John F. Burns
em Bagdá
Após sete meses de um julgamento que ele transformou em um espetáculo de desafio, Saddam Hussein se confrontou na segunda-feira (15/05) com uma denúncia oficial de crimes contra a humanidade, um passo que parece deixá-lo um passo mais próximo da pena de morte.
Desde o início do julgamento, em outubro do ano passado, Saddam tem dominado os procedimentos no tribunal. Ele usou a plataforma que lhe foi proporcionada na forma de transmissões televisivas ao vivo por todo o Oriente Médio para acusar os juízes de serem fantoches da ocupação norte-americana, retirar-se da sala do tribunal e fazer uma greve de fome, além de discursar incoerentemente, encorajando os insurgentes a combater as tropas dos Estados Unidos.
Ele foi auxiliado por acontecimentos caóticos, incluindo a renúncia do juiz-chefe original, após três meses de julgamento, assassinatos de um juiz e de dois advogados de defesa, e um clima marcado pela fadiga judicial e por procedimentos administrativos atabalhoados, que fizeram com que até o momento tenham sido acumuladas apenas 24 horas de julgamento, o que corresponde a uma média de menos de quatro horas por mês.
Mas na segunda-feira, as chances de Saddam escapar da pena de morte pareceram diminuir quando um grupo de cinco juízes aprovou denúncias de crimes contra a humanidade que teriam sido praticados pelo ex-presidente do Iraque e sete outros réus. O julgamento gira em torno da execução de 148 moradores xiitas da cidade de Dujail, depois de uma tentativa de assassinato contra Saddam Hussein, ocorrida naquele local em 1982.
É quase certo que a acusação implique na pena de morte, provavelmente por enforcamento.
Segundo o juiz-chefe do tribunal, Raouf Abdel-Rahman, as ações ordenadas por Saddam ou realizadas sob a sua autoridade, consideradas em conjunto, atendem aos padrões da lei internacional para a definição de crimes contra a humanidade. A denúncia definiu os crimes de Saddam como correspondendo a "um ataque generalizado e sistemático dirigido contra uma população civil", envolvendo assassinatos, deportações, torturas, prisões em condições que violaram as normas internacionais, desaparecimentos e "outros atos desumanos" que causaram grande sofrimentos ou danos físicos ou mentais.
Ao contrário do sistema judicial norte-americano, no qual os acusados são formalmente denunciados no início do julgamento, o sistema iraquiano só prevê uma denúncia formal após as evidências apresentadas pela promotoria serem analisadas no tribunal. A denúncia lida na segunda-feira, conhecida como um documento de acusação formal, se constitui nas manifestações iniciais dos juízes sobre as acusações que eles acreditam serem sustentadas pelas evidências.
De fato, o procedimento é um julgamento preliminar que desafia os advogados de defesa a apresentarem, na próxima fase do processo, evidências que neutralizem a denúncia. Essa fase tem início imediatamente após a denúncia da segunda-feira, com a primeira testemunha de defesa depondo em favor de um dos réus menos graduados.
Entre as testemunhas de defesa de Saddam, que só deverão aparecer depois de várias semanas, estarão membros de alto escalão do seu governo, que atualmente estão sob custódia militar norte-americana, segundo juristas ocidentais que trabalham no caso. Estes juristas insistiram em que os seus nomes não fossem divulgados, já que não estão autorizados a falar publicamente sobre o caso.
No caso de Saddam, a denúncia lida no tribunal na segunda-feira o acusa de ser o responsável por todas as etapas do sofrimento do povo de Dujail depois que membros de um proscrito partido religioso xiita atiraram contra o seu carro: o bombardeio e ataque com metralhadoras de helicópteros que mataram nove moradores da cidade logo após a tentativa fracassada de assassinato, a prisão de centenas de outros, as torturas e assassinatos que se seguiram em uma instalação da inteligência iraquiana em Bagdá, e, mais tarde, na prisão Abu Ghraib, a ordem de executar 148 homens e jovens, incluindo 32 com menos de 18 anos.
A denúncia também citou as mortes de 46 dos 148 indivíduos enquanto estavam detidos, pelo menos um ano antes de um tribunal revolucionário ordenar que fossem enforcados; a transferência de 700 moradores de Dujail para um remoto centro de detenção no deserto no sul do Iraque, onde mais pessoas morreram; a morte sob tortura de mulheres e crianças, bem como de homens e rapazes adolescentes; e a destruição da economia de subsistência de Dujail, com a erradicação das plantações de tamareiras e pomares, e a demolição de centenas de casas.
A fase do tribunal destinada à defesa deverá durar dois ou três meses, segundo especialistas em direito. Eles dizem que a tal fase se seguirá um recesso de talvez outros três meses enquanto os juízes avaliam os veredictos e as sentenças. Segundo os especialistas, o julgamento não terminará antes de setembro, mas eles admitem que a conclusão do processo poderá demorar mais vários meses caso o tribunal retroceda para o caos que caracterizou grande parte dos procedimentos iniciais.
Se Saddam ou outros réus forem condenados à morte, os veredictos serão automaticamente objeto de apelação por um tribunal de nove juízes, que, segundo os especialistas, poderiam levar de seis meses a um ano para emitir um parecer final. Todo esse processo poderá fazer com que uma resolução final só seja tomada em 2008. A lei iraquiana estabelece um prazo de 30 dias para que a pena de morte seja cumprida depois que as apelações forem negadas, e deixa pouco espaço para adiamentos.
Mas o tempo de vida de Saddam poderá depender do seu julgamento em um segundo caso, envolvendo a morte de 50 mil curdos iraquianos na chamada campanha de Anfal, no final da década de 1980, quando forças iraquianas usaram armas químicas contra habitantes de vilas curdas. O presidente iraquiano, Jalal Talabani, um curdo, disse que os curdos desejarão que Saddam seja julgado com relação àquele caso antes de ser enforcado.
Como existe apenas uma sala de tribunal em um edifício de segurança máxima na chamada Zona Verde de Bagdá, os juízes que julgam os ex-líderes iraquianos esperam dar início aos procedimentos relativos ao caso de Anfal tão logo o tribunal entre em recesso para avaliar os veredictos sobre o caso de Dujail, possivelmente já em agosto.
Saddam, 69, recebeu a denúncia relativa ao caso de Dujail na segunda-feira com um desdém característico, recusando-se a responder quando Abdel-Rahman exigiu que ele ficasse de pé e respondesse se é ou não culpado das acusações.
"Não posso lhe fornecer uma resposta curta a uma longa apresentação que desprezou todos os testemunhos dados neste tribunal", disse Saddam. "Não me importa se você ou alguém mais escreveu essa denúncia. Isto é algo que não desarrumará um fio de cabelo da minha cabeça". A resposta foi mais uma alusão àquilo que tem sido o tema central das suas tempestuosas declarações: a acusação de que os juízes e os promotores são fantoches dos norte-americanos.
Saddam explorou um outro tema favorito, o de que ele é o presidente legal do Iraque, estando imune a julgamentos. "Vocês estão defronte a Saddam Hussein, o presidente da República do Iraque", disse ele, com a intensidade da voz aumentando em um crescendo estridente. Abdel-Rahman contra-argumentou: "Você é um réu!", provocando uma nova resposta de Saddam. "Eu sou o presidente da República pela vontade dos iraquianos, e eu respeito essa vontade", disse ele.
Ao acusar todos os oito réus de crimes contra a humanidade, os juízes descartaram a possibilidade de acusações menos sérias contra quatro réus menos graduados, ex-autoridades locais de Dujail, uma cidade preponderantemente xiita no centro da região árabe sunita, 56 quilômetros ao norte de Bagdá. Agora, eles se juntam a Saddam e a três auxiliares de alto escalão - Barzan Ibrahim al-Tikriti, meio-irmão do ex-presidente e ex-chefe da inteligência; Taha Yassin Ramadan, ex-vice-presidente e líder do Exército Popular; e Awad al-Bandar, ex-procurador geral do tribunal revolucionário -, integrando o grupo que possivelmente será condenado à morte.
Todos alegaram inocência em voz alta, e, como Saddam, foram assinalados nos autos como tendo afirmado não serem culpados. Em cada um dos casos, Abdel-Rahman advertiu os réus e seus advogados. Ele disse que os ex-subordinados de Saddam não escaparão de serem sentenciados dizendo que estavam apenas cumprindo ordens. Abdel-Rahman disse ainda que Saddam e outros réus de alto escalão serão julgados segundo um padrão de legislação internacional que torna os líderes responsáveis por ações sobre as quais tinham conhecimento, sobre as quais deveriam ter conhecimento, ou que não impediram que ocorressem.
Apesar da natureza conturbada dos procedimentos, o tribunal anunciou as denúncias com o novo sentido de urgência e de ordem que tomou conta de todo o processo desde que Abdel-Rahman assumiu o controle sobre o caso em janeiro. Até mesmo Ibrahim, o meio-irmão de Saddam, pareceu ter moderado a sua usual arrogância indignada, ao responder às acusações de crime contra a humanidade, admitindo a probabilidade de ser condenado à morte. "Eu não tenho medo da morte, porque esse é o nosso destino", disse ele. "Tudo o que eu peço é a misericórdia de Deus".
Desde o início do julgamento, em outubro do ano passado, Saddam tem dominado os procedimentos no tribunal. Ele usou a plataforma que lhe foi proporcionada na forma de transmissões televisivas ao vivo por todo o Oriente Médio para acusar os juízes de serem fantoches da ocupação norte-americana, retirar-se da sala do tribunal e fazer uma greve de fome, além de discursar incoerentemente, encorajando os insurgentes a combater as tropas dos Estados Unidos.
Ele foi auxiliado por acontecimentos caóticos, incluindo a renúncia do juiz-chefe original, após três meses de julgamento, assassinatos de um juiz e de dois advogados de defesa, e um clima marcado pela fadiga judicial e por procedimentos administrativos atabalhoados, que fizeram com que até o momento tenham sido acumuladas apenas 24 horas de julgamento, o que corresponde a uma média de menos de quatro horas por mês.
Mas na segunda-feira, as chances de Saddam escapar da pena de morte pareceram diminuir quando um grupo de cinco juízes aprovou denúncias de crimes contra a humanidade que teriam sido praticados pelo ex-presidente do Iraque e sete outros réus. O julgamento gira em torno da execução de 148 moradores xiitas da cidade de Dujail, depois de uma tentativa de assassinato contra Saddam Hussein, ocorrida naquele local em 1982.
É quase certo que a acusação implique na pena de morte, provavelmente por enforcamento.
Segundo o juiz-chefe do tribunal, Raouf Abdel-Rahman, as ações ordenadas por Saddam ou realizadas sob a sua autoridade, consideradas em conjunto, atendem aos padrões da lei internacional para a definição de crimes contra a humanidade. A denúncia definiu os crimes de Saddam como correspondendo a "um ataque generalizado e sistemático dirigido contra uma população civil", envolvendo assassinatos, deportações, torturas, prisões em condições que violaram as normas internacionais, desaparecimentos e "outros atos desumanos" que causaram grande sofrimentos ou danos físicos ou mentais.
Ao contrário do sistema judicial norte-americano, no qual os acusados são formalmente denunciados no início do julgamento, o sistema iraquiano só prevê uma denúncia formal após as evidências apresentadas pela promotoria serem analisadas no tribunal. A denúncia lida na segunda-feira, conhecida como um documento de acusação formal, se constitui nas manifestações iniciais dos juízes sobre as acusações que eles acreditam serem sustentadas pelas evidências.
De fato, o procedimento é um julgamento preliminar que desafia os advogados de defesa a apresentarem, na próxima fase do processo, evidências que neutralizem a denúncia. Essa fase tem início imediatamente após a denúncia da segunda-feira, com a primeira testemunha de defesa depondo em favor de um dos réus menos graduados.
Entre as testemunhas de defesa de Saddam, que só deverão aparecer depois de várias semanas, estarão membros de alto escalão do seu governo, que atualmente estão sob custódia militar norte-americana, segundo juristas ocidentais que trabalham no caso. Estes juristas insistiram em que os seus nomes não fossem divulgados, já que não estão autorizados a falar publicamente sobre o caso.
No caso de Saddam, a denúncia lida no tribunal na segunda-feira o acusa de ser o responsável por todas as etapas do sofrimento do povo de Dujail depois que membros de um proscrito partido religioso xiita atiraram contra o seu carro: o bombardeio e ataque com metralhadoras de helicópteros que mataram nove moradores da cidade logo após a tentativa fracassada de assassinato, a prisão de centenas de outros, as torturas e assassinatos que se seguiram em uma instalação da inteligência iraquiana em Bagdá, e, mais tarde, na prisão Abu Ghraib, a ordem de executar 148 homens e jovens, incluindo 32 com menos de 18 anos.
A denúncia também citou as mortes de 46 dos 148 indivíduos enquanto estavam detidos, pelo menos um ano antes de um tribunal revolucionário ordenar que fossem enforcados; a transferência de 700 moradores de Dujail para um remoto centro de detenção no deserto no sul do Iraque, onde mais pessoas morreram; a morte sob tortura de mulheres e crianças, bem como de homens e rapazes adolescentes; e a destruição da economia de subsistência de Dujail, com a erradicação das plantações de tamareiras e pomares, e a demolição de centenas de casas.
A fase do tribunal destinada à defesa deverá durar dois ou três meses, segundo especialistas em direito. Eles dizem que a tal fase se seguirá um recesso de talvez outros três meses enquanto os juízes avaliam os veredictos e as sentenças. Segundo os especialistas, o julgamento não terminará antes de setembro, mas eles admitem que a conclusão do processo poderá demorar mais vários meses caso o tribunal retroceda para o caos que caracterizou grande parte dos procedimentos iniciais.
Se Saddam ou outros réus forem condenados à morte, os veredictos serão automaticamente objeto de apelação por um tribunal de nove juízes, que, segundo os especialistas, poderiam levar de seis meses a um ano para emitir um parecer final. Todo esse processo poderá fazer com que uma resolução final só seja tomada em 2008. A lei iraquiana estabelece um prazo de 30 dias para que a pena de morte seja cumprida depois que as apelações forem negadas, e deixa pouco espaço para adiamentos.
Mas o tempo de vida de Saddam poderá depender do seu julgamento em um segundo caso, envolvendo a morte de 50 mil curdos iraquianos na chamada campanha de Anfal, no final da década de 1980, quando forças iraquianas usaram armas químicas contra habitantes de vilas curdas. O presidente iraquiano, Jalal Talabani, um curdo, disse que os curdos desejarão que Saddam seja julgado com relação àquele caso antes de ser enforcado.
Como existe apenas uma sala de tribunal em um edifício de segurança máxima na chamada Zona Verde de Bagdá, os juízes que julgam os ex-líderes iraquianos esperam dar início aos procedimentos relativos ao caso de Anfal tão logo o tribunal entre em recesso para avaliar os veredictos sobre o caso de Dujail, possivelmente já em agosto.
Saddam, 69, recebeu a denúncia relativa ao caso de Dujail na segunda-feira com um desdém característico, recusando-se a responder quando Abdel-Rahman exigiu que ele ficasse de pé e respondesse se é ou não culpado das acusações.
"Não posso lhe fornecer uma resposta curta a uma longa apresentação que desprezou todos os testemunhos dados neste tribunal", disse Saddam. "Não me importa se você ou alguém mais escreveu essa denúncia. Isto é algo que não desarrumará um fio de cabelo da minha cabeça". A resposta foi mais uma alusão àquilo que tem sido o tema central das suas tempestuosas declarações: a acusação de que os juízes e os promotores são fantoches dos norte-americanos.
Saddam explorou um outro tema favorito, o de que ele é o presidente legal do Iraque, estando imune a julgamentos. "Vocês estão defronte a Saddam Hussein, o presidente da República do Iraque", disse ele, com a intensidade da voz aumentando em um crescendo estridente. Abdel-Rahman contra-argumentou: "Você é um réu!", provocando uma nova resposta de Saddam. "Eu sou o presidente da República pela vontade dos iraquianos, e eu respeito essa vontade", disse ele.
Ao acusar todos os oito réus de crimes contra a humanidade, os juízes descartaram a possibilidade de acusações menos sérias contra quatro réus menos graduados, ex-autoridades locais de Dujail, uma cidade preponderantemente xiita no centro da região árabe sunita, 56 quilômetros ao norte de Bagdá. Agora, eles se juntam a Saddam e a três auxiliares de alto escalão - Barzan Ibrahim al-Tikriti, meio-irmão do ex-presidente e ex-chefe da inteligência; Taha Yassin Ramadan, ex-vice-presidente e líder do Exército Popular; e Awad al-Bandar, ex-procurador geral do tribunal revolucionário -, integrando o grupo que possivelmente será condenado à morte.
Todos alegaram inocência em voz alta, e, como Saddam, foram assinalados nos autos como tendo afirmado não serem culpados. Em cada um dos casos, Abdel-Rahman advertiu os réus e seus advogados. Ele disse que os ex-subordinados de Saddam não escaparão de serem sentenciados dizendo que estavam apenas cumprindo ordens. Abdel-Rahman disse ainda que Saddam e outros réus de alto escalão serão julgados segundo um padrão de legislação internacional que torna os líderes responsáveis por ações sobre as quais tinham conhecimento, sobre as quais deveriam ter conhecimento, ou que não impediram que ocorressem.
Apesar da natureza conturbada dos procedimentos, o tribunal anunciou as denúncias com o novo sentido de urgência e de ordem que tomou conta de todo o processo desde que Abdel-Rahman assumiu o controle sobre o caso em janeiro. Até mesmo Ibrahim, o meio-irmão de Saddam, pareceu ter moderado a sua usual arrogância indignada, ao responder às acusações de crime contra a humanidade, admitindo a probabilidade de ser condenado à morte. "Eu não tenho medo da morte, porque esse é o nosso destino", disse ele. "Tudo o que eu peço é a misericórdia de Deus".
Nenhum comentário:
Postar um comentário