John M. Broder
Em Los Angeles
Os arquivos pessoais confidenciais de 126 membros do clero da Arquidiocese Católica Romana de Los Angeles, acusados de abusos sexuais contra crianças, fornecem uma narrativa entorpecedora de 75 anos de vergonha da Igreja, revelando caso após caso em que a Igreja foi alertada do abuso mas fracassou em proteger seus fiéis.
Em alguns casos, o cardeal Roger M. Mahony e seus antecessores transferiram discretamente os padres para terapia e então para novas funções. Em outros, foi oferecido aos pais terapia para seus filhos e o pedido para que permanecessem em silêncio.
Ao longo dos arquivos, casos de crianças molestadas ou estupradas são tratados de forma indireta ou por eufemismos, com referências a questões de "idoneidade moral" ou acusações de "violações dos limites". Por anos, queixas anônimas de abuso foram ignoradas e os padres receberam o benefício da dúvida.
Os arquivos pessoais --alguns dos quais datados dos anos 30-- foram resultado de parte das negociações de acordo com os advogados de 560 vítimas em um processo civil daqui.
A Igreja os forneceu a The New York Times antes de sua divulgação pública nos próximos dias. A arquidiocese os está divulgando como cumprimento de sua promessa aos fiéis de expor as ações da Igreja no escândalo, disseram autoridades religiosas. Ela também espera que a divulgação estimule as negociações de acordo, que parecem ter estagnado nos últimos meses.
Raymond P. Boucher, o principal advogado dos que estão processando a Igreja, disse que foi removido das versões dos arquivos divulgados pelas autoridades religiosas grande parte dos detalhes danosos das acusações e da respostas da Igreja. Ele disse que a divulgação era principalmente uma medida de relações públicas por parte do clero, à medida que ambos os lados se preparam para o julgamento dos primeiros casos.
"Infelizmente, estes arquivos não contêm toda a história da participação da Igreja na manipulação e transferência dos padres", disse Boucher. "Os arquivos integrais mostrarão quão profundo e disseminado era este problema e quanto a Igreja colocou seus interesses acima dos das crianças e de outros que foram molestados pelos padres. Esta é uma história maior e mais profunda."
Os arquivos revelam que apenas recentemente a Igreja passou a lidar com o comportamento abusivo e criminoso em suas fileiras e a agir agressivamente para contê-lo.
Os casos de Los Angeles são de muitas formas semelhantes às queixas de abuso sexual que têm manchado a Igreja em todo país nos últimos anos. O comportamento dos padres no Sul da Califórnia não são piores do que os vistos em outros lugares, e a resposta de importantes autoridades da Igreja geralmente não foi melhor. Mas o simples volume de queixas e potencial de indenização às vítimas coloca Los Angeles à parte das dioceses de outras grandes cidades americanas.
Talvez o caso mais notório daqui envolva o padre Michael Baker, que em 1987 confessou voluntariamente a Mahony, na época um arcebispo, o relacionamento sexual com dois meninos em 1978 e 1985.
Mahony não informou o abuso à polícia, preferindo enviar Baker para terapia e o proibindo de ter qualquer contato próximo com menores, como mostram os documentos. Mas ele logo foi designado para paróquias onde encontrou facilidade para assediar meninos novamente. Após muitas outras tentativas fracassadas de terapia, Baker foi finalmente afastado do sacerdócio em 2000, mas apenas após ter vindo à tona que tinha molestado até 10 vítimas ao longo dos 20 anos anteriores.
Há muitos casos nos quais as acusações só foram feitas muitos anos após os supostos incidentes e algumas em que as queixas iniciais não foram consideradas críveis. Mas ao todo, os arquivos pintam um retrato de uma instituição em negação sobre o que agora parece ser uma má conduta sexual disseminada.
A Arquidiocese de Los Angeles é a maior diocese católica romana do país, cobrindo uma área de 22.500 quilômetros quadrados e que atende cerca de 5 milhões de católicos. O tamanho do problema de abuso aqui rivaliza com o de Boston, onde mais de 500 membros do clero foram acusados de abusar de menores ao longo dos últimos 60 anos, e onde a Igreja pagou US$ 85 milhões em 2003 para resolver com um acordo as queixas civis contra ela.
De lá para cá, os valores pagos em escândalos da Igreja aumentaram. No final do ano passado, a Diocese de Orange County pagou US$ 100 milhões para resolver 85 casos com um acordo.
Os advogados envolvidos nas negociações em Los Angeles disseram que, se um acordo geral for fechado entre os 560 querelantes e a Igreja, o pagamento será significativamente maior do que o de Boston ou Orange County, talvez ultrapassando US$ 500 milhões. O custo de enfrentar cada caso individualmente poderia ultrapassar em muito este valor.
Desde 1985, a arquidiocese acertou um punhado de casos de abuso de menores, pagando um total de US$ 10 milhões.
A arquidiocese recebeu relativamente menos queixas de abuso sexual cometido por padres, não mais do que duas dúzias por ano, até 2002, quando o escândalo da Igreja explodiu nos noticiários em Boston. De lá para cá, a Arquidiocese de Los Angeles tem recebido centenas de queixas contra mais de 250 padres e outros funcionários da Igreja, das quais cerca da metade estão incluídas nas negociações de acordo.
Os documentos serão postados em um dia ou dois no site da arquidiocese (www.la-archdiocese.org) ou em um site mantido pelos advogados da Igreja (www.la-clergycases.com), disse J. Michael Hennigan, principal advogado da arquidiocese.
Hennigan disse que os arquivos dos padres, apesar de não conterem muitos detalhes sobre as supostas ofensas, fornecerão ao público uma idéia melhor de como foi a resposta da Igreja às acusações.
"Nós queríamos mostrar o que aconteceu, quando aconteceu, o que sabíamos e como lidamos com isto", disse Hennigan.
Pedofilia confessada e perdoada
No caso do padre Kevin Barmasse, os pais de um menino escreveram para as autoridades da arquidiocese em 1983, para se queixarem de um padre que abusou do filho deles na Saint Pancratius Church em Lakewood, Califórnia, um subúrbio de Los Angeles. Duas semanas depois, a arquidiocese enviou Barmasse para servir como padre associado de uma paróquia na Diocese de Tucson, Arizona, sob a condição de que se submetesse à terapia.
Em um período de três anos, segundo relatórios posteriores, ele abordou sexualmente vários alunos colegiais. Em 1992, ele foi destituído dos deveres sacerdotais.
Hennigan disse que Barmasse foi um dos poucos padres que a Arquidiocese de Los Angeles permitiu que fosse transferido para outra paróquia e continuasse atendendo crianças após ter recebido queixas críveis. Ele disse que a inclinação de Mahony de confiar na terapia era a resposta típica da Igreja na época.
Por anos, a Igreja tratou o abuso sexual cometido pelos clérigos como uma falha moral e um pecado que podia ser confessado e perdoado. Foi apenas nos últimos cerca de 15 anos que as autoridades da Igreja reconheceram que pedófilos são por natureza ofensores reincidentes e não podem ser autorizados a ter contato não supervisionado com crianças, disse Hennigan.
Ele comparou o comportamento das autoridades da Igreja aqui com as de Boston, que transferiam repetidamente os predadores sexuais de uma paróquia a outra sem alertar o público. Tais incidentes, incluindo os casos notórios dos ex-padres John J. Geoghan e Paul R. Shanley, levaram à renúncia do cardeal de Boston, Bernard F. Law, e forçaram o fechamento de dezenas de paróquias e escolas católicas para o pagamento das indenizações.
Apesar do número de casos bem divulgados de abuso ocorridos aqui, Mahony permaneceu líder da arquidiocese e a Igreja em Los Angeles parece estar com lastro financeiro sólido. Hennigan disse acreditar que a arquidiocese conta com recursos suficientes e seguro para lidar com os acordos sem a necessidade do fechamento de escolas ou venda de propriedades da Igreja.
Os advogados dos padres acusados tentaram manter os arquivos pessoais em segredo, dizendo que sua divulgação violava as leis de confidencialidade de informações do funcionário e que a informação contida neles promoverá a parcialidade nos tribunais e entre o público contra seus clientes.
A Igreja, apesar de argumentar que parte do material presente nos arquivos está protegido pelo privilégio padre-penitente e paciente-terapeuta, disse que queria a divulgação de grande parte do conteúdo como parte do processo de expiação.
O material esteve nas mãos dos advogados dos querelantes por quase três anos, mas os tribunais ordenaram que fossem selados. A Igreja interpretou uma decisão do tribunal no mês passado como autorizando a divulgação de versões editadas dos arquivos pessoais. Os arquivos não incluem os nomes dos acusadores.
"O que a Igreja está tentando fazer é reparar os danos que causou e se certificar, o máximo que for humanamente possível, de que não aconteça novamente", disse Tod Tamberg, um porta-voz da arquidiocese. "Todo este capítulo triste na vida da Igreja é uma oportunidade para purificação."
Tradução: George El Khouri Andolfato
Em alguns casos, o cardeal Roger M. Mahony e seus antecessores transferiram discretamente os padres para terapia e então para novas funções. Em outros, foi oferecido aos pais terapia para seus filhos e o pedido para que permanecessem em silêncio.
Ao longo dos arquivos, casos de crianças molestadas ou estupradas são tratados de forma indireta ou por eufemismos, com referências a questões de "idoneidade moral" ou acusações de "violações dos limites". Por anos, queixas anônimas de abuso foram ignoradas e os padres receberam o benefício da dúvida.
Os arquivos pessoais --alguns dos quais datados dos anos 30-- foram resultado de parte das negociações de acordo com os advogados de 560 vítimas em um processo civil daqui.
A Igreja os forneceu a The New York Times antes de sua divulgação pública nos próximos dias. A arquidiocese os está divulgando como cumprimento de sua promessa aos fiéis de expor as ações da Igreja no escândalo, disseram autoridades religiosas. Ela também espera que a divulgação estimule as negociações de acordo, que parecem ter estagnado nos últimos meses.
Raymond P. Boucher, o principal advogado dos que estão processando a Igreja, disse que foi removido das versões dos arquivos divulgados pelas autoridades religiosas grande parte dos detalhes danosos das acusações e da respostas da Igreja. Ele disse que a divulgação era principalmente uma medida de relações públicas por parte do clero, à medida que ambos os lados se preparam para o julgamento dos primeiros casos.
"Infelizmente, estes arquivos não contêm toda a história da participação da Igreja na manipulação e transferência dos padres", disse Boucher. "Os arquivos integrais mostrarão quão profundo e disseminado era este problema e quanto a Igreja colocou seus interesses acima dos das crianças e de outros que foram molestados pelos padres. Esta é uma história maior e mais profunda."
Os arquivos revelam que apenas recentemente a Igreja passou a lidar com o comportamento abusivo e criminoso em suas fileiras e a agir agressivamente para contê-lo.
Os casos de Los Angeles são de muitas formas semelhantes às queixas de abuso sexual que têm manchado a Igreja em todo país nos últimos anos. O comportamento dos padres no Sul da Califórnia não são piores do que os vistos em outros lugares, e a resposta de importantes autoridades da Igreja geralmente não foi melhor. Mas o simples volume de queixas e potencial de indenização às vítimas coloca Los Angeles à parte das dioceses de outras grandes cidades americanas.
Talvez o caso mais notório daqui envolva o padre Michael Baker, que em 1987 confessou voluntariamente a Mahony, na época um arcebispo, o relacionamento sexual com dois meninos em 1978 e 1985.
Mahony não informou o abuso à polícia, preferindo enviar Baker para terapia e o proibindo de ter qualquer contato próximo com menores, como mostram os documentos. Mas ele logo foi designado para paróquias onde encontrou facilidade para assediar meninos novamente. Após muitas outras tentativas fracassadas de terapia, Baker foi finalmente afastado do sacerdócio em 2000, mas apenas após ter vindo à tona que tinha molestado até 10 vítimas ao longo dos 20 anos anteriores.
Há muitos casos nos quais as acusações só foram feitas muitos anos após os supostos incidentes e algumas em que as queixas iniciais não foram consideradas críveis. Mas ao todo, os arquivos pintam um retrato de uma instituição em negação sobre o que agora parece ser uma má conduta sexual disseminada.
A Arquidiocese de Los Angeles é a maior diocese católica romana do país, cobrindo uma área de 22.500 quilômetros quadrados e que atende cerca de 5 milhões de católicos. O tamanho do problema de abuso aqui rivaliza com o de Boston, onde mais de 500 membros do clero foram acusados de abusar de menores ao longo dos últimos 60 anos, e onde a Igreja pagou US$ 85 milhões em 2003 para resolver com um acordo as queixas civis contra ela.
De lá para cá, os valores pagos em escândalos da Igreja aumentaram. No final do ano passado, a Diocese de Orange County pagou US$ 100 milhões para resolver 85 casos com um acordo.
Os advogados envolvidos nas negociações em Los Angeles disseram que, se um acordo geral for fechado entre os 560 querelantes e a Igreja, o pagamento será significativamente maior do que o de Boston ou Orange County, talvez ultrapassando US$ 500 milhões. O custo de enfrentar cada caso individualmente poderia ultrapassar em muito este valor.
Desde 1985, a arquidiocese acertou um punhado de casos de abuso de menores, pagando um total de US$ 10 milhões.
A arquidiocese recebeu relativamente menos queixas de abuso sexual cometido por padres, não mais do que duas dúzias por ano, até 2002, quando o escândalo da Igreja explodiu nos noticiários em Boston. De lá para cá, a Arquidiocese de Los Angeles tem recebido centenas de queixas contra mais de 250 padres e outros funcionários da Igreja, das quais cerca da metade estão incluídas nas negociações de acordo.
Os documentos serão postados em um dia ou dois no site da arquidiocese (www.la-archdiocese.org) ou em um site mantido pelos advogados da Igreja (www.la-clergycases.com), disse J. Michael Hennigan, principal advogado da arquidiocese.
Hennigan disse que os arquivos dos padres, apesar de não conterem muitos detalhes sobre as supostas ofensas, fornecerão ao público uma idéia melhor de como foi a resposta da Igreja às acusações.
"Nós queríamos mostrar o que aconteceu, quando aconteceu, o que sabíamos e como lidamos com isto", disse Hennigan.
Pedofilia confessada e perdoada
No caso do padre Kevin Barmasse, os pais de um menino escreveram para as autoridades da arquidiocese em 1983, para se queixarem de um padre que abusou do filho deles na Saint Pancratius Church em Lakewood, Califórnia, um subúrbio de Los Angeles. Duas semanas depois, a arquidiocese enviou Barmasse para servir como padre associado de uma paróquia na Diocese de Tucson, Arizona, sob a condição de que se submetesse à terapia.
Em um período de três anos, segundo relatórios posteriores, ele abordou sexualmente vários alunos colegiais. Em 1992, ele foi destituído dos deveres sacerdotais.
Hennigan disse que Barmasse foi um dos poucos padres que a Arquidiocese de Los Angeles permitiu que fosse transferido para outra paróquia e continuasse atendendo crianças após ter recebido queixas críveis. Ele disse que a inclinação de Mahony de confiar na terapia era a resposta típica da Igreja na época.
Por anos, a Igreja tratou o abuso sexual cometido pelos clérigos como uma falha moral e um pecado que podia ser confessado e perdoado. Foi apenas nos últimos cerca de 15 anos que as autoridades da Igreja reconheceram que pedófilos são por natureza ofensores reincidentes e não podem ser autorizados a ter contato não supervisionado com crianças, disse Hennigan.
Ele comparou o comportamento das autoridades da Igreja aqui com as de Boston, que transferiam repetidamente os predadores sexuais de uma paróquia a outra sem alertar o público. Tais incidentes, incluindo os casos notórios dos ex-padres John J. Geoghan e Paul R. Shanley, levaram à renúncia do cardeal de Boston, Bernard F. Law, e forçaram o fechamento de dezenas de paróquias e escolas católicas para o pagamento das indenizações.
Apesar do número de casos bem divulgados de abuso ocorridos aqui, Mahony permaneceu líder da arquidiocese e a Igreja em Los Angeles parece estar com lastro financeiro sólido. Hennigan disse acreditar que a arquidiocese conta com recursos suficientes e seguro para lidar com os acordos sem a necessidade do fechamento de escolas ou venda de propriedades da Igreja.
Os advogados dos padres acusados tentaram manter os arquivos pessoais em segredo, dizendo que sua divulgação violava as leis de confidencialidade de informações do funcionário e que a informação contida neles promoverá a parcialidade nos tribunais e entre o público contra seus clientes.
A Igreja, apesar de argumentar que parte do material presente nos arquivos está protegido pelo privilégio padre-penitente e paciente-terapeuta, disse que queria a divulgação de grande parte do conteúdo como parte do processo de expiação.
O material esteve nas mãos dos advogados dos querelantes por quase três anos, mas os tribunais ordenaram que fossem selados. A Igreja interpretou uma decisão do tribunal no mês passado como autorizando a divulgação de versões editadas dos arquivos pessoais. Os arquivos não incluem os nomes dos acusadores.
"O que a Igreja está tentando fazer é reparar os danos que causou e se certificar, o máximo que for humanamente possível, de que não aconteça novamente", disse Tod Tamberg, um porta-voz da arquidiocese. "Todo este capítulo triste na vida da Igreja é uma oportunidade para purificação."
Tradução: George El Khouri Andolfato
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