Mission Of Burma, grupo que influenciou R.E.M. e Moby, estréia ao vivo no Brasil
PEDRO CARVALHO
UOL Música
A maior parte do público do festival Campari Rock, que acontece no dia 8/4, em Atibaia, talvez nunca tenha ouvido falar do Mission Of Burma, mas muitos de seus ídolos certamente ouviram: artistas do calibre de R.E.M., Sugar, Moby e Soul Asylum já gravaram músicas dessa influente banda norte-americana.
Na rasteira da explosão punk dos anos 70, o Mission Of Burma começou suas atividades em 1979, em Boston, cidade conhecida na época pelo hard rock do Aerosmith e a new wave dos Cars. Mas a banda estava a anos luz de distância de ambos: "num cenário como aquele, você podia até nos odiar, mas era impossível nos ignorar", disse o baterista Peter Prescott em entrevista ao UOL Música.
Com sua mistura ousada de tempos inusitados e dissonâncias, carregada de influência do pós-punk inglês e tendo como lema a máxima punk do "faça você mesmo", o grupo acabou se tornando, junto com bandas como Dead Kennedys, Husker Du, Black Flag, Minutemen e Sonic Youth um dos grandes ícones da legendária cena independente norte-americana do início dos anos 80.
A curta obra (apenas um álbum de estúdio, dois singles e um EP) foi pioneira na combinação entre lirismo e brutalidade que viria a ser a fórmula básica do chamado "rock alternativo" da década seguinte. Ou, nas palavras de Prescott, "só tocar alto e botar para quebrar era um pouco chato, assim como era chato ser apenas 'artista' o tempo todo".
Até que em 1983, de tanto "botar para quebrar" em volumes ensurdecedores, o guitarrista e vocalista Roger Miller desenvolveu um caso grave de tinitus (problema auditivo sem cura cujo portador ouve um zumbido constante). Com Miller impedido de tocar música alta por período indeterminado, a banda preferiu encerrar suas atividades.
Em 2002, com o problema do guitarrista sob controle, o Mission Of Burma resolveu fazer uma série de shows de reunião, com os ouvidos do guitarrista tapados por protetores para tiro ao alvo. O clamor por parte de público e crítica foi tamanho que a volta foi permanente. Em 2004, lançaram um novo álbum, "OnoffOn", que não deve nada ao material de 20 anos antes.
Leia abaixo a entrevista com o baterista Peter Prescott.
UOL - Por quê vocês decidiram voltar após quase 20 anos?
Peter Prescott - Nós voltamos por muitos motivos. Sempre tivemos total certeza de que nunca faríamos isso, até que algumas coisas nos fizeram mudar de idéia. Acho que uma delas foi que um cara chamado Michael Azerrad escreveu um livro chamado "Our Band Could Be Your Life" ("Nossa Banda Poderia Ser Sua Vida", em tradução livre) que tem um capítulo sobre nós. O simples fato de que alguém ainda se importava conosco nos fez pensar um pouco melhor no assunto. Até que num show da banda em que eu tocava em 2001, o Peer Group, quando nós abrimos para o Wire, convidei o Clint (Conley, baixista) para fazer uma participação. E houve esta combinação de ver o Wire e ver o Clint no palco, além do Roger ter aparecido e tocado trompete conosco. Depois disso, marcamos alguns shows. Eles deram tão certo que, quatro anos depois, nós estamos aqui!
UOL - Quais são as expectativas para o show do Campari Rock?
Prescott - O que quer que aconteça, o show será divertido. Não temos idéia do que nos aguarda. Esperamos que as pessoas gostem, porque já fizemos muito shows em que as pessoas pareciam não estar gostando, mesmo com a gente tocando bem. Então mesmo que ninguém goste, isso não vai nos parar, vamos seguir tocando e ver o que acontece!
UOL - Como você compara os últimos shows do Mission of Burma em 1983 com os shows de reunião? E por quê a banda acabou da primeira vez?
Prescott - Nos anos 80, nós éramos moleques, éramos jovens. Acho que havíamos chegado num ponto em que nos sentíamos bem em acabar e certamente não nos odiávamos. Gostávamos bastante uns dos outros, mas concluímos que, por várias razões, não dava mais para continuar. E a maior dessas razões foi o problema de audição do Roger. Ele aprendeu a lidar muito melhor com isso agora.
A maior diferença é que nós ficamos boquiabertos em saber que havia alguém que ainda se importava conosco e que ia nos ver. As pessoas estavam se importando muito mais do que na primeira vez!
UOL - No começo da carreira, suas maiores influências foram bandas consideradas cult, como Wire, Television e Pere Ubu, pouco conhecidas do grande público, mas que influenciaram enormemente outras bandas. Na sua opinião o Mission Of Burma também se tornou uma banda como essas?
Prescott - Eu não sei quem nós influenciamos e vou ver sincero: ouço muita música nova (e velha também) e não vejo muitas bandas que soam como nós. Se ser uma banda cult significa não vender muito, acho que sim, nós somos uma banda cult! (risos).
UOL - E as bandas famosas que gravaram músicas suas, como Moby e R.E.M.?
Prescott - Foi ótimo. Vemos isso da seguinte maneira: nunca tivemos nenhuma ilusão que a música que tocávamos na época, assim como a que tocamos hoje, pudesse ser considerada comercial. E o fato de que alguém pudesse se identificar com o que estávamos fazendo já nos deixava feliz. Nós éramos muito egoístas na maneira como fazíamos música. E ainda somos, fazemos ela para nós. Então se mais alguém gosta, é apenas a "cereja do bolo". E se por acaso é alguém famoso que nos apresente a outro público, melhor ainda.
UOL - Quando a banda começou, em 1979, Boston era uma cidade associada ao hard rock, famosa como a terra natal do Aerosmith. Como foi começar uma banda tão diferente disso nestas circunstâncias?
Prescott - Nós nunca tivemos nenhuma ilusão de que iríamos chegar em algum lugar. Nos sentíamos tão desconectados da música feita pelos outros em geral que acabava não fazendo muita diferença.
Talvez, quem sabe, isso tenha feito a banda se destacar por aqui, porque não havia mais nada como nós. De certo modo pode ter sido algo bom: você podia nos odiar, mas não dava para nos ignorar!
UOL - Já no começo dos anos 80, quando Boston era mais associada ao cenário punk hardcore, vocês nunca se importaram a dividir o palco com bandas integrantes do estilo. Como vocês se sentiam em relação ao hardcore?
Prescott - Bem, por mais que nós amemos experimentar, por mais que gostemos de abstração e de confundir as pessoas, nós também sempre amamos a intensidade. Nunca quisemos ser "nariz empinado", nunca quisemos ser artistas metidos e espertalhões. Queríamos descer a porrada!
Por mais que parecesse que não tínhamos com que nos identificar no hardcore, acabava rolando essa conexão. Cerca de um ano antes dessas bandas aparecerem em Boston, nós fomos ao sul e ouvimos o primeiro single do Minor Threat e aquilo nos fez subir pelas paredes! Também tocamos com o Black Flag e as duas bandas nos impressionaram muito, porque era simplesmente tão intenso. E isso sempre nos agradou. Nós sempre amamos o hardcore.
UOL - Nos seus discos este lado hardcore sempre conviveu bem com o lado mais calmo e experimental. Continuará assim no disco novo ("The Obliteratti", que será lançado em maio nos EUA)?
Prescott - Nossos discos nunca são muito monocromáticos. Muitos dos meus discos favoritos, de bandas como Buzzcocks e Big Black, muitas vezes soam como uma única música grande. Acho que nunca fizemos isso, apesar de gostar da idéia.
Nós fazemos os discos mais ou menos como uma colcha de retalhos maluca, temos de costurar um pedaço no outro. Claro que algumas pessoas vão preferir as músicas mais porrada e outras vão gostar mais das mais calmas. Mas acho que esta idéia ainda está lá, esse lance de jogar tudo no liquidificador e ver o que sai. Este ainda é um modus operandi confortável para nós.
UOL - Você diria que com tanta influência do pós-punk britânico o Mission Of Burma era "inglês demais" para os Estados Unidos dos anos 80? O que vocês mais ouviam no começo da banda?
Prescott - Acho que um pouco. Sempre fomos meio anglófilos, sempre apreciamos algo que tivesse uma cara mais exótica, diferente do lance americano "de raiz". Mas isso também não seria totalmente acurado, porque bandas como o MC5 e os Stooges foram tão importantes para nós quanto os Swell Maps e o Wire.
Também ouvíamos coisas como Sun Ra, Can, Neu!, jogávamos muitos ingredientes no liquidificador e alguns eram americanos enquanto outros não eram.
UOL - E de música brasileira, você gosta?
Prescott - Eu gosto de música brasileira, mas provavelmente o lado mais tradicional da coisa, Astrud Gilberto, samba, essas coisas. Eu não conheço muita coisa atual e de rock
UOL - Alguma mensagem final para sua pequena, mas fiel, legião de fãs brasileiros?
Prescott - Fico feliz em saber que exista gente que gosta da gente por aí. Espero que as pessoas tenham as mentes abertas e que nós possamos destruir estas mentes! (Risos).
sexta-feira, março 10, 2006
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