domingo, julho 10, 2005

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Para especialistas, números oficiais divulgados pelo programa de combate à droga são "pouco realistas"

Produção de cocaína dribla Plano Colômbia

CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL À COLÔMBIA

É uma questão de minutos para a carga ser retirada das pequenas caminhonetes que descem as veredas das montanhas da Serra Nevada, depositada na deserta praia das Sete Ondas e então carregada em pequenas lanchas. Também em poucos minutos as lanchas atingem o alto mar do Caribe, em direção a San Andrés, Haiti, México -e, daí, para os EUA. A carga: cocaína pura.
A operação, na zona de Santa Marta -área controlada pelos paramilitares da AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia)-, é um exercício de treinamento militar, mas ilustra como 300 toneladas anuais de cocaína -quase uma tonelada diária- escoam pelos 1.600 km de extensão da costa norte colombiana, principal corredor de escoamento da droga para a América Central e o Caribe, por onde passa 70% do que consome o mercado americano.
Com um forte aparato composto de forças americanas e colombianas, a chamada Operação Muralha de Fogo conseguiu interceptar apenas 6,8 das 300 toneladas que passaram pela área em 2004 e capturar nove pessoas. Neste ano, até maio, foram 2,3 toneladas de coca interceptadas.
Para muitos, a costa norte colombiana é a face mais visível do balanço no mínimo ambíguo de quase cinco anos de Plano Colômbia, o programa de assistência militar dos EUA que chega ao fim em dezembro.
De 2001, primeiro ano após o início do plano, até 2004, a redução na produção de cocaína foi de 36,8% -de 617 para 390 toneladas. A meta original era 50%.
A redução não foi suficiente para atingir os níveis de produção anteriores ao início do plano. Em 1994, por exemplo, a Colômbia produziu 201 toneladas de cocaína -189 a menos que em 2004, o que indicaria uma tendência à estabilização da produção no longo prazo.
A Colômbia ainda é o maior produtor mundial de cocaína, sendo responsável por 56% da produção cujo principal destino os EUA, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2005, divulgado pela ONU recentemente.
Em defesa do plano, Bogotá e Washington alegam que, em 2004, pela primeira vez conseguiram impedir que metade da produção potencial de cocaína -687 toneladas- chegasse a termo.
Apontam ainda que, em 2001, a Colômbia apresentava 169 mil hectares cultivados com a planta da coca. Ações de erradicação fizeram com que a área caísse para 80 mil hectares no ano passado.
No entanto, para reduzir a área de cultivo de 86 mil hectares em 2003 para os 80 mil hectares, as forças colombianas precisaram pulverizar 132 mil hectares.
A diferença se explica, entre outros fatores, pela alta taxa de replantio. Em média, 40% da área erradicada volta a ser plantado após três ou quatro meses, segundo a ONU e o governo dos EUA. Ao menos 10% das plantas sobrevivem à pulverização.
"Os narcotraficantes não estão dispostos a abrir mão de sua produção e replantam uma alta porcentagem do que é erradicado", disse à Folha uma alta fonte diplomática de controle de narcóticos, em Bogotá.
No departamento de Nariño, por exemplo, onde o cultivo é dividido entre paramilitares e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a estimativa é que 90% da área pulverizada seja replantada. "Fora os novos campos abertos para novos cultivos", disse a fonte.

Cálculos
"Diz-se que há uma redução de 50% nos cultivos, mas tudo indica que a quantidade de cocaína continue sendo mais ou menos a mesma de há anos e que a demanda continue mais ou menos igual. Isso porque o preço [da droga] no mercado não mudou de maneira substancial", disse à Folha o analista militar Alfredo Rangel, que dirige a Fundação Segurança e Democracia em Bogotá.
"O último informe da ONU fala de um aumento dos consumidores de coca no mundo, de 13 milhões para 13,7 milhões. Aumentando o consumo, o preço deveria aumentar, se a produção cai", explicou Rangel, ex-assessor presidencial de Segurança Nacional (1998-2002). "Isso não está acontecendo, então é muito provável que esses cálculos não sejam muito realistas."
O analista explicou que, enquanto algumas zonas sofreram redução no cultivo, houve uma multiplicação do plantio em outras. "Adicionalmente, em algumas áreas a produtividade do cultivo aumentou, ou seja, há um número maior de matas de coca e essas matas aparentemente produzem uma maior quantidade da substância ativa da coca. Há também espécies mais resistentes à pulverização." Além disso, afirmou, os cultivos estão mais dispersos, o que os torna mais difíceis de detectar e pulverizar.

Parques
Uma das áreas em que houve um aumento substancial no cultivo de drogas, em que pesem os esforços do Plano Colômbia, são os parques e reservas naturais. Já foram detectados cultivos ilegais em 22 das 49 áreas protegidas, que abrigam, segundo estimativa oficial, 9.000 hectares de coca.
A Serra Nevada, dentro do parque nacional de Tayrona, é um desses lugares. Alturas que se pensariam inalcançáveis escondem não apenas plantações de coca, às vezes camufladas entre outras roças, mas acampamentos de cocaleiros e laboratórios rústicos de produção da cocaína, conforme constatou a reportagem da Folha ao sobrevoar a área em helicóptero. A destruição ambiental é considerável.
Na reserva nacional de Nukak, centro do país, o aumento dos plantios de coca foi de 97% apenas entre 2000 e 2002 -foi de 743 para 1.462 hectares.
"Os cultivos estão aumentando bastante em parques e reservas naturais porque os narcotraficantes sabem que o governo não pode pulverizar essas áreas por razões ambientais", disse a fonte diplomática de controle de narcóticos em Bogotá.
A erradicação manual é, na prática, impossível, pelo difícil acesso e por razões de segurança. Muitas áreas, por exemplo, estão no coração dos combates do Plano Patriota, ofensiva militar do governo Álvaro Uribe contra as Farc.

Presença
Apesar dos problemas, os EUA apontam avanços resultantes do plano. "O governo estabeleceu presença em todas os municípios [áreas urbanas] do país, em lugares onde isso não existia há até 20 anos", disse um alto oficial das forças especiais americanas na Colômbia.
"Só como um exemplo, em Saravena [nordeste], que já foi apelidada de Sarajevo devido à alta mortalidade e onde há dois anos os soldados nem sequer saíam dos quartéis, hoje há cinco projetos de ação civil em andamento."
Isso não significa que o terço do território controlado pelas Farc tenha sido retomado, mas que o conflito armado acabou concentrado nas zonas rurais, onde a guerrilha mantém seus redutos.
"Depois que uma cidade é retomada, há um trabalho para restabelecer a presença do Estado que inclui polícia, serviços de saúde e de educação, o que é essencial para restabelecer a legitimidade do governo, e estamos ajudando os colombianos nisso", disse o oficial. "Um Exército de 200 mil homens é grande, mas eles não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo. É preciso colocar o tamanho do país em perspectiva", ressalvou.


A jornalista Carolina Vila-Nova viajou à Colômbia a convite do Departamento de Estado dos EUA. O transporte a zonas de conflito ocorreu em avião militar americano e helicóptero policial colombiano.

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