sexta-feira, abril 13, 2007

Cientista espanhol descobre a chave da metástase de câncer de pulmão

Quatro genes se coordenam para facilitar a disseminação de um tumor a partir da mama

Xavier Pujol Gebellí
em Barcelona


Para que surja uma metástase - a disseminação de um câncer -, uma célula tumoral deve realizar uma longa e perigosa viagem e fazê-lo em condições precisas para que sua missão final, a formação de um novo tumor em um órgão distante, tenha êxito. Essas condições, segundo os resultados de um estudo sobre o câncer de mama liderado por Joan Massagué, dependem da ativação anômala de alguns genes. Graças a eles formam-se novos capilares por onde a célula tumoral escapa do tumor primário e abre caminho até alcançar o pulmão.

A equipe do pesquisador espanhol Joan Massagué, diretor do programa de Biologia e Genética do Câncer no prestigioso Memorial Sloan-Kettering Cancer Center de Nova York e diretor-adjunto do Instituto de Pesquisa Biomédica de Barcelona, identificou até agora um pacote de 18 genes fortemente envolvidos no aparecimento de metástases. De todos eles, segundo seu novo trabalho, a ação conjunta de somente quatro provoca pelo menos dois fenômenos essenciais para que ocorram metástases. De um lado, a formação de novos vasos sanguíneos ao redor do próprio tumor, e de outro a perfuração dos pequenos capilares que proporcionam alimento e oxigênio para um determinado órgão. No estudo de Massagué, publicado hoje na revista "Nature", os órgãos afetados são as mamas e os pulmões.

Os quatro genes estudados dão lugar à formação de diversas proteínas bem conhecidas, descreveu ontem Massagué em entrevista por telefone. Trata-se da epirregulina, COX2 e de duas variantes de metaloproteases que a célula excreta em seu espaço externo. Dessas proteínas conhecia-se o envolvimento em processos inflamatórios e sua presença em processos tumorais, mas se ignorava o papel essencial que têm na disseminação de tumores e, ainda mais, que fosse necessária a atividade conjunta de todas elas. "É como uma caixa de ferramentas", explica Massagué. "Para fazer um buraco na parede é preciso uma ponta e um martelo, mas ambos devem ser usados conjuntamente."

A ação conjunta dessas quatro proteínas provoca, segundo se viu em experimentos realizados em 738 tumores de mama humanos induzidos em ratos, a formação de novos vasos sanguíneos ao redor do tumor, fenômeno conhecido como angiogênese. Graças a esses novos vasos, o tumor se alimenta de oxigênio e outros nutrientes, fator que favorece seu crescimento. Mas esses vasos apresentam uma espécie de imperfeição: são porosos. Através dos poros escapam células tumorais para a corrente sanguínea. "Sabíamos que para cada centímetro cúbico de um tumor agressivo [de tamanho semelhante a um grão-de-bico] podem chegar a escapar até um milhão de células malignas", explica Massagué. O que não se sabia era exatamente como nem quais eram os genes e proteínas envolvidos.

Também se sabia que, uma vez alcançada a corrente sanguínea, as células tumorais devem estar "suficientemente preparadas" para resistir à investida do sistema natural de defesa, e em certo momento sair do sistema circulatório para se aninhar em um órgão distante. O trabalho publicado pelo cientista explica como a célula maligna sai dos capilares que alimentam os pulmões e propõe chaves para entender sua resistência em um meio tão hostil como o sangue.

Novamente, é a ação conjunta das quatro proteínas que permite que uma célula cancerosa abra caminho entre as células que formam a parede de um minúsculo capilar. E o que se viu é que o fazem quase como resvalando entre as substâncias que cimentam as células do capilar.

Em outro trabalho, publicado na revista "PNAS", Massagué e cientistas de outras instituições e países exploram o papel de todo o grupo de 18 genes, que chamam de assinatura da metástase, no crescimento do tumor de mama e sua extensão aos pulmões.

No estudo desses 18 genes, dos quais o cientista espanhol prevê que "mais da metade poderia ter um papel relevante", participará o pesquisador Roger Gomis, atualmente membro do Laboratório de Metástase que o próprio Massagué promove no IRB de Barcelona. Gomis, junto com Cristina Nadal, participou do trabalho que se reflete no artigo publicado em "Nature".

Objetivo: anular o poder das células cancerosas

Noventa por cento das mortes atribuídas a um câncer se devem à sua disseminação para órgãos vitais como o pulmão, o osso, o fígado ou o cérebro. Esse processo, que pode durar de alguns meses até vários anos, dependendo da origem do tumor e de sua agressividade, provoca na Espanha a morte de quase 95 mil pessoas por ano para um total de 160 mil novos casos diagnosticados no mesmo período, segundo o Instituto Nacional de Epidemiologia.

No câncer de mama, a proporção varia enormemente em relação ao total. De 16 mil novos casos diagnosticados por ano, a mortalidade se reduz a 6 mil pessoas nesse período, número que tende a diminuir nos últimos anos. Hoje a sobrevivência global aos cinco anos de diagnóstico supera os 70%.

A melhora dos resultados para esta e outras formas de câncer depende em boa medida do êxito de programas de detecção precoce através de testes e da incorporação ao arsenal terapêutico de medicamentos que em vez de tentar a destruição da célula tumoral pretendem interferir na ação de genes cuja mutação determina que essa mesma célula adquira capacidades anômalas, entre outras, as de replicação ilimitada, invadir tecidos e provocar metástases ou produzir novos vasos sanguíneos para garantir sua sobrevivência. Cada uma dessas capacidades representa um conjunto de alvos terapêuticos sobre os quais estão sendo testados cerca de 500 produtos farmacêuticos.

A descoberta da equipe liderada por Massagué se inscreve nesta linha, pois esclarece o conhecimento dos mecanismos básicos que mediam nas metástases graças à identificação das proteínas que nela intervém. As substâncias capazes de combater a metástase, portanto, deveriam ser capazes de bloquear a ação dessas proteínas.

Uma entre milhões

Do processo de metástase costuma-se dizer que é muito pouco eficaz em termos biológicos. Para que uma única célula maligna provoque o aparecimento de um tumor em um órgão distante é preciso que a cada dia, no espaço de meses ou mesmo anos, escapem milhões de células do tumor original.

A grande maioria delas fracassa em sua tentativa assim que inicia o processo. Essencialmente, explica Massagué, porque incorporam mutações "tão aberrantes" que fazem que as células que escapam sejam "simplesmente inviáveis". As mutações que contêm poucas células, porém, favorecem uma viagem quase impossível na qual devem sobreviver na corrente sanguínea (foram detectadas células malignas que empregam as diferentes células do sangue como veículo de transporte), vencer os ataques do sistema imunológico, aderir e transpassar os capilares, adaptar-se a um novo meio (ossos, pulmões, fígado e cérebro são os mais temidos) e aí voltar a proliferar até formar um novo tumor. Todas essas ações ocorrem "muito provavelmente", segundo Massagué, graças à participação de meia centena de genes. Deles, somente 18 foram identificados como participantes no trajeto.

Outros 30 participam exclusivamente, ao que parece, do mecanismo de nidificação nos pulmões. Pelo que se está vendo, esses 30 genes reativariam parte do processo embrionário de modo que as células tumorais se comportariam como células-mães.

Duas substâncias no mercado

A descoberta de Joan Massagué, da qual participaram pesquisadores do Hospital Clínico e do Instituto de Pesquisa Biomédica, ambos em Barcelona, tem transcendência clínica de aplicação "quase imediata". A razão é a existência de duas substâncias, cetuximab e celecoxib, já disponíveis no mercado, cuja ação conjunta freia extraordinariamente o progresso da doença.

Em modelos animais, afirmou o cientista a este jornal, a atividade metastática se detém até ficara em 10% em relação à original. Para efeitos práticos, isso significa que se formam muito menos vasos sanguíneos no tumor original, e com isso recebe nutrientes abaixo de suas necessidades energéticas e as células tumorais parecem perder sua capacidade de atravessar os capilares.

Cetuximab é um anticorpo monoclonal que já é usado para combater as metástases de câncer colorretal, enquanto o celecoxib é um antiinflamatório cujo uso está sendo pesquisado em algumas formas de câncer.

Embora seu êxito terapêutico em separado esteja em discussão, presume-se que o uso conjunto dos dois poderia frear a progressão de metástases de câncer de mama para pulmão, segundo indicam as descobertas de Massagué. Para isso, ele indica, é necessário "desenhar estudos clínicos" que validem sua eficácia em forma de coquetel. Esses tipos de estudos, acrescenta, podem ser realizados "de imediato".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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