quarta-feira, julho 13, 2005

1955 tem tudo a ver com 2005. ( Com o nosso... )



Faz tanto tempo que não me divertia tanto com um livro. "Black Vinyl White Powder" ("vinil preto pó branco") foi escrito por Simon Napier-Bell, figura que atua na indústria musical britânica desde os anos 50, trabalhando principalmente como empresário de artistas, sendo o que salta na sua biografia são os Yardbirds (grupo por onde passaram Eric Clapton e Jeff Beck), Japan e Wham!/George Michael. Em todas essas décadas de bastidores, Napier-Bell viu de tudo. E aqui ele conta bastante do que viu, dos anos 50 aos 90, com muita franqueza. Pena que é só em inglês.

Apesar das fartas doses de sexo, drogas e corrupção, me chamou muito a atenção um educativo capítulo sobre a reviravolta que aconteceu na indústria musical inglesa há cinquenta anos (à semelhança do que aconteceu em todos os outros mercados de música na época).

Até a primeira metade da década de 50, quem reinava eram as editoras musicais. Partituras de músicas davam muito mais dinheiro que álbuns ou singles. As pessoas (mais velhas, jovens não compravam música nesse tempo e nem havia música feita para eles) compravam para tocar no piano ou violão de casa. Vários artistas gravavam a mesma música, que raramente ficava conhecida por uma versão em especial.

No rádio, havia pouca música e esta era quase sempre ao vivo, com intérpretes diferentes a cada vez indo cantar as músicas cujas partituras estavam entre as mais vendidas. Se uma gravadora queria lançar um artista novo, ele tinha que cantar algumas das músicas mais vendidas para se destacar. As pessoas conheciam e compravam a música, não o artista. Um artista ganhava dinheiro se apresentando, não vendendo discos (essa situação está de volta aos dias de hoje).

Aí surgiu o poder de compra jovem, o "teenager" passou a ser visto como um grupo socio-econômico distinto e, na esteira disso, apareceram o rock'n'roll e a indústria pop em volta de estrelas e suas personalidades. As gravadoras abraçaram esses novos conceitos já que lhe ajudavam a vender mais discos: foi aí que uma única versão de uma música passou a ser a conhecida e executada. As gravadoras ganharam dinheiro e poder. As editoras continuaram poderosas com sua arrecadação de royalties mas a venda de partituras encolheu muito. E elas tiveram que repartir seu poder com as gravadoras, que é o que rola até hoje.

Mas por quanto tempo? Se tem uma coisa fundamental que 1955 nos ensina é que as coisas podem mudar no establishment e nos ditos "pilares" da indústria sim, e mudar radicalmente. Portanto as gravadoras hoje podem até botar gente na cadeia porque estão baixando músicas mas nada, nada mesmo, vai impedir a irresistível mudança nos hábitos de se consumir música.

Ao que tudo indica, a venda de CDs em lojas está tomando o rumo das partituras musicais. Retração e retração, talvez o sumiço completo. E isso ainda não é nada: a necessidade de se pagar por música já se tornou supérflua. Basta um computador, conexão a internet. Se quiser, você nunca mais pagará um centavo para ter acesso a quase toda música que o ser humano já gravou.

O que é bom ou ruim nessa nova ordem? A gente pode continuar essa conversa outro dia. Mas seria tolice se recusar a enxergar que, como em 1955, a ordem das coisas está mudando pra valer.

Camilo Rocha
Camilo Rocha é DJ, produtor musical, jornalista e festeiro profissional.

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