quinta-feira, março 23, 2006

A França precisa definir o que fazer para integrar seus excluídos, e agir
Quatro meses depois da onda de violência que explodiu nas periferias, "Le Monde" promoveu um debate sobre o que precisa ser feito para acabar com as desigualdades crescentes que marcam o país

Luc Bronner e Mustapha Kessous

Os subúrbios dos grandes centros abalam a República. Com a onda de violência urbana de outubro e novembro de 2005, a França redescobriu a existência dessas "margens", dessas "periferias", daquilo que por muito tempo os franceses se recusaram a chamar de "guetos".

Cinco meses depois do desencadeamento da "crise das periferias" - 10.000 veículos incendiados, centenas de edifícios públicos danificados e incontáveis enfrentamentos entre jovens e as forças da polícia - a emoção arrefeceu, o que torna possível uma reflexão mais apaziguada a respeito das falências e dos sucessos do modelo francês.

Tal era o objetivo do debate que "Le Monde" organizou na segunda-feira (20/03), no Teatro do Rond-Point, no 8º arrondissement (distrito) de Paris.

Esta crise ainda não acabou de "mexer" com a sociedade, mas o impacto no longo prazo sobre a opinião pública permanece, contudo, difícil de avaliar. O elemento o mais importante poderia ser o sentimento de "medo intenso" dos franceses, segundo constata Brice Teinturier, o diretor do departamento político e de opinião do instituto de pesquisas TNS-Sofres.

Este sentimento provoca, portanto, a tentação do recolhimento, do
isolamento: "Nós vivemos atualmente numa sociedade na qual, incontestavelmente, o senso do coletivo tende a definhar, a regredir. Um slogan tal como o de 'A França para todos' (lançado por Jacques Chirac durante a sua campanha para a eleição presidencial de 1995), por exemplo, teria cada vez menos chances de emplacar. Hoje, seria antes 'A França de cada um', com os seus grupos sociais vivendo cada vez mais separados uns dos outros", explica este especialista em opinião pública.

A sociedade francesa, mais individualista do que a nação americana, onde o patriotismo serve de cimento, vem se fragmentando. A escola não consegue reduzir as desigualdades. As discriminações no que diz respeito ao acesso à moradia ou ao emprego são consideráveis.

Como se surpreender, portanto, com o fato de que os jovens das periferias, situados em margem da margem, se revoltem, e que eles lancem mão da violência física contra a violência social que eles sofrem no cotidiano?

"Foi uma revolta social, uma 'jacquerie' [como eram chamadas as revoltas camponesas na Idade Média]", estima Claude Dilain, prefeito (Partido Socialista) de Clichy-sous-Bois (periferia leste de Paris), a respeito dos distúrbios de novembro. "Ao menos, agora, a sociedade francesa foi confrontada e vai parar com as suas hipocrisias em relação às periferias".

Uma sociedade que cultiva profundas desigualdades se caracteriza por ser instável, sob tensão. Louis Schweitzer, 63, o antigo patrão da Renault, hoje presidente da Alta Autoridade de luta contra as discriminações e em prol da igualdade (cuja sigla em francês é Halde), concorda com a constatação de Claude Dilain, um homem que atua no terreno.

"Enquanto houver injustiças, haverá desordem. Esta não é a única razão para combater a injustiça, mas a ordem passa pela justiça. Se aqueles que fizeram o esforço de tentar ir para frente esbarrarem em portas fechadas, eu não vejo de que maneira poderia não haver revoltas", explica Schweitzer.

Jacques Attali (62 anos, economista, escritor e alto funcionário, ex-conselheiro do presidente François Mitterrand) não tem medo de dizer as coisas mais cruamente ainda. "É preciso utilizar as palavras que convêm: hoje, os problemas dizem respeito aos negros e aos muçulmanos, ponto. Eu não acho que existe qualquer outra etnia cuja vida seja mais difícil que a dos negros e dos muçulmanos".

O antigo conselheiro especial de François Mitterrand (1916-1996) afirma que a representação muito reduzida dos negros e dos muçulmanos entre os deputados, os ministros, os prefeitos, os diretores da administração central parecerá "assustadora" dentro de alguns anos. Assim como nos parece hoje a ausência do direito de voto para as mulheres até 1945.

Na contracorrente do pessimismo ambiente, o sociólogo Dominique Wolton afirma enxergar uma prova de vitalidade na crise deste outono. "Existe uma cólera, uma revolta, uma indignação. É importante que as pessoas saibam dizer 'não'", insiste. Além disso, na "demanda por igualdade" da juventude francesa por meio da violência urbana e da recusa do contrato primeiro emprego (CPE), ele enxerga um alento. "Nós poderíamos ter uma situação em que uma parte da juventude apostaria na ruptura com a sociedade. Mas este não foi o caso: eles pedem para serem respeitados e querem um mínimo de justiça", estima Wolton.

Mas, uma vez que todas essas carências foram salientadas, o que fazer?
Paradoxalmente, é preciso, para começar, valorizar os sucessos das periferias, de modo a não reduzi-las a um status de vítima. "Os moradores desses bairros que ficaram meio esquecidos nos disseram: 'Nós não entendemos por que as pessoas só falam dos fracassos'", sublinha a filósofa Blandine Kriegel, presidente do Alto Conselho para a Integração (HCI), criado em 1989 e encarregado de elaborar análises e avaliações para o governo.

Por sua vez, Hinde Magada, 29, desenvolve um discurso similar. Conhecida por ser a única porta-voz direta dos "jovens das periferias", o que a levou a ser contemplada com o prêmio Talentos das cidades, atribuído pelo Senado, ela demonstra, por meio do seu itinerário de "filha de imigrantes", "de origem marroquina", "muçulmana", que é possível ser bem-sucedido.

Titular de um BTS (diploma de técnico superior) de comércio internacional, ela foi obrigada a trabalhar como faxineira e empregada doméstica, a trabalhar em usinas e num centro de atendimento por telefone até tornar-se secretária médica. Então, ela optou por fundar sua própria empresa, que emprega atualmente cinco assalariados. "Montei essa firma com uma amiga; juntas, nós pusemos nossas motivações em comum. E a motivação, é o que há de mais importante", explica Hinde Magada.

Jacques Attali sublinha que a diversidade constitui um recurso para o país. "As dificuldades de integração são sempre maiores quando não há crescimento, quando há uma sociedade que fica enfezada, que vai envelhecendo, que fica olhando para si mesma. Numa situação como essa, as vagas são raras e, portanto, cada indivíduo se protege, se fechando, se trancando e proibindo aos outros de virem", reconhece.

Mas ele defende uma atitude totalmente oposta: considerar as minorias como uma riqueza essencial dentro de um contexto de globalização. "Então, tudo se torna possível", garante o economista. Ele também diz torcer para o surgimento de um Bill Gates à francesa, vindo da periferia. "A França morrerá, desaparecerá como nação caso nós não soubermos tirar proveito deste potencial formidável", acrescenta Attali.

Evidentemente, uma atitude "positiva", um discurso de valorização das periferias não serão suficientes. Ainda é necessário empenhar meios, uma política de apoio econômico, social, educativo. Mas duas lógicas estão confrontadas, entre os que preconizam uma ruptura com a abordagem republicana tradicional e aqueles que defendem esta última. Assim, Patrick Lozès, o presidente do Conselho representativo das associações negras (Cran), denuncia a tendência a tratar a realidade por meio de eufemismos e a abrigar-se por trás dos "biombos da República".

Por sua vez, Jacques Attali se refere a "medidas radicais", tais como a instauração de uma "discriminação positiva provisória", medida esta que marcaria um "fracasso", mas que ele considera hoje indispensável.

No campo oposto, Bariza Khiari, uma senadora (Partido Socialista) de Paris, e a filósofa Blandine Kriegel defendem as "ferramentas da igualdade republicana". Esta última defende as virtudes da ação empreendida por Jacques Chirac, junto ao qual ela é encarregada de missão, uma ação que inclui a instalação da Halde, a fundação de um museu da imigração, e diversas experiências envolvendo o currículo anônimo. "Na França, o problema não é a lei, e sim a maneira com que ela é aplicada", resume.

O trabalho por ser feito permanece imenso. "Eu ouvi muitos comentários sobre a integração, sobre o sacrossanto debate a respeito da discriminação positiva, mas isso me parecer ser completamente defasado em relação ao que vivenciam os moradores dos bairros suburbanos", conclui, despeitado, o prefeito "de terreno" Claude Dilain.

O eleito cita um jovem da sua comuna: "Nós queremos ser filhos da República de maneira plena e completa, o que nós não queremos é sermos excluídos de maneira plena e completa". E ele lembra que, muito mais do que meios financeiros, os jovens querem respeito: "Eles anseiam por ser reconhecidos".

Por fim, Chenva Tieu, um administrador do Clube do século 21, promotor da diversidade social e étnica, se mostra mais severo ainda: "Os debates são uma coisa positiva, mas, enquanto isso, nada acontece".

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