terça-feira, dezembro 26, 2006

Frank Stanton, pioneiro da radiodifusão, morre aos 98 anos

"O chefe do departamento legal era uma das pessoas mais corretas e justas que conheci. Quando ele disse que aquele era o caminho a seguir, nós o seguimos", afirmou, sobre a lista negra da CBS sob o macarthismo


Holcomb B. Noble
The New York Times

Frank Stanton, uma figura central no desenvolvimento das transmissões de televisão nos Estados Unidos e o porta-voz mais articulado e persuasivo do setor durante suas quase três décadas como presidente da CBS, morreu na madrugada em sua casa em Boston, disse Winifred Williams, sua assistente de longa data, na segunda-feira.

Ele tinha 98 anos e enfrentava problemas de saúde, ela disse.



Stanton foi o braço direito de William S. Paley, o lendário magnata que construiu o império da Columbia Broadcasting System a partir de um punhado de emissoras de rádio em dificuldades, em 1928.

De 1946 a 1973, os dois homens formaram aquela que provavelmente foi a maior equipe na história da radiodifusão, tornando a CBS, por algum tempo, a mais poderosa empresa de comunicações do mundo, assim como a de maior prestígio.

Foi sob Stanton e Paley que a CBS, misturando programação de entretenimento com jornalismo de alta qualidade e pitadas de alta cultura, ganhou sua reputação de "Rede Tiffany".

Atuando tanto como um brilhante construtor de corporação quanto como um executivo de mentalidade tecnológica, Stanton - todos o chamavam de "doutor" - teve um papel central na ascensão da CBS. Ele o fez apesar de um relacionamento com Paley freqüentemente estremecido e objeto de perplexidade para aqueles ao redor deles.

Em sua biografia de Paley de 1990, "In All His Glory", Sally Bedell Smith escreveu: "Em temperamento, os dois homens eram opostos: Paley, o homem de charme ilimitado, superficialmente caloroso, mas basicamente impiedoso e ensimesmado; Stanton, um suíço reservado cuja sagacidade nos negócios, decência e humor moderado o tornava querido pelos colegas."

"Paley tinha uma curiosidade inquieta, facilmente saciável, enquanto Stanton sondava mais profundamente e era interessado em uma maior variedade de assuntos", continuou Smith. "Paley agia de acordo com os instintos; Stanton de acordo com o cérebro. Paley podia ser desorganizado e imprevisível. Stanton era disciplinado e sistemático. Mas o relacionamento deles funcionava - em grande parte devido à paciência e diligência de Stanton."

Stanton não se sentia à vontade no glamouroso turbilhão social que Paley dominava. Os dois homens não socializavam. Smith escreveu que Paley se ressentia da recusa de Stanton de convidá-lo à sua casa, chamando seu associado de "um homem frio e fechado".

Stanton era admirado por políticos, empresários e demais radiodifusores como um executivo com princípios e altas aspirações. O setor freqüentemente se voltava a ele para que liderasse batalhas contra o envolvimento do governo na programação de rádio e televisão.

Armado com estatísticas e um conhecimento enciclopédico sobre seu assunto, Stanton aparecia perante o Congresso ou falava com o presidente ou membro do Congresso ao telefone, defendendo de forma graciosa e persuasiva a posição do setor, geralmente com sucesso.

Durante os primórdios da televisão, quando Paley se agarrava à idéia de que o rádio continuaria sendo o meio principal da CBS, Stanton percebeu que a prosperidade da empresa dependeria da televisão e da diversificação em áreas como o disco long-play, o LP, cujo crescimento ele guiou após seu desenvolvimento por Peter Goldmark.

Em 1946, Stanton se tornou o "homem do futuro" da CBS, traçando seu crescimento às vezes doloroso como rede de televisão. Sua visão era clara sobre em que direção o meio devia seguir.

"A televisão, como o rádio", disse Stanton em 1948, "deve ser um meio para a maioria dos americanos, não para quaisquer grupos pequenos ou especiais; portanto, sua programação deve ter um padrão de acordo com o que a audiência majoritária gosta e deseja".

Frank Nicholas Stanton nasceu em 20 de março de 1908, em Muskegon, Michigan, o mais velho de dois filhos de Frank Cooper Stanton, um professor de mecânica e marcenaria, e de Helen Schmidt. Após a mudança de sua família para Dayton, Ohio, quando ele era garoto, Frank aprendeu eletrônica na bancada de seu pai.

O jovem Frank se especializou em zoologia e psicologia na Universidade Wesleyana de Ohio, formando-se em 1930 e visando a tornar-se um médico. Mas achando a faculdade de medicina cara demais, ele aceitou uma bolsa para estudar psicologia pela Estadual de Ohio, onde se formou em 1932. Um ano antes, ele se casou com Ruth Stephenson, que conheceu na escola dominical quando ambos tinham 14 anos.

Enquanto buscava um doutorado, estudando formas de medir a audiência de massa do rádio, ele inventou um precursor do audímetro da Nielsen. O aparelho podia ser instalado dentro de um aparelho de rádio para registrar que programas os ouvintes estavam sintonizando. Paul Kersten, um executivo da CBS, ficou tão impressionado com o projeto que acabou oferecendo um emprego de US$ 55 por semana para Stanton em seu departamento de pesquisa, composto de dois homens. Um dia depois de receber seu doutorado, em 1935, Stanton e sua esposa subiram em seu Ford Modelo A e seguiram para Nova York.

A pesquisa de Stanton dos hábitos dos ouvintes de rádio era tão sofisticada que a CBS começou a usá-la para atrair anunciantes e segmentos da audiência, para selecionar programas e determinar seu conteúdo, assim como para persuadir executivos de rádio a trocar suas afiliadas da NBC para a CBS.

Em 1938, Stanton tornou-se diretor de pesquisa da CBS com cem funcionários. Juntamente com o cientista social Paul Lazarsfeld, ele inventou um dispositivo chamado analisador de programa. Ele permitia à CBS monitorar simultaneamente as respostas de cem ouvintes a um programa de rádio específico, medindo o que gostavam e o que não gostavam. A CBS usou o analisador por meio século.

Notando que uma emissora da CBS podia melhorar sua audiência transmitindo programas semelhantes um após o outro, Stanton persuadiu a rede a adotar a prática. A programação em bloco acabou se tornando norma no setor.

Stanton permaneceu na rede durante a Segunda Guerra Mundial ao mesmo tempo em que servia como consultor do secretário de Guerra, do Escritório de Informação de Guerra e do Escritório de Fatos e Números. Em 1945 ele se tornou vice-presidente e gerente-geral da CBS.

A presidência da rede lhe foi oferecidda com o retorno de William Paley da Europa, onde serviu como coronel do Exército no Escritório de Informação de Guerra. A primeira opção de Paley para o cargo, Kersten, recusou, citando problemas de saúde, mas recomendou Stanton, que foi convidado por Paley à sua propriedade em Long Island. Após o jantar, eles deram uma caminhada sob a chuva e Paley surpreendeu seu convidado ao dizer casualmente: "A propósito, Frank, eu quero que você comande a empresa". Paley lhe disse que queria se ver livre dos problemas cotidianos de dirigir a CBS.

Stanton estava considerando deixar a CBS para se tornar sócio em uma empresa de pesquisa de opinião com George Gallup e Elmo Roper, que acabaram se tornando gigantes no campo. Mas ele aceitou a oferta de Paley e, em 1946, tornou-se presidente da CBS aos 38 anos.

Como presidente, Stanton reorganizou a CBS em divisões diferentes para rádio, televisão e laboratórios. Programação e entretenimento eram domínio de Paley, apesar de Stanton ter sido responsável pela transferência do maior astro do rádio da CBS nos anos 40, Arthur Godfrey, para a televisão e por arriscar com um humorista com problemas de alcoolismo, Jackie Gleason. Um projeto de Stanton que foi aclamado pela crítica, o teleteatro "Playhouse 90", foi cancelado por Pailey quando sua audiência despencou.

"Eu acho que se houvesse algo que quisesse fazer na empresa e o propusesse, havia uma boa chance de ir em frente e fazê-lo", teria dito Stanton, segundo Smith.

Mas sua liberdade não era total. Uma pessoa que ele não podia controlar era Edward R. Murrow, o jornalista mais célebre da CBS. Murrow tinha laços estreitos com Paley e, para ressentimento de Stanton, repetidamente o contornava para discutir seus planos ou problemas diretamente com Paley.

Murrow considerava Stanton um analista de números que sabia pouco sobre telejornalismo, e tendia a culpar Stanton, e não Paley, quando o departamento executivo o atrapalhava.

Quando o aclamado programa semanal de Murrow, "See it Now", começou a perder patrocinadores, Paley interveio e, sem objeção de Stanton, reduziu o programa para entre 8 e 10 exibições por ano antes de tirá-lo do ar em 1958.

O enfraquecimento de Murrow pareceu apenas elevar a posição de Stanton como uma força a ser considerada na CBS News.

Como presidente da rede, Stanton concentrava-se atentamente na poderosa divisão de jornalismo. Ele criou um conselho executivo de revisão para manter uma política para a separação da editorialização e das políticas para notícias. Ele combinou os departamentos de notícias e assuntos públicos. Ele aumentou o orçamento do departamento de notícias e no final prolongou o noticiário noturno de 15 para 30 minutos. Ele criou o programa semanal de notícias investigativas e documentários "CBS Reports".

Em agosto de 1958, a rede mergulhou em um escândalo após um participante do altamente popular "The $64,000 Question" revelar que ele e outros recebiam as respostas. Investigações policiais e parlamentares foram abertas.

Promovendo sua própria investigação (sem consultar Paley, que estava na Espanha), Stanton pressionou o executivo responsável pelo programa a pedir demissão e cancelou os demais programas de perguntas e respostas da emissora.

Stanton via a diversificação como necessária para o crescimento da CBS. Sob seu comando, a rede começou a adquirir empresas, a publicar revistas e livros, produzir espetáculos na Broadway, incluindo o grande sucesso "My Fair Lady", e comprou o time de beisebol do New York Yankees (a performance dos Yankees não foi boa sob o comando da CBS e a equipe foi vendida para um grupo de investidores liderado por George Steinbrenner).

Stanton supervisionou o desenvolvimento do símbolo mais famoso da rede, o olho da CBS, desenhado por William Golden. E foi o principal responsável por conduzir à criação da sede da CBS, o arranha-céu de Manhattan conhecido como "Black Rock". Stanton persuadiu Paley a comprar o terreno, na 6ª Avenida com a Rua 52, escolheu Eero Saarinen como arquiteto e lutou com Paley em prol do austero desenho estilo internacional de Saarinen, com seu exterior preto.

Paley queria que o prédio fosse cor-de-rosa (quando Saarinen morreu, seu designer chefe, Kevin Roche, concluiu o prédio, que foi inaugurado com aclamação em 1964).

Quando lidava com o governo, Stanton podia contar com uma longa lista de amigos poderosos em Washington, incluindo Harry S. Truman e Lyndon B. Johnson. Mas, apesar da influência, ele e Paley, como outros radiodifusores, não resistiram às caçadas anticomunistas do final dos anos 40 e início dos 50.

Em 1950, para tranqüilizar anunciantes e grupos de pressão, Stanton aprovou a exigência de que os funcionários da CBS fizessem um voto de lealdade aos Estados Unidos. No ano seguinte, com aprovação de Paley, Stanton criou um escritório de segurança composto por ex-agentes do FBI para investigar as inclinações políticas de seus funcionários. Redatores, diretores e outros freqüentemente eram colocados em listas negras, com aprovação da CBS.

Em 1999, quando a divisão de Nova York da Academia Nacional de Artes e Ciências da Televisão concedeu-lhe um prêmio por seus esforços em prol da Primeira Emenda, Stanton disse que a lista negra foi necessária para afastar a pressão de anunciantes e afiliadas que ameaçavam abandonar a CBS e possivelmente seu fechamento. Mas ele reconheceu que a resposta da rede à pressão pode não ter sido a melhor.

"Eu não tive a sabedoria, nem ninguém mais", disse Stanton. "O chefe do departamento legal era uma das pessoas mais corretas e justas que conheci. Quando ele disse que aquele era o caminho a seguir, nós o seguimos."

Com a proximidade da eleição presidencial de 1960, Stanton persuadiu o Congresso a suspender o artigo de "tempo igual" na Lei Federal de Comunicações. Isto possibilitou às emissoras a transmissão dos debates entre o candidato democrata, John F. Kennedy, e seu adversário republicano, o vice-presidente Richard M. Nixon, sem a inclusão dos candidatos dos partidos pequenos. Os debates sinalizaram a chegada da televisão como força dominante na política presidencial.

Stanton suportou grande parte das críticas quando Washington fez objeção à cobertura da guerra do Vietnã pela CBS, apesar de ter negado a história contada com freqüência de que o presidente Johnson telefonou para a casa dele para xingá-lo pela exibição da reportagem de Morley Safer, que mostrava marines incendiando cabanas de camponeses em Cam Ne.

Em 1971, Stanton foi ameaçado de prisão por sua defesa da divisão de jornalismo. A CBS exibiu uma reportagem investigativa de uma hora chamada "A venda do Pentágono", sobre uma campanha de US$ 30 milhões do Departamento de Defesa para melhorar sua imagem, e o Comitê de Comércio Interestadual e Internacional da Câmara exigiu que material que foi cortado do programa lhe fosse entregue. Ele queria ver se a CBS foi tendenciosa ao deliberadamente não usar material que poderia ter sido favorável ao Pentágono.

Ao receber a intimação em seu escritório para obtenção do material, Stanton recusou-se a cumpri-la e foi convocado perante o comitê. Ele argumentou que o comitê estava violando os direitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa segundo a Primeira Emenda.

"Se jornalistas forem informados que suas anotações, filmes e fitas estarão sujeitos a análise compulsória para que o governo determine se as notícias foram satisfatoriamente editadas", ele disse, "o alcance, natureza e vigor de suas reportagens estarão inevitavelmente reduzidos".

O comitê votou por citá-lo por desacato. Mas após um debate acalorado no plenário, a Câmara rejeitou a citação do comitê.

Quando o governo Nixon começou a atacar as emissoras por sua cobertura da guerra, geralmente era Stanton quem respondia. "Stanton era a porta corta-fogo entre a presidência e os repórteres que cobriam a Casa Branca", disse Robert Pierpoint, um ex-correspondente da CBS na Casa Branca.

Por anos como presidente, Stanton acreditava que seria promovido como executivo-chefe da CBS -quando Paley atingiu a idade de 65 anos em 1966.

Afinal, Paley tinha lhe prometido. De fato, Stanton estava tão convencido que rejeitou a oportunidade de se tornar reitor da Universidade das Califórnia e recusou as ofertas do presidente Johnson para torná-lo secretário da Saúde, Educação e Bem-Estar Social ou subsecretário de Estado.

Mas Paley recuou de sua promessa e permaneceu como executivo-chefe além de sua idade de aposentadoria, e o relacionamento entre os dois nunca mais foi o mesmo. Em 1967, Stanton assinou um novo contrato, que exigia sua renúncia como presidente em 1971 para se tornar vice-presidente e permanecer no cargo até sua aposentadoria, aos 65 anos, em 1973.

Após sua aposentadoria, Stanton foi presidente e diretor operacional chefe da Cruz Vermelha Nacional Americana por seis anos. Ele serviu nos conselhos diretores da Fundação Rockefeller, da Instituição Carnegie, Instituto de Pesquisa de Stanford e do Lincoln Center. Ele também foi o primeiro não formado em Harvard no século 20 a servir no conselho da Universidade de Harvard, e passou grande parte do restante de sua vida em Cambridge, Massachusetts, trabalhando em projetos para Harvard. Ele foi membro do conselho diretor da CBS até atingir a idade de aposentadoria em 1978, e então se tornou um consultor com alto salário até 1987, apesar de raramente ser consultado.

Apesar de todas suas realizações como arquiteto da CBS, Stanton deixou a rede desiludido, decepcionado e com pesar, afirmando que ela era "apenas outra empresa com carpetes sujos".

Quando se aposentou em 1973, ele deixou Black Rock discretamente, recusando-se a permitir que Paley lhe desse uma festa. Sua palavras de despedida foram citadas por Lillian Ross na revista "The New Yorker": "Eu acho que chegarei em casa a tempo do noticiário das sete".

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