sábado, agosto 19, 2006

Novos poetas nomeiam o agora e "agoram-se"

Revista "Inimigo Rumor" aposta no fragmento

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA


Se a idéia de totalidade está previamente fracassada, o melhor a fazer não é lamentar-se nem acreditar num grande futuro, que também não virá. Nem luminoso nem catastrófico a ponto de justificar uma total desilusão. O que resta, então, para os produtores da cultura? Transformar o presente em tempo e em linguagem. Nomear o agora e "agorar-se".
É o que fazem os novíssimos poetas na revista "Inimigo Rumor", publicação da editora Sette Letras, do Rio de Janeiro e da editora Cosacnaify, de São Paulo. Os 15 novos poetas apostam no fragmento, na fala do agora. Os cortes dos versos são inesperados, estranhos, com aparência de prosa gratuita. O tempo métrico é trôpego: "cruza uma esquina e vê. desligou/ a chamada na hora/ precisa, a voz cortada outra/ vez antes de seguir/pelas ramblas"; um título de poema que é: "O QUE PASSOU PELA CABEÇA DO VIOLINISTA EM QUE A MORTE ACENTUOU A PALIDEZ AO DESPENHAR-SE COM SUA CABELEIRA NEGRA & SEU STRADIVARIUS NO GRANDE DESASTRE AÉREO DE ONTEM"; ou "Venho tomar café/ como quem reincide no vício./ Disse/ a mim mesma/ uns dias atrás" ou "sabe aquele tecido que quanto mais a gente lava/mais fica macio e desbotado?", alguns dentre inúmeros exemplos de pontuação insólita, interrupções bruscas, criando descontinuidade.
A descontinuidade é uma das chaves para a transformação do tempo caótico em coisa, em nome e em alguma luz. Não mais o total; mas o completo parcial. É o que aparece na entrevista que a revista traz com o escultor Richard Serra, sobre seu último trabalho, a série "Torqued Ellipses". Em meio a uma extensa explanação sobre o projeto, o artista diz ter criado um espaço desestabilizador e de desorientação. E afirma que o significado de uma obra não está nas intenções, mas em seu esforço e atividade. O esforço não como demonstração de destreza, mas como ação, mesmo que desorientada e desorientadora. O tempo como ato e não somente como potência.
Finalmente, no polêmico ensaio final da revista, Ricardo Domeneck procura entender o porquê da ínfima repercussão da produção poética no Brasil. Recusa um cânone, a formação de uma tradição e sua continuidade, e propõe uma poesia antenada com seu tempo e as determinações históricas e tecnológicas, quebrando tabus sobre a necessidade da arte de adequar-se aos meios de comunicação de massas.
Em outras palavras, o "Make it New" de Pound precisa hoje ser acrescido do "Make it Necessary". Afinal, o tempo também pede algumas coisas ao homem. Precisamos responder ao tempo e, por isso, revistas como essa são necessárias.

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