Micro-pais de 140 mil habitantes no Golfo da Guiné, o arquipélago de língua portuguesa descobriu, na virada do século, que está sobre um manto de óleo. Tragédias da mentalidade colonial: em vez de grande oportunidade, o achado atiça desigualdades, golpes e divisões
Jean-Christophe Servant
O vinho branco, um chardonay Chamonix, vem de suas próprias vinícolas sul-africanas e é bebido facilmente no calor equatorial de São Tomé e Príncipe. Ainda assim, Chris Hellinger é amargo: "Aqui há somente corrupção e concorrência entre os dirigentes políticos. A razão é o petróleo". Hellinger sabe o que diz. Na liderança da Island Oil Exploration, uma empresa registrada nas Bahamas, esse homem de passado conturbado [1] foi um dos primeiros a procurar óleo em vão no arquipélago, um dos menores países da África (140 mil habitantes em duas ilhas, que juntas têm o tamanho de Andorra e são vizinhas ao Gabão). Era o final dos anos 1980. Independente desde 12 de julho de 1975 e dirigida pelo presidente Pinto da Costa, a antiga colônia portuguesa deixava o marxismo para abrir-se ao multipartidarismo por ocasião de uma conferência nacional histórica, a primeira do continente africano.
As pesquisas realizadas nas profundezas das águas territoriais do norte do arquipélago, no limite das reservas de carbono da Nigéria, deram frutos na virada do século: com reservas estimadas de 11 bilhões de barris de óleo bruto, o país pode tornar-se uma espécie de Brunei do golfo da Guiné e produzir perto de 80 mil barris por dia. Mas a custo de quanta crise política, corrupção e concessões geopolíticas?
O petróleo está deteriorando o ambiente político no país. Desde a eleição do presidente Fradique de Menezes em 2001, São Tomé e Príncipe não parou de mergulhar na instabilidade. Houve uma tentativa de golpe em julho de 2003, quando este empresário do cacau, posto no poder por seu predecessor Miguel Trovoada, foi provisoriamente destituído. Seguiram-se as crises, tendo como pano de fundo as lutas por poder, quase sempre virulentas, entre o chefe de Estado e a coalizão governamental dirigida pelo ex-partido único, o Movimento para a Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD). Lá também, todas as oportunidades se desfazem ao cheiro do ouro negro. Mais precisamente, naquilo que envolve a concessão de exploração de petróleo a companhias estrangeiras, no âmbito da Zona de Desenvolvimento Conjunto – JDZ, em inglês – gerenciada depois de 2001 em conjunto pelo arquipélago e seu poderoso vizinho nigeriano [2].
Durante a última crise, onde explodiu pela primeira vez a cólera da população, como ilustra a primeira manifestação de estudantes organizada em trinta anos de independência, Fradique perdeu seu quinto governo. Em 2 de junho de 2005, o primeiro ministro Damião Vaz d’Almeida pediu sua demissão ao chefe de Estado. O partido julgou fraudulento o procedimento de atribuição de milhares de quilômetros quadrados à companhias estrangeiras sem exames técnicos prévios. Nessa nova página da tragicomédia de São Tomé, acirradas discussões começam antes mesmo de o petróleo jorrar. O Estado iria receber 113,2 milhões de dólares pelas concessões — isto é, três vezes mais que seu PIB (Produto Interno Bruto), até então dependente da renda da cultura de cacau.
A hora dos protestos populares
A essa situação instável, juntou-se o descontentamento de uma população que vive com menos de 300 euros por ano. Desde o fim de 2004, os dividendos das primeiras concessões, cerca de 49 milhões de euros, ficaram estranhamente bloqueados, e sem juros, nos cofres da filial local de um banco de Abuja (Nigéria) - o banco Hallmark, ligado ao antigo presidente do senado nigeriano, que caiu por corrupção. A chamada à ordem autoritária do presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, na ocasião de uma rápida visita a São Tomé e Príncipe a fim de resolver "questões técnicas transformadas em problemas políticos", levou o país a convulsões e rumores. No dia 31 de maio de 2005, tendo como justificativa um pedido de aumento de salário do setor público, uma greve geral paralisou o país.
Em São Tomé, é preciso saber ler as entrelinhas. Nesse micro Estado do Golfo da Guiné, colonizado por Portugal desde o século 16, a pequena elite política constituída com a independência não parou de enriquecer às custas de uma população que percebemos sem eletricidade e estradas logo que deixamos a plácida capital São Tomé [3]. Depois de ter contribuído no desvio de grandes somas de ajuda internacional (da qual o país é forte recebedor), a maior parte dos membros das classes dirigentes não desperdiçou muito tempo tentando compreender que é de seu próprio interesse lançar-se na corrida pelo ouro negro. Afinal, qual é o problema de trocar a embalagem, contanto que tenhamos no conteúdo a embriaguez dos petrodólares?
Uma empresa tem nisso um papel tanto conturbado quanto determinante: a Environmental Remediation Holding Corporation (ERHC). Em 1997, esta companhia norte-americana assinou um acordo de monopólio particularmente vantajoso com São Tomé. Desde então, apesar das renegociações e da dúvida que continua a pairar sobre a viabilidade do compromisso, a empresa envolve-se em negócios de Estado, passando pelos âmbitos técnicos, éticos e sobretudo pelos votos piedosos de transparência preconizados pela comissão bilateral que gerencia a zona de desenvolvimento conjunto. Chegou, por fim, a se conceder a maior parte do bolo de concessões de exploração. Associada a pequenas companhias e já implicadas nas jazidas da ditadura de Guiné Equatorial, a ERHC está agora entre os cinco blocos de concessão que acabam de ser entregues, sendo a acionista majoritária dos dois mais promissores.
Sob o tacão dos EUA ou da Nigéria...
A ERHC foi recapitalizada em 2001 pela empresa Chrome Energy, do nigeriano Emeka Offor, milionário e "padrinho" da política do Estado de Anambra na Nigéria. Presidente de um Conselho de Administração onde está também Howard F. Jeter, antigo embaixador dos Estados Unidos em Lagos, Offor é, aliás, um dos principais financiadores da reeleição do presidente nigeriano Olusegun Obasanjo em 2003... quando ele terminar seu segundo e último mandato (as próximas eleições gerais acontecerão em abril de 2007), será que vamos assistir a um assalto nigeriano ao petróleo de São Tomé por meio da ERHC e várias outras companhias minoritárias dirigidas por pessoal próximo à Nigéria?
Um contundente editorial do Washington Post, publicado no dia 1º de junho de 2005, deixa claro: "Essa concessão de direitos de exploração parece ruim". Com maior gravidade, Nicolas Shaxson, analista britânico do instituto de negócios internacionais estima "que primeiro os norte-americanos, depois os nigerianos, ludibriaram esse pequeno país, usando para isso a ERHC. Para ver desbloqueado o dinheiro das primeiras concessões, São Tomé deveria concordar com as propostas nigerianas a respeito de uma segunda rodada de atribuição de blocos". Patrice Trovoada, filho do antigo presidente e ex-executivo da ERHC, conta: "No momento da negociação que pretendia estabelecer a Zona de Desenvolvimento Conjunto, os membros da delegação nigeriana não queriam aceitar nada. Começamos a discussão com uma distribuição de 90% para a Nigéria e 10% para nós. Mas não cedemos e as pretensões deles se reduziram em um terço (60% para os nigerianos e 40% para o arquipélago). De qualquer modo, são 140 milhões de habitantes contra 140 mil..."
Tanto no surpreendente sucesso da ERHC, como na gestão da zona de desenvolvimento conjunto, o apetite do vizinho nigeriano não poderia ser mais emblemático. A Zona de Desenvolvimento Comum é dirigida por uma autoridade comum (A JDA), sediada em Abuja. A Nigéria "parece cada vez mais se comportar em relação a nós como o Iraque de Sadam se comportou com o Kuwait", diz um jornalista de São Tomé, "com tudo o que isso implica de impaciência popular". A população não entende por que o dinheiro do petróleo tarda em chegar. "Como explicar isso ao povo", conclui Trovoada, "quando você mesmo não segue os mecanismos de transparência? Estamos agora em um ponto em que qualquer pessoa um pouco esperta e demagoga pode muito facilmente instalar uma ditadura aqui".
Antes de se sujeitar aos ditames da ERHC, o presidente Fradique de Menezes não havia deixado de denunciar os contratos assinados com esta empresa. Era ainda a época em que o presidente parecia ser tolerante com as companhias norte-americanas, hoje muito críticas de seu governo. A situação chegou a tal ponto que foi uma conselheira norte-americana instalada no país quem escreveu seu discurso histórico pronunciado diante do presidente George W. Bush em 2003 em Washington. Nessa época, o arquipélago parecia a ponto de receber uma base da marinha dos EUA destinada a garantir a segurança das jazidas do Golfo da Guiné — de onde Washington pretende importar 25% do óleo bruto, até 2015.
... e o olhar de Angola, Brasil, França, China...
O MLSTP-PSD é historicamente ligado à Sonangol, a companhia de petróleo angolana, que também contava levar sua parte nesse carteado pouco honesto. Há ainda os brasileiros da Petrobrás. O presidente Luis Inácio Lula da Silva já fez duas viagens oficiais a São Tomé e Príncipe. E, evidentemente, há também os operadores franceses, ainda um pouco tímidos. A República Popular da China já está à espreita na esperança de que São Tomé e Príncipe, que reconhece Taiwan desde os anos 1990, aproxime-se novamente de seu parceiro histórico do pós-independência. Isso não deve levar muito tempo, conforme testemunha a participação de representantes do Partido Comunista Chinês no último congresso do MLSTP-PSD em 2005, para grande descontentamento do embaixador de Taiwan.
"Esse petróleo deveria ser um dom de deus. Mas, ao invés de nos unir, ele nos separa". Autor de um golpe de Estado fracassado em 2003, o major Fernando Pereira gostaria que o mundo se lembrasse de um golpe "sem violência e destinado a enviar uma mensagem à comunidade internacional sobre a realidade em São Tomé: uma democracia de fachada onde o Estado não existe, com um exército controlado por uma classe política disposta a realizar seus interesses em detrimento daqueles do país, onde a corrupção se intensifica, enquanto o povo empobrece."
Mas quem vai ficar mesmo na memória são as companhias desse oficial, hoje com 53 anos. Liderados por Alersio Costa, 14 "ex-Búfalos" naturais São Tomé, vindos de tropas de choque anti-marxistas da África do Sul do apartheid - inicialmente engajadas contra o regime comunista do presidente Pinto da Rosa nos anos 70 - fizeram parte de um complô para derrubar a Terceira República de São Tomé.
O risco de golpe e secessão
"Formados por Pretória e engajados na Namíbia e em Angola, os Búfalos são verdadeiros profissionais da guerra", continua o oficial, que reivindica 80 euros de soldo depois de 29 anos de trabalho. "E eles continuam perigosos. Nada foi decidido a respeito desde 2003. Em vez de atacar os problemas de gestão, é como se decidíssemos simplesmente nos vingar no exército. Nossa patrulha marítima não possui nem mesmo barcos! Não é difícil ver o problema que isso acarreta em um país que, com o advento da descoberta de petróleo, deveria mais que nunca proteger suas fronteiras marítimas". Ele acrescenta: "Agora, com o petróleo jorrando e a classe política disputando avidamente as concessões de blocos, é previsível que o próximo golpe seja muito mais sangrento".
Reeleito, diante de Patrice Trovoada, no dia 30 de julho de 2006, o presidente Fradique Menezes começou agradecendo o Procurador da República, Adelino Pereira, que investigou as irregularidades na atribuição de concessões. O que foi um grande desgosto para a vizinha Nigéria, que chegou a boicotar as convocações do juiz [4]. Mais que de São Tomé, é de Príncipe, sua irmã gêmea, que podem vir os primeiros grandes problemas do arquipélago.
É dessa ilha, com uma população essencialmente composta de "contradores" [5], de origem cabo-verdiana, que partiu para o Gabão a maior parte dos opositores do presidente Pinto da Costa nos anos 70 e 80. É também Príncipe, 150 quilômetros mais ao norte, que é banhada pelas águas da Zona de Desenvolvimento Comum. Contudo, Príncipe, com seus 5 mil habitantes, é ainda mais esquecida que São Tomé. Dos 40% de dividendos da Zona Comum, essa ilha terá somente 7% em seus cofres. Em Santo Antônio, a maior cidade da ilha, os raros nigerianos presentes preocupam-se com o crescimento da xenofobia, e a juventude reclama.
A exemplo de Cabinda, província angolana do petróleo esquecida pelo governo central [6], poderia Príncipe fazer um movimento de secessão? No início de 2005, um defensor dos direitos cívicos de Cabinda (Angola), Raul Danda, estava em visita a São Tomé. Levantando suas reservas contra a "maldição" do petróleo, o angolano avisou: "Os políticos farão desse petróleo sua riqueza pessoal, reservando à população o pesadelo da miséria". Em São Tomé e Princípe, o óleo só deve começar a jorrar no fim da década. Mas os maus ares do petróleo já são sentidos. Uma desilusão para aqueles que pensavam que o país romperia com esse ciclo nefasto do ouro negro, que afeta infelizmente todos os países da sub-região.
Tradução:LeonardoAbreu
leonardoaabreu@yahoo.com.br
segunda-feira, outubro 16, 2006
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