Tapa Na Cara
Osasco, 30 de abril de 2006.
02:44hs da madrugada
Acabo de chegar em casa. Acabo de chegar em casa depois de levar um tapa na cara de um motoqueiro-filho-da-puta-cuzão-e-desgraçado.
Enquanto eu voltava pra casa a pé, por cima de uma ponte caminhando, pelo canto da calçada, um grupo de motoqueiros-filhos-da-puta passou e um deles me deu um tapa. Foi um tapa covarde. Um tapa de um filho-da-puta que não desceu da moto pra arrumar uma briga de verdade. Um tapa de um cuzão-covarde que anda em bando pra não morrer de medo de mijar nas calças.
Eu não mijei nas calças. Eu não fiz nada.
Eu quis olhar praquele bando de filhos-da-puta que saíram gritando e acelerando em suas motos selvagens, como uns idiotas que ganham um prêmio sem ter merecido nada. O prêmio que era a minha cara. Eu e a minha cara babaca, de otário. E eu não fiz nada.
Eu não fiz nada porque não fazia sentido sair correndo atrás de um bando de babacas sentados numa moto acelerando. Eu que sou babaca, mas nem tanto, sabia que não iria alcançá-los. Também não anotei a placa, porque meus óculos saltaram durante o tapa. E eu não enxergava nada.
Durante a noite e sem óculos eu não enxergo nada.
E eu ainda posso sentir a mão na minha cara.
Não sei onde meus óculos foram parar, se caíram pra baixo da ponte sobre a qual eu passava, ou se voaram pro meio da pista. O fato é que não consegui encontrá-los. Aqueles que me conhecem, portanto, não mais me verão com aqueles velhos óculos engraçados, óculos de babaca.
Ocorreu-me telefonar para a polícia. E foi o que eu fiz de fato. Mas eu não sabia informar quase nada, nem a placa, nem a marca das motos, nada... somente a direção para a qual foi o bando-de-babacas.
E eu andava a pé pra casa porque não havia mais ônibus pra eu voltar para casa. E eu voltava a pé. E bem já andava há cerca de uma hora. E voltava a pé porque eu não queria dormir na rua e esperar que amanhecesse o dia para que a benevolente companhia de ônibus começasse o rodar com seus carros ultra-confortáveis-e-de-acesso-barato. E eu queria ter indagado algum fiscal da companhia de ônibus se existisse algum na estação rodoviária para que eu pudesse indagá-lo. Eu o colocaria contra a parede, o provocaria.
Mas os motoqueiros filhos-da-puta que me deram um tapa, esses eu não provocaria; esses eu os matava. E eu os mataria se tivesse uma arma na hora em que eles me deram um tapa. Não pelo tapa. Pela covardia. Pela covardia de dar um tapa em um cara cansado que volta a pé para casa porque não havia um ônibus para que ele voltasse para casa. E eu os mataria do mesmo modo que mataria os caras que botaram fogo num índio que dormia no banco do ponto de ônibus de madrugada. Também não havia ônibus de madrugada na capital do meu país quando um bando de moleques incendiou um cara. Por isso eu não dormi na rua de madrugada e voltei a pé para casa. Pra não deixar que esse mesmo bando-de-filhos-da-puta que me deram um tapa, pudessem me barbarizar enquanto eu dormia de madrugada no banco do ponto de ônibus que não circulava de madrugada.
Eu daria um tiro em todos eles, nos idiotas que botam fogo em índios de madrugada e nos babacas que saem pela noite dando tapas e comemorando com estrondosas risadas.
Eu ainda ouço a risada escrota desse bando-de-babacas.
E eu daria um tiro bem na cabeça deles. E é possível que eu sentisse prazer com essa bala bem colocada. Do mesmo modo como muitos sentem prazer quando matam uma barata. Mas eu não mato baratas. Baratas não me incomodam em nada. Quando elas chegam, eu apenas as retiro. Eu as afasto.
Não é possível afastar certas gentes que são menos que baratas.
E eu não quero andar numa porra de país onde filhos-da-puta saem pela noite divertindo-se dando tapas em pobres-coitados-babacas-e-fudidos que nem eu, que não mereço nada. E não quero ficar por essas ruas hostis e vazias e mortas onde minhas amigas são estupradas. Eu não quero ser barbarizado. Só quero viver, porra! Mas viver é tão difícil nessa merda de calçada! Talvez eu devesse andar pela rua, pra deixar minha cabeça ser atropelada. Na margem é mais foda, porque não acontece nada de roda de carro, só tapa mesmo, que não me mata nem nada, só deixa nervoso.
E é engraçado.
É engraçado porque eu que andava pela ponte e minutos antes pensava num salto, e no estrago do meu corpo no asfalto, lá em baixo. Naquele estrago. Eu ia pensando na minha vida besta, vida idiota, vida de quem tem que andar a pé de madrugada porque não consegue ter nada. Vida sem sentido numa merda de país!
Eu quero que todo mundo se foda!
Eu quero que você aí se foda!
Porque você vai ler esta merda e vai tomar café. Você vai jantar e vai ver tv.
E vai fazer compras.
Você é um filho-da-puta que nem eu que não faz nada. Você é que deveria ter tomado aquele tapa na cara. Aquele tapa dado por um bando de filhos-da-puta que nem você e eu. Vai ver eu merecia aquele tapa na cara! Aquele tapa bem dado que me pegou de cheio e me encheu de raiva. A ponto de eu perceber tudo. Perceber esse estado de guerra em que vivemos, essa sociedade falsa, capaz de legitimar o uso da faca, das garras, dos dentes. Nesse momento eu quero armas. Eu preciso de uma briga de verdade, nada de palavrões ou ameaças, uma briga de verdade cheia sangue e de porrada, ou de facada, com tiro, com garrafada, cadeirada, tudo. Uma briga ferrada, com pedido de clemência.
Eu quero uma guerra.
Porque eu não quero gente fodendo índio à noite na minha calçada.
Eu tô na mesma lama que muita gente, na mesma calçada. Estou cansado. Estou me cansando. Ando com esse desejo de ponte, ou de estrada.
Uma hora me mato, ou mato outro. Não sei. Alguém não ficará a salvo.
Deixarei como herança esse país. Porque logo logo serei um exilado, estamos em guerra, o lance é que tem muita gente que não percebeu isso.
Nessa merda de calçada, de país, só tem imbecil e babaca.
Vão se foder todos vocês.
Flavio Tonnetti
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