domingo, outubro 09, 2005

China quer reduzir erros nas sentenças de morte

Enquanto pelo menos 10 mil condenados são executados todo ano, o governo central decide atribuir à Corte Suprema prerrogativas para lutar contra os abusos dos poderes locais
Bruno Philip
Correspondente em Pequim, China


A China detém o recorde mundial das execuções capitais: 10 mil pessoas por ano, segundo a estatística mais otimista. Hoje, ela parece estar querendo reduzir o número dessas sentenças.

Um debate, que permaneceu por muito tempo confinado aos círculos acadêmicos chineses, a respeito da exemplaridade da pena de morte e da sua pertinência, num país onde os erros judiciários existem em quantidades consideráveis, acaba de se traduzir nos fatos por uma decisão de grande importância.

O vice-presidente da Corte Suprema do povo, Wan E'xiang, anunciou em 27 de setembro que esta instância vai se dotar de três novos tribunais de justiça cuja função será de determinar se as penas capitais pronunciadas o foram com perfeito conhecimento de causa.

Wan E´xiang precisou que "esta reforma permitirá fazer com que a imposição da pena de morte seja pronunciada de maneira neutra, sem interferência de outros departamentos da administração e evitando a intervenção de outros poderes".

Trata-se de fato de devolver à Corte Suprema prerrogativas das quais ela havia se livrado no início dos anos 80. Desde então, as altas-cortes de justiça provinciais tratavam e decidiam sobre 90% dos recursos referentes às condenações à morte. No médio prazo, elas não mais deverão tomar a derradeira decisão.

Oficialmente, o regime chinês alegava o fato de que a sua Corte Suprema não contava com meios técnicos e humanos suficientes para tratar os recursos dos casos que são objeto da sentença derradeira.

Esta decisão, que visa a devolver os plenos poderes à Corte Suprema, não constitui de todo uma surpresa. Além de existir um debate recorrente sobre a pena de morte entre os juristas, recentes editoriais na imprensa oficial sublinharam que vários artigos de lei estipulavam que a aprovação final da pena capital era mesmo uma decisão da alçada da Corte Suprema.

Quando se conhece a quantidade de confissões de acusados extorquidas por meio da tortura, num contexto em que policiais, juízes e caciques locais se apóiam mutuamente em casos de injustiças comprovadas, a necessidade de não se limitar apenas à decisão dos tribunais regionais constitui evidentemente uma prioridade.

Conforme afirma um intelectual do partido, que pediu para não ter seu nome citado: "Entregar o recurso derradeiro para a Corte Suprema constitui também uma maneira para o governo central de lutar contra os abusos provinciais...".

"Crimes econômicos"

A organização Anistia Internacional, num comunicado com data de quarta-feira (05/10), manifestou "a sua satisfação" em relação a esta decisão, comentando que esta reforma permitirá "reduzir em 30% o número de condenações à morte".

Mas a organização de defesa dos direitos humanos também aponta para o fato de que, recentemente, alguns julgamentos favoráveis ao recurso de condenados, pronunciados por tribunais locais, foram contraditos pela Corte Suprema, a qual alegou que os seus argumentos não permitiam voltar atrás em relação à sentença de morte. Diante disso, a Anistia avalia que a reforma, portanto, não será necessariamente sinônimo de "respeito dos direitos humanos".

O debate sobre a pena de morte na China é mais amplo: não se trata apenas de saber quem a aplica e quem a justifica em última instância; trata-se também de saber a quem ela é aplicada e por quê. Alguns meses atrás, o ministro da justiça, Zhang Jun, declarou que "a legislação poderia evoluir numa direção visando a fazer com que a pena capital não seja mais aplicada para punir determinados crimes".

Alguns especialistas ousaram até mesmo defender a idéia de que "a abolição da pena de morte é o sinal de uma sociedade civilizada". Outros se perguntaram se é mesmo válido --assim como é o caso atualmente-- executar os autores de "crimes econômicos", isto é, entre outros, os membros corruptos do partido que roubaram dinheiro nos cofres do Estado dentro de um contexto no qual a luta contra a corrupção constitui uma das prioridades do regime.

Outros ainda consideram que a morte deve ser reservada aos crimes de sangue, aos estupros, aos seqüestros e ao tráfico de drogas.

Por ocasião de um colóquio, em dezembro de 2004, na província do Hunan, o professor Qiu Xinglong havia defendido a tese de que "a lei reconhece o fato de que os criminosos são seres humanos; estes mesmos criminosos têm o direito de viver. Portanto, o Estado não deveria retirar-lhes este direito à vida".

O vice-ministro da justiça lhe havia respondido que uma reforma do sistema penal era necessária. Ele havia proposto a eventualidade de encarceramentos mais longos, da ordem de vinte a trinta anos, de modo a reduzir o número de penas capitais.

Autoritário, o regime chinês está decidido apesar de tudo a refletir à aplicação do castigo supremo, num momento em que o número de erros judiciários e de casos de pessoas executadas sem provas não é mais ignorado do grande público.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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