domingo, abril 01, 2007

Obra conta a origem do clássico de Miles Davis

Sai no Brasil o livro em que Ashley Kahn recupera a história de "Kind of Blue"

Pesquisa aborda o antes e o depois das gravações que reuniram, em 1959, Davis, Bill Evans, John Coltrane e Cannonball Adderley

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


No dia 2 de março de 1959, sete músicos entraram em uma velha igreja em Nova York transformada em estúdio sem saber exatamente o que fariam ali. O líder, Miles Davis, tinha algumas idéias, alguns temas, alguns acordes e pouco mais.
As instruções que deu aos outros músicos -entre eles Bill Evans, John Coltrane e Cannonball Adderley- não iam muito além de "sole dois chorus", segundos antes deles começarem a tocar.
Com exceção de uma faixa, tocada duas vezes, tudo foi registrado no primeiro take, de maneira espontânea. O resultado dessa gravação e outra, pouco mais de um mês depois, foi o disco "Kind of Blue", um dos álbuns mais vendidos e cultuados da história do jazz. E a história por trás das gravações -tudo que aconteceu antes e as suas conseqüências- é o tema do livro "Kind of Blue - A História da Obra-Prima de Miles Davis" (2000), de Ashley Kahn, agora lançado no Brasil. A Folha conversou com o autor.


FOLHA - Por que um livro sobre um disco?
ASHLEY KAHN - A maioria dos livros de jazz tenta dar tantos detalhes sobre a vida das pessoas, sobre estilos de vida, sobre um período, que quando você chega na página dez sua cabeça está girando com tantas informações. Eu pensei, em vez de fazer isso e dizer tanto, por que não focar em uma única coisa? Tentei enxergar melhor o mundo do jazz através de um detalhe. E que detalhe melhor para isso do que o disco que é a porta de entrada para o mundo do jazz para tantas pessoas?

FOLHA - Afinal, por que "Kind of Blue" é um disco tão adorado?
KAHN - É um disco muito acessível, de que qualquer um pode gostar facilmente, mesmo quem só se interessa por música clássica, heavy metal ou rock'n'roll. O som é emocional, romântico e profundo. É muito diferente de qualquer outro álbum de jazz. E muito diferente de qualquer outro álbum de qualquer outro estilo. É um disco tranqüilo, com o qual é fácil se envolver, que soa bem até aos ouvidos mais alienígenas ao jazz. As melodias são fáceis de cantarolar, têm a beleza do blues, de uma maneira fácil de entender. Era o álbum certo na hora certa.

FOLHA - Você diz no livro que Miles não ouvia seus próprios discos.

KAHN - Ele estava sempre mudando. Era um cara muito sortudo porque podia ser assim. Ele tinha um sucesso atrás do outro, e não são muitos os músicos que conseguem isso.

FOLHA - Por que isso acontecia?
KAHN - Acho que era uma combinação de fatores. O visual dele, seu som. Aquele som do trompete, com surdina, era o som do romance nos anos 50. Ele tinha uma identidade política e racial muito forte. Os negros americanos o viam como um ícone. Ele era o músico perfeito para criar um disco que todos poderiam amar. Ele era descolado, esperto, bonito. É um ótimo disco para impressionar seus vizinhos, seus amigos ou aquela garota que você está levando ao seu apartamento pela primeira vez.

FOLHA - Ele realmente tinha talento para criar tendências ou apenas as seguia na hora certa?
KAHN - Não acho que ele via as coisas dessa maneira. Ele só queria pensar na música e odiava tudo que estivesse no caminho, como o racismo. Acho que seu interesse em usar influências da música africana, clássica ou folclórica eram idéias intelectuais que refletiam uma curiosidade musical, que fazia os músicos se desafiarem e levar a música por novos caminhos. Era algo que surgia naturalmente e que está sempre presente quando se faz grande música. John Coltrane tinha isso.
Stravinski tinha isso, Thelonious Monk tinha isso, os Beatles tinham isso. E Miles Davis tinha isso. A mesma coisa que o fazia tentar essa experiência modal com Bill Evans era o que o fazia amar Hermeto Pascoal. Ele ouvia algo novo, algo que era diferente do que ele estava fazendo antes e que o fazia querer experimentar.

Nenhum comentário: