quinta-feira, maio 11, 2006

Para entender o cinema brasileiro

A maioria das obras essenciais sobre o tema foi escrita entre 1960 e 1980, com destaque para Paulo Emilio Salles Gomes

POR ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
Cena de Terra em transe, de Glauber Rocha, que fez filmes e refletiu sobre o cinema

A despeito da considerável quantidade de livros sobre cinema brasileiro que vem sendo lançada nos últimos anos, a esmagadora maioria das obras essenciais sobre o tema foi escrita entre os anos 1960 - quando começou a ser constituída uma tradição crítica - e 1980. Cabe ressaltar a importância de Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977), responsável pela formação da primeira geração de pesquisadores dedicados ao tema, muitos deles autores dos livros citados a seguir.

Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz é um estudo pioneiro sobre a primeira e malograda tentativa de implantação de uma indústria cinematográfica em moldes hollywoodianos, entre os anos de 1949 e 1954. Nele, Maria Rita Galvão procura compreender a empreitada como manifestação do poder da burguesia industrial paulista, capaz de financiar a produção de filmes, vistos como expressão ideológica dessa classe social. Parte da produção da Vera Cruz é tratada em Revisão crítica do cinema brasileiro, nos capítulos dedicados a Alberto Cavalcanti e Lima Barreto. O livro afirma um programa estético e político para o cinema brasileiro, critica o modelo faraônico da Vera Cruz e defende a invenção de uma linguagem adaptada à exigüidade de recursos. A partir dessas concepções, Glauber Rocha vê Humberto Mauro como um predecessor do cinema novo, assim como o cinema independente dos anos 1950.

Glauber Rocha continua no centro das atenções de Ismail Xavier em Alegorias do subdesenvolvimento, que discute Terra em transe como resposta às perplexidades geradas pelo golpe militar de 1964. O ensaio toma a alegoria como noção capaz de estabelecer identidades e diferenças entre este filme e outras obras capitais do período 1967-1970, como O bandido da luz vermelha, Brasil ano 2000, Macunaíma, O dragão da maldade contra o santo guerreiro, O anjo nasceu, Matou a família e foi ao cinema e Bang bang.

Os anos de chumbo também são focalizados em Cinema, estado e lutas culturais - anos 50, 60, 70, que investiga o impacto da ação estatal na produção cinematográfica. A ênfase recai sobre as décadas de 1960 e 1970, quando surgiram o INC (Instituto Nacional de Cinema) e a Embrafilme, órgãos encarregados de pôr em prática a política cinematográfica do regime militar. O sociólogo José Mário Ortiz Ramos reflete sobre as relações cinema-Estado procurando delinear os contextos e mecanismos de produção das obras em um período marcado por intensa politização. Ramos está especialmente atento a uma questão: a da relação de forças na produção cinematográfica, que aparece no comportamento dos cineastas diante do Estado ditatorial, na constante luta pela hegemonia no campo cultural.

Considerado o ensaio mais célebre e polêmico de Paulo Emilio Salles Gomes, Cinema: trajetória no subdesenvolvimento marcou o debate cinematográfico nos primeiros anos da década de 1970 com sua defesa incondicional do filme brasileiro. Constatou o enfraquecimento do cinema novo, o desespero da nova geração que poderia renová-lo e associou o subdesenvolvimento à estética do cinema nacional - como já havia feito Glauber Rocha no ensaio Uma estética da fome.

O documentário é o tema de Cineastas e imagens do povo, de Jean-Claude Bernardet, a mais densa obra dedicada ao tema no Brasil. Trata dos documentários mais importantes produzidos entre os anos 1960 e meados da década de 1980, caracterizados por forte conteúdo político e intenções pedagógicas. Alguns filmes bem mais recentes - que enriqueceram o gênero com novas abordagens estéticas e ideológicas - foram incluídos na reedição do livro, em 2003.

O cinema contemporâneo tem sido objeto de estudos, entre os quais se destaca Cinema de novo, um balanço crítico da produção brasileira de meados dos anos 1990 a 2003. Luiz Zanin Oricchio discute os filmes do período a partir do modo pelo qual representam o Brasil e se relacionam com o público. A análise dialoga constantemente com a produção dos anos 1960, especialmente com o cinema novo, pois destaca temas caros a este, como identidade nacional, a relação com o outro, a representação da história, a violência, a vida privada, a política, o sertão e a favela, as relações de classe.

Entre as obras coletivas que sistematizam a evolução do nosso cinema, cabe mencionar História do cinema brasileiro, organizada por Fernão Ramos. O livro é uma boa introdução ao tema, pois traz uma visão "horizontal" da produção cinematográfica brasileira dos primórdios ao fim dos anos 1980, e não deixa de apresentar detalhes de certos aspectos.

OS DeZ LIVROS

Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz,
Maria Rita Galvão.
Editora Civilização Brasileira
Revisão crítica do cinema brasileiro,
Glauber Rocha.
Cosac & Naify
Brasil em tempo de cinema,
Jean- Claude Bernardet.
Editora Paz e Terra
Sertão mar – Glauber Rocha e a estética da fome,
de Ismail Xavier
Editora Brasiliense
Alegorias do subdesenvolvimento,
de Ismail Xavier.
Editora Brasiliense
Cinema, Estado e lutas culturais – anos 50, 60, 70,
José Mário Ortiz Ramos.
Editora Paz e Terra
Cinema: trajetória no subdesenvolvimento,
de Paulo Emilio Salles Gomes.
Paz e Terra
Cineastas e imagens do povo,
de Jean- Claude Bernardet.
Companhia das Letras
Cinema de novo,
Luiz Zanin Oricchio.
Estação Liberdade
História do cinema brasileiro,
Fernão
Ramos (org.). Art Editora

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