no seu jeito de contar a história.
"Eu acredito que Rowling alterou seus livros para se encaixarem nos filmes. Todos os livros de Harry Potter escritos após a estréia do filme tiveram as adaptações já pensadas", afirma Stephen Brown, autor de "Wizard!: Harry Potter's Brand Magic" (mago! a mágica da marca Harry Potter).
No livro, ele analisa a estratégia de marketing usada inconscientemente por Rowling e que tornou sua obra um sucesso.
Mas Brown defende que essa mudança não seja uma tática de Rowling. "Ela apenas se influenciou ao ver o que o cinema poderia fazer com a sua visão literária. Os filmes foram muito importantes para espalhar a pottermania. O fenômeno ficou muito maior depois deles."
Para a jornalista Frini Georgakopoulos, especialista na série, o efeito "cinema manda" pôde ser sentido mesmo no sexto livro, "O Enigma do Príncipe". "As passagens foram descritas de tal maneira que eu conseguia ver uma cena de filme. A morte de Dumbledore é um exemplo. A descrição é ótima, mas conta com um olhar mais cinematográfico do que literário", analisa Frini.
segunda-feira, outubro 08, 2007
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