domingo, outubro 23, 2005

Avanço militar e econômico da China levanta discussão acerca da influência do país sobre resto do continente

Para EUA, nova Guerra Fria pode ser na Ásia

LAURENT ZECHINI
DO "LE MONDE"


A ameaça militar chinesa é um argumento que surge regularmente nos debates políticos e estratégicos norte-americanos e é mencionada pelo círculos neoconservadores e pela linha dura do Pentágono. Mas não só: a imprensa a analisa, os líderes do governo a invocam, e ela deu causa a diversas discussões e relatórios no Congresso dos EUA.
A idéia de que a próxima Guerra Fria bem pode acontecer na Ásia começa a ganhar vulto. Depois do fim da antiga União Soviética, nenhum país do mundo empreendeu um esforço tão coerente por parte de suas Forças Armadas e tampouco houve um país beneficiado por tamanho crescimento econômico. São os benefícios deste último que os dirigentes chineses vêm utilizando para modernizar um aparato militar ameaçado antes pela obsolescência.
E é essa ameaça difusa, mistura de poderio bélico e déficit comercial, que causa queixas dos norte-americanos. A concentração de mísseis chineses na Província de Fujian, diante de Taiwan, e o reforço da Marinha chinesa no oceano Índico são um desafio geoestratégico para Washington.
Os especialistas ocidentais em geral concordam que a China demorará muito a se tornar uma ameaça mundial aos EUA, mas se inquietam com certas declarações chinesas quanto ao uso preventivo de armas nucleares. Demonstram unanimidade, porém, ao considerar que a modernização das Forças Armadas e a natureza do material militar importado pelos chineses reflete a vontade do país de se opor a uma proclamação de independência por Taiwan -e igualmente a intenção de retardar a chegada de uma frota norte-americana em caso de crise.
Os EUA estão se preparando para todas as contingências, reforçando forças submarinas que mantêm no Pacífico, onde bombardeiros B-2 substituíram os B-52 na base aérea da ilha Guam.
A China já dispõe de 700 mísseis apontados contra Taiwan. Em 2010, seu estoque de mísseis balísticos chegará a 2.000. Uma avaliação completa do potencial bélico chinês é difícil de precisar, já que Pequim oculta seus esforços de defesa, sem que seja possível determinar se está tentando disfarçar seus pontos fortes ou fracos.
Oficialmente, o orçamento da defesa do país já aumentou em 12,6% neste ano, depois de 15 anos de altas anuais de, no mínimo, 10%, e atingiu os US$ 30,2 bilhões. Isso implica duplicação em prazo de cinco anos. Os números são enganosos: não incluem a aquisição de materiais estrangeiros, gastos com forças policiais paramilitares e verbas destinadas às forças balísticas e nucleares.
Segundo o relatório anual do Pentágono ao Congresso norte-americano, o setor de defesa chinês vai receber US$ 90 bilhões neste ano, o que deixa a China em terceiro lugar no mundo em termos de despesas militares, atrás dos EUA e da Rússia.
É possível que as análises do Pentágono sejam deformadas pelo lobby dos interesses industriais militares, que desejam justificar a aquisição de mais equipamento pelos EUA. Segundo relatório da Rand Corporation, organização especializada em pesquisas militares, os números de Pequim deveriam ser corrigidos por um fator de 1,4 a 1,7 apenas. O relatório, compilado a pedido da Força Aérea dos EUA, conclui que, em menos de 20 anos, o montante das despesas militares chinesas atingirá US$ 185 bilhões ao ano.
Os pesquisadores da organização, muito ligada ao Pentágono, reconhecem que suas projeções são aleatórias. Baseiam-se em crescimento econômico anual médio de 5% até 2025. Caso o ritmo atual de mais de 8% for mantido, e se as autoridades de Pequim mantiverem entre 3,5% e 5% a parcela do Produto Interno Bruto (PIB) chinês dedicada à defesa, os militares chineses poderiam dispor dentro de 20 anos de um orçamento anual da ordem de US$ 400 bilhões.
Mas se a China se modernizar e enriquecer rapidamente, a idade média de sua população se elevará e os dirigentes do país terão de destinar mais verbas aos serviços sociais. Em sua análise sobre a ameaça militar chinesa, os especialistas ocidentais concedem posição importante às considerações econômicas e de energia, que condicionam a estratégia de expansão de Pequim e possivelmente suas pretensões hegemônicas.
Em 2003, a China se tornou o segundo maior consumidor e terceiro maior importador mundial de petróleo. Pequim importa hoje 40% de seu petróleo, proporção que pode dobrar em 2025. A garantia das rotas de suprimento de energia se torna, portanto, um objetivo vital para os chineses. É essa preocupação que justifica a estratégia do "colar de pérolas".
A idéia é de ocupar posições estratégicas no cordão de ilhas que liga o país às fontes de petróleo no Oriente Médio. Em caso de conflito com Taiwan, os chineses sabem que os norte-americanos tentarão asfixiar seu país economicamente. Portanto, lhes parece essencial manter parcerias sólidas com os países situados no estreito de Málaca, por onde passam 80% das importações de petróleo dirigidas ao mar da China.
Os EUA, que, por muito tempo, encorajaram a decolagem econômica da China, hesitam a adotar o pior cenário como mais provável. Sabem que um confronto militar iria de encontro aos objetivos chineses de crescimento econômico.
O almirante Dennis Blair, antigo comandante das forças dos EUA no Pacífico, apontou os benefícios de uma política dupla sobre a China: ajudar o país a se afirmar como potência econômica responsável no seio da comunidade internacional e vigiar o crescimento de seu poderio bélico. Uma coisa é certa: as Forças Armadas chinesas despertaram.


Tradução de Paulo Migliacci

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