sexta-feira, janeiro 04, 2008

Brasil deve priorizar acordos comerciais com grandes potências, avalia ex-embaixador

da Redação

Política externa brasileira. Como foi a atuação do Brasil no setor externo em 2007? O que podemos esperar em 2008? O UOL News convidou o ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington e atual presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Rubens Barbosa, para falar do assunto. Confira a seguir os principais tópicos da entrevista.

Governo Lula
Para Barbosa, este primeiro ano do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pela continuidade da política externa iniciada em 2003, quando o presidente foi eleito pela primeira vez. "Continuaram as prioridades das negociações comerciais, as relações com os países do sul, a questão do Conselho de Segurança, a prioridade na América do Sul, Mercosul, sem maiores novidades", diz.

Líder regional
Apesar da percepção externa ser de que o Brasil é um líder regional, na opinião de Barbosa, o governo brasileiro não tem agido neste sentido e tem evitado se envolver em disputas que envolvem os países da região. Para ele, a complexidade da região tem aumentado, mas o Brasil não tem se colocado em uma posição dinâmica e de dianteira nesses conflitos, como os que vêm acontecendo na Bolívia e na Venezuela. De acordo com ele, seriam problemas que afetam o Brasil, inclusive, já que o país estuda a entrada da Venezuela no Mercosul e novos investimentos da Petrobras na Bolívia. "São problemas que afetam diretamente o Brasil. E nós estamos tendo uma posição mais de boa vontade, de afinidade ideológica, do que efetivamente de defesa dos interesses econômicos e comerciais do Brasil", fala.

Venezuela no Mercosul
Barbosa defende a entrada da Venezuela no Mercosul como algo "positivo", mas acredita que falta uma postura mais técnica na hora de avaliar essa questão. Para ele, tem-se discutido muito os aspectos políticos dessa parceria, ao invés das questões econômicas que envolvem a entrada do país no bloco. O país não cumpriu os acordos para a entrada no bloco e isso é o que devia ser levado em conta na tomada de decisão, na opinião do ex-embaixador.

Bush no Brasil
Um dos pontos altos de 2007 foi a visita do presidente dos Estados Unidos George W. Bush à América Latina, em março. Para Barbosa, a passagem do americano pelo Brasil teve como objetivo tentar reforçar a liderança do presidente Lula na região e lançar uma agenda bilateral com país, que tem estado em segundo plano por causa de outras prioridades do governo brasileiro. Se os dois países ficaram mais próximos depois dessa visita, Barbosa diz: "Do ponto de vista das relações bilaterais, avançou pouco. Como não há prioridade da parte do governo brasileiro na relação com os países desenvolvidos, União Européia e Estados Unidos, a questão comercial, por exemplo, a cooperação energética não estão avançando como deveriam avançar".

Conselho de Segurança da ONU
Uma das maiores críticas feitas pelo ex-embaixador à atual política externa brasileira é o fato de o Brasil estar muito focado em conquistar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). Para ele, o país está mobilizando tempo e recursos em um assunto que não está em pauta no momento. A manutenção das tropas brasileiras no Haiti (renovada neste ano e que Barbosa considera um investimento caro para o pouco retorno político que oferece ao país) e as viagens à África tem por objetivo angariar apoio para a vaga no conselho, diz o Barbosa. Ele explica que as mudanças no conselho vem no bojo da reforma da ONU que depende de um consenso entre seus membros. Para ele, tentar fazer o assunto avançar, como tem feito o Brasil, não leva a nada. Ele acredita que o país tem condições de conquistar uma vaga no conselho, mas aposta que isso só deve sair depois do governo Lula.

Comércio internacional
Para Rubens Barbosa, o Brasil está focado em demasia em conseguir uma vaga no Conselho de Segurança na ONU e, com isso, tem deixado de lado questões importantes como acordos comerciais. Para ele, o Brasil tem perdido espaço no comércio internacional ao deixar de lado negociações bilaterais com as grandes potências como os Estados Unidos, um dos maiores exportadores do mundo - espaço que tem sido cada vez mais ocupado pela China. "Não podemos deixar para segundo plano os mercados mais dinâmicos, os maiores mercados do mundo", frisa.

Rodada de Doha
O ex-embaixador critica o fato de o Brasil ter colocado todas as suas fichas na Rodada de Doha e abandonado as demais negociações comerciais. De acordo com ele, nos últimos cinco anos o país não firmou nenhum acordo importante e o crescimento da balança comercial se deve somente ao bom momento da economia mundial e das commodities. Ele se revela cético quanto ao destravamento da Rodada de Doha em 2008, "não por questões técnicas, mas por questões políticas". A proximidade das eleições presidenciais nos Estados Unidos e recentes mudanças no cenário político europeu tornaram os países bastante protecionistas e pouco propensos a negociações. Na avaliação de Barbosa, a rodada só deve ser retomada em 2009, depois da saída de Bush e já no final do mandato de Lula.

Biocombustíveis

Neste ano, o presidente Lula fez diversas viagens com o intuito de promover os biocombustíveis brasileiros no exterior. Para o ex-embaixador, essa foi uma decisão acertada. "É a primeira vez que o Brasil está chegando na linha de frente de um combustível", diz. O grande problema dessa aposta é que a produção brasileira, assim como a dos Estados Unidos, o segundo maior produtor de etanol do mundo, está voltada para o mercado interno. "Sobra muito pouco para exportação", fala. Para ele, o Brasil deve unir esforços com os Estados Unidos, como já vem fazendo, para incentivar outros países a produzirem e consumirem o etanol, para que ele possa se tornar uma commoditie e ganhar mercado. Apostar na exportação não é uma boa alternativa, uma vez que o mercado é restrito e protegido, diz o ex-embaixador.

Banco do Sul

Barbosa classifica a ata de fundação do Banco do Sul, assinada em dezembro, como "uma coisa meio surrealista". Isso porque a ata que criou o banco não diz como ele funcionará, de onde virão os recursos, quais serão as regras de operação, etc. Ele diz que espera que o Brasil, que deve ser o maior contribuinte deste banco, garanta pelo menos a presidência da entidade, "senão ficará marginalizado".

Desafios
Para Rubens Barbosa, um dos maiores desafios do Brasil em 2008 será a reestruturação de sua estratégia comercial. Para ele, o país deve priorizar acordos com grandes potencias como forma de expandir suas exportações. Outro ponto alto será a relação do Brasil com os demais países de região, como Equador, Bolívia e Venezuela, que hoje vivem situações de instabilidade interna. As eleições no Paraguai devem ser outro assunto em pauta. Todos os candidatos tem algum tipo de reivindicações no sentido de modificar o tratado de Itaipu, hidrelétrica que responde por 25% da energia do centro-sul do país. O Mercosul, que está paralisado, também deve ser assunto ao longo do ano.

Nenhum comentário: