segunda-feira, março 06, 2006

Livre do alcoolismo, o guitarrista Graham Coxon revela imperfeições em disco a ser lançado no dia 13 e nega volta ao grupo.

Ex-Blur confessa podres em álbum solo

ALEXIA LOUNDRAS
DO "INDEPENDENT"

"Preciso comprar queijo", diz Graham Coxon. Desligando o alarme de seu celular, o ex-guitarrista do Blur explica: "Tenho de colocar o alarme do telefone para me lembrar de fazer tudo. É estranho. Nas semanas em que estou com minha filha, Pepper, eu faço tudo certinho. Quando ela não está por aqui, não consigo fazer nada. Fico indisciplinado. O que eu menos sei fazer é cuidar de mim, por exemplo, comprar leite, ver se tem queijo em casa. Ontem à noite eu estava com vontade de comer queijo... É uma chatice".
Nas semanas alternadas em que Pepper, 6, fica com sua mãe, a geladeira de Coxon pode ficar à míngua, mas sua criatividade cresce e aparece. E, depois de ouvir seu novo álbum, "Love Travels at Illegal Speeds", que chega às lojas do Reino Unido no próximo dia 13, percebe-se que os prejuízos a seu estômago representam ganhos para sua música. Dois anos atrás, o músico lançou o excelente "Happiness in Magazines", seu primeiro álbum desde que deixou o Blur e fez um tratamento para superar o alcoolismo. O álbum, seu quinto trabalho solo, lhe valeu elogios da crítica e um prêmio de melhor artista solo. São conquistas que ajudaram a desmentir os falsos rumores sobre uma volta com seus ex-colegas de banda. Agora, "Love Travels at Illegal Speeds" vai reforçar ainda mais a reputação de Graham Coxon como artista solo.
O guitarrista afirma que é assediado constantemente por fãs do Blur que querem que ele volte para a banda, mas insiste que isso não irá acontecer. "Se a Crosse & Blackwell parasse de produzir picles, eu também me irritaria. Mas você é obrigado a aceitar."
Coxon dá uma risadinha. Existe uma leveza nele hoje que não estava presente quando nos encontramos pela última vez, há quase dois anos. Curtindo os últimos dois vícios que lhe restaram -café e cigarros-, ele parece estar muito mais coerente e feliz. Ele ainda exala uma vulnerabilidade infantil, e manter contato direto com seu interlocutor, olho a olho, ainda parece ser algo que ele prefere evitar. Mas, com um sorriso satisfeito nos lábios, ele parece tranqüilo, até mesmo confiante. "Acho que já percebi que sou mais ou menos bom naquilo que faço", admite, um pouco envergonhado, antes de se retrair.
Coxon está curtindo essa sensação nova e tem todo o direito de sentir esse orgulho. "Love Travels at Illegal Speeds" é um triunfo em matéria de álbuns, algo que retoma o fio da meada onde seu antecessor inovador a deixou.
Com o ex-produtor do Blur Stephen Street novamente no leme ("ele me mantém focado", diz), o novo álbum fervilha com todo o abandono descuidado, movido a chiclete, das influências de sua infância. "Eu quis fazer um disco como o som dos Buzzcocks, The Jam e Sham 69, os discos que me emocionavam quando eu era garoto", comenta. Como sempre, os refrões de alto calibre que são sua marca registrada e sua energia pop-punk são vibrantes. Mas, agora, reforçado por sua autoconfiança recém-descoberta, o dom instintivo de Coxon de criar melodias contagiantes parece ter se aguçado ainda mais.
"Não sei de onde elas vêm", diz. "Porque neste momento não me vem melodia nenhuma à cabeça. Quando ouço o disco, não consigo acreditar que é algo que eu mesmo fiz. As canções e melodias estão melhores. Acho que me encontrei um pouco neste álbum."
"Love Travels at Illegal Speeds" representa um passo à frente para Coxon, tanto em termos de som quanto, mais importante ainda, de sua própria autopercepção. Em algum momento do processo de fazer o álbum, ele passou a aceitar melhor suas próprias manias e bizarrices. "Jamais vou mentir e dizer que me sinto totalmente à vontade com minha música, mas, pelo menos, estou perdendo um pouco da vergonha de minha voz. Parece que cheguei a um lugar no qual consigo cantar e ser eu mesmo. Pode parecer meio besta dizê-lo, mas às vezes as imperfeições podem também ser nossos pontos fortes."
"Este álbum é um pouco como ficar nu diante de outras pessoas", explica. "Sempre gostei de discos muito pessoais -tão pessoais que fazem você recuar, ficar sem jeito. E acho que este álbum tem algumas partes que justificam um recuo." "Love Travels at Illegal Speeds" é um trabalho espantosamente revelador, que mostra Coxon com todas as suas imperfeições. "É sobre ter relacionamentos, desejos. Há algumas partes em que me mostro sob uma ótica não muito maravilhosa."
As canções confessionais de Coxon são tão espantosamente francas que ouvi-las às vezes faz você sentir como se estivesse folheando um diário roubado. Esse desejo de purgar seus podres nasceu das sessões de terapia que Coxon fez depois de superar sua dependência, quatro anos atrás. "Quando você está em processo de superar uma dependência do álcool, é obrigado a se examinar sem medo", diz. "Isso faz parte do processo de se conscientizar de suas desordens, seus defeitos e imperfeições. Eu quis me desafiar."
Depois de passar 15 anos escondido sob uma névoa embriagada, Coxon admite que ainda está tendo de se acostumar à novidade de levar seus relacionamentos adiante, estando sóbrio. Mas, embora explorar seus sentimentos em suas canções venha ajudando a compreendê-los, ele afirma com toda certeza que as pessoas interpretam seu álbum com uma pitada de ceticismo. "Acho que, se minha vida, neste momento, fosse realmente como o álbum, eu teria de tomar alguma medida seriamente drástica, mudar para o campo e começar a criar porcos, porque não seria possível continuar a viver assim. Tive de escavar muitas experiências antigas para criar essas canções."
Ele nunca lamentou a decisão de levar sua vida sem álcool e sem o Blur: "Foram decisões difíceis, mas percebi que minhas prioridades estavam todas erradas e que eu não conseguiria conviver comigo mesmo se desconfiasse que estava sendo um mau pai".
"Eu adoraria me apaixonar por alguém, mas antes terei de remover uma espécie de bloqueio de minha cabeça." Encontrar um novo amor é apenas uma das coisas que Coxon tem em sua lista. Ele quer aprender como funcionam suas motos, a fazer sapatos e a cuidar de um paiol. Mas, além de comprar queijo -que é sua prioridade-, ele não está com pressa. "Sabe o que eu realmente gostaria de fazer este ano?", pergunta. "Me divertir."

Tradução Clara Allain

Nenhum comentário: