terça-feira, junho 28, 2005

o dedo do meio é a mensagem.

>MUITO SEXO SEM SEXO NENHUM

Algumas anotações casuais sobre amor, corpo e putaria

O sexo é provavelmente a atividade humana que atrai mais paradoxos e dubiedades. É uma das mais praticadas - e das menos compreendidas. Em geral quem se dispõe a afirmar coisas sobre o sexo é quem menos o pratica (pelo menos em tese...), ou o pratica com menos gozo, como os padres e sacerdotes cristãos em geral.

As gírias derivadas do sexo podem significar tanto experiências negativas (“foder alguém”) como francamente positivas (“isso é foda, fodido de bom”). É freqüente um relacionamento com um bom e forte aspecto sexual disparar logo mecanismos negativos - ciúme, necessidade de controle, culpa -, que são o oposto simétrico da descontração, da intimidade e da entrega que uma transa pode propiciar.

A própria ciência, e o comércio, se perdem com o sexo. A tentativa de lançar um medicamento feminino com funcionamento similar ao do Viagra está esbarrando em um problema inesperado. Foi sintetizada uma substância que dispara os mecanismos de excitação do corpo feminino. Mas, ao contrário dos homens, as mulheres artificialmente excitadas... não querem transar automaticamente.

Esse funcionamento seletivo (“ético”?) do tesão feminino parece ir na contramão da nossa percepção patriarcal, herdada da Idade Média, de que a mulher é a condutora do pecado, da luxúria, à espreita do homem, por natureza honesto e batalhador. E também do conceito sufi que define como “homem” (independente do gênero) quem conhece com a mente, e como “mulher” (idem) quem se entrega ao universo das sensações.

Ora, pensando bem, talvez os cristãos medievais tivessem mesmo alguma razão em achar que a mulher é um perigo - uma criatura que domina o seu próprio tesão. E que pode excitar uma outra criatura (o homem) ao ponto de que ele perca o controle. Então ela pode arrancar dele o que quer (dinheiro, sustento), sem que tenha que se entregar (sutilmente falando, claro).

Sexo e poder. Putas e clientes. Esposas e maridos. E porque será que o sexo gay (entre iguais) é tão mais objetivo e desinibido? Chegamos ao nó.

EU ERA UM LOBISOMEM ADOLESCENTE
Ou seja, eu era um cara normal (vou passar ao registro pessoal porque, a partir daqui, ele fica mais confiável que a tentativa de generalização). Eu gostava de ter uma namorada, mas também gostava da idéia de comer mulheres gostosas. Por outro lado, reagia mal à idéia de que ela igualmente poderia pensar em comer uns caras gostosos.

Nunca tive ciúmes do Mel Gibson (é, naquela época ele não era cristão ortodoxo), mas digamos que eu mantinha um olho de dono sobre a “noiva”. Não era bem essa a nomenclatura adotada, “noiva”, mas a moral, de classe média, era igual. Fui adiando o casamento.

Então, um dia, eu tive que sair do apartamento em que eu morava, em uma travessa agradável da avenida Angélica. Tive essa estranha idéia de me mudar para a parte baixa, central, da rua Augusta, já quase dentro do quarteirão das saunas e boates. Uma escolha inesperada para um cara que, apesar da queda pelo underground urbano, não deixava de ser limpinho, e um tanto careta nos seus costumes sexuais.

A noite na Augusta das putas é confusa, fedida de cheiro de churrasquinho e perfumes baratos e restos de comida saindo dos sacos rasgados pelos mendigos, do vômito dos adolescentes manés e dos incensos das putas místicas, barulhenta das buzinas e dos xingamentos e das cantadas toscas, nível “aí bucetudaaaa”.

Bom, eu fiquei um quarteirão acima dessa zona toda (antropologia tem limite), mas aparentemente estava tentando dar uma olhadinha na beirada do buraco (ops), sem me comprometer muito, e ainda sem um objetivo claro. Já tinha comido duas ou três putas na vida, curiosamente durante meu relacionamento mais duradouro, e não por falta de um. Não gostei; faltava... envolvimento. Talvez eu não fosse um lobisomem afinal.

Isso me faz lembrar de uma música de uma ótima demo do Second Come (alguém lembra dessa banda carioca do início dos anos 90?), chamada “The Shower”, em que o cara diz que tudo que quer depois de comer uma puta é tomar um banho. Vim a apurar com elas, as putas, que essa é a atitude da maioria dos clientes mesmo. Quase ninguém quer ficar de conversinha (e nem ela, que têm mais o que fazer).

Comecei a observar a agradável diversidade das moças: altas e baixas, loiras e mulatas, gaúchas e piauienses; numa esquina uma punkette esquálida de alfinete e tudo e na outra uma portentosa peituda fazendo tricô (juro). Simpatizava com elas na mesma medida em que antipatizava com os clientes.

Esses não têm variedade nenhuma: é sempre o mesmo cara surtado, prepotente, obcecado com mulher, metido a engraçado mas desbocado de um jeito que resvala para a agressão. E gay enrustido, claro: o que vão fazer cinco caras bêbados e travados juntos em um carro quando a noite acabar? Pegar puta não é; só pode ser pegar no pau um do outro.

(Já vi um jovem judeu ortodoxo, aqueles de barba, cachinho e quipá, pegar uma mulher, depois de ficar vacilando, subindo e descendo a rua olhando pra ela. Mas, pensando bem, fora o senso de humor duvidoso dos outros, esse também não deixa de corresponder ao padrão - surtado, prepotente, obcecado, gay enrustido no amor do Deus Pai).

Eu me fazia então uma pergunta insistente: como é que eu podia gostar tanto delas, as putas, e gostar tão pouco deles, os clientes? Não era tudo o mesmo jogo, o mesmo ecossistema?

ESPÍRITO VERSUS ALMA, AMOR VERSUS SEXO
Meu relato pessoal acaba aqui. O que eu descobri, e como descobri, botei em um romance, A Estratégia De Lilith (Conrad, 2001). Teve gente que achou o livro ligeiro, superficial, mas o “laboratório” quase me matou de desespero. Agradeço ao leitor que, em uma lista de discussão, usou o termo “Skol arte” para definir um troço que é tão intenso que, se não for tratado com uma certa superficialidade, simplesmente não desce.

E me permito partir, de novo, para algumas generalizações. Acontece que putas, artistas e sacerdotisas lidam exatamente com a mesma energia, mas em diferentes oitavas. Todas elas são filtros para uma certa energia (que eu por sinal continuo achando meio antipática), dita masculina. (Im)positiva, prática, espiritual, rápida, luminosa, empreendedora, exterior, ordenante. Querendo baixar à terra - e de preferência sem fazer muito estrago.

Acontece que a matéria - o feminino -, é lenta, obscura, negativa, transbordante, interior, sentimental beirando a melancolia. É receptiva por definição, mas tem que ser respeitada em seus ciclos e ritmos. E a linearidade objetiva do espírito é impaciente, convertendo-se com uma freqüência perigosa em exigência, coisa que aqui na terra, na matéria, simplesmente não funciona. E então... foda-se (no mau sentido). Entra atravessada mesmo.

O sexo (pelo menos o hetero; o homo pede uma discussão mais complexa) é nada mais nada menos que o encontro dessas polaridades, o momento em que elas se observam de muito perto, um instante antes de se fundirem. O próprio casamento alquímico, segundo Jung. O encontro do Espírito com a Alma (ééééé, são coisas diferentes).

Ora, visto assim, o que pode ter de bom na solidão da pornografia, na putaria da net ou da TV, no sexo pago com estranhas(os)? Seriam essas coisas censuráveis? Não, porque são melhores do que nada. Transmutam a energia penetrante em algum nível - ou ela vai virar destruição, briga, guerra, que é a determinação do espírito capturada pela tensão da matéria. Melhor dar uma gozadinha.

A puta não é “como” uma sacerdotisa, ela é uma sacerdotisa, e das mais atuantes nestes tempos de superficialidades. Só que ela em geral não sabe disso. Pensa que faz o que faz por dinheiro - o que a iguala, no nível da consciência, ao playboy que a come. Um suposto choque de “orgulhos” egóicos para ocultar uma (des)conexão metafísica.

Não há sexo sem amor. O sexo humano, muito simplesmente, é o amor. O sexo sem amor é o sexo... sem sexo (eu ia botar “sem nexo”, mas vou poupar o Henry Miller dessa). Ele pode ser bem ou mal urdido, com parceiros sofisticados ou toscos, amantes doces e refinados ou pouco mais do que punheteiros ao vivo. Mas aquele ápice de reconhecimento que precede a dissolução do ego, o mergulho no todo indistinto, continua a ser uma das nossas mais sensacionais experiências possíveis de amor: exatamente o amor vivido no corpo animal (que, por si, não ama. Amar sem corpo é fácil).

Há quem não saiba o que fazer com isso - mas que não consegue parar de buscar por esse momento. Nesse sentido, é uma compulsão exatamente igual ao barato profano das drogas, uma versão diluída do transe transcendental. Até por isso é que a putaria e as drogas se realimentam.

Os espíritos covardes picam o feminino em pedacinhos (às vezes literalmente). Querem uma esposa em casa, na qual se baseia o “lar” - não há lar sem alma, sem mulher -, mas logo perdem a excitação sexual, porque essa já é terra conquistada. E querem as “vagabundas” na rua, que garantem a vibração da novidade, mas que não dão boas esposas - afinal elas lidam com o tesão muito objetivamente, como homens.

E há, claro, mulheres partidas, as putas e as esposas, que gostam das vantagens que acham que obtém com essa negociata. Isso é amor? É foda.

(publicado na Zero #13, abril de 2004) a página do cara é essa ó.

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