sábado, agosto 19, 2006

O assassinato de García Lorca

Há 70 anos o poeta espanhol foi executado junto com um professor e dois auxiliares de toureiro

Luis García Montero

Na noite de 13 de julho de 1936 Federico García Lorca tomou o trem para Granada. Os poeta ainda avaliava a possibilidade de viajar para o México, convidado pela atriz Margarita Xirgu, para desfrutar do sucesso que estavam alcançando suas obras teatrais. Vivia um momento de plena maturidade e reconhecimento público, haviam-se perfilado todos os matizes de sua voz lírica nos poemas do "Divã de Tamarit" e acabava de escrever "A Casa de Bernarda Alba", uma obra plena, de grande significado na evolução teatral do autor, porque nela suas indagações estéticas superavam ao mesmo tempo o experimentalismo elitista da vanguarda e as facilidades populistas da arte comercial.

Poucos dias depois de ler diante de um grupo seleto de amigos o manuscrito de "A Casa de Bernarda Alba", tomou o trem para Granada. Além de passar o 18 de julho, dia de seu santo, com seus pais e sua irmã Concha, parece que queria afastar-se dos ares conflituosos de Madri por uma rápida temporada.

Mas Granada estava longe de respirar tranqüilidade. O poeta devia conhecer as tensões que se haviam condensado na cidade. Sua relação estreita com Fernando de los Ríos, deputado socialista por Granada, fazem pensar assim. A Frente Popular havia impugnado o resultado das eleições de fevereiro de 1936, denunciando a manipulação dos caciques na província. A repetição das eleições em 31 de março não serviu para acalmar as feridas abertas durante meses de grandes comícios, greves, tiroteios falangistas, incêndios, provocações e reações violentas.

Tratava-se de um mal-estar parecido com o que havia se apoderado de Madri, a mesma agitação promovida pela radicalização social e pelos conspiradores contra a República, interessados em alimentar a desordem.

Mas em Granada, uma pequena cidade de província, quase todo mundo se conhecia e as intrigas, os rancores, os ânimos de vingança, adquiriam uma proximidade caseira, muito propícia para encarniçar os ódios desatados em uma guerra civil.

García Lorca estava na casa de verão de sua família, a Huerta de San Vicente, quando os militares golpistas se apoderaram da cidade em 20 de julho. Granada era então um Comando Militar sob as ordens da Capitania Geral de Sevilha, assumida desde o dia 19 pelo general Queipo de Llano, um dos comandantes do exército que recorreu de forma mais decidida ao terror como conduta oficial dos golpistas.

A resistência da cidade foi mínima e heróica: grupos de operários com escopetas se entrincheiraram no Albaicín e mal puderam resistir ao ataque da aviação e da artilharia rebeldes. A repressão foi sem dúvida muito dura, e cruel, pois desnecessária. Nem Queipo de Llano nem o comandante Valdés Guzmán, as autoridades militares máximas, vacilaram na hora de aplicar o extermínio como o melhor método para a regeneração espanhola.

Sempre me surpreenderam as suposições sobre as razões últimas da morte de García Lorca (homossexualidade, disputas familiares, notícias de rádio, apolitismo). O poeta foi um dos mais de 5 mil granadinos executados em virtude dos conselhos de guerra ou dos passeios da Esquadra Negra. Entre outros, foram fuzilados o general Miguel Campins, chefe do Comando Militar e leal à República, o prefeito, o presidente da Câmara de Vereadores, o reitor da universidade, o diretor do jornal mais importante da cidade, "El Defensor de Granada", e diversos deputados, vereadores, professores, sindicalistas...

Como não iriam fuzilar um poeta republicano, partidário da Frente Popular e exemplo de liberdade viva nos ambientes mais sórdidos de um provincianismo que ele mesmo havia caracterizado como "a pior burguesia da Espanha"?

Federico García Lorca não se sentiu realmente ameaçado até 9 de agosto, quando uma patrulha irrompeu na Huerta de San Vicente em busca dos irmãos do caseiro, Gabriel Perea Ruiz. Insultado, golpeado, humilhado, temeu por sua vida e pediu auxílio a Luis Rosales, um poeta amigo, bem situado no novo regime pelo papel que seus irmãos falangistas e ele mesmo haviam exercido na rebelião. Rosales foi à Huerta e reuniu-se com a família para avaliar as diversas possibilidades. Federico García Lorca não quis se arriscar a cruzar as linhas inimigas para passar à zona republicana e preferiu se abrigar na casa familiar dos Rosales, no número 1 da rua Angulo.

Ali recebeu a notícia, em 16 de agosto, da execução de seu cunhado José Fernández-Montesinos, prefeito socialista da cidade. Nesse mesmo dia, por volta da 1 da tarde, Ramón Ruiz Alonso apresentou-se na casa dos Rosales com uma ordem de detenção. Ruiz Alonso, antigo deputado da CEDA e muito ativo nas lides repressivas dos primeiros dias da sublevação, cumpriu seu encargo de forma espetacular, com tumulto de tropas e cerco da casa.

O poeta foi conduzido ao Governo Civil. Luis Rosales tentou libertar seu amigo, mas no regime militar que ele e seus irmãos estavam ajudando a impor não havia lugar para cidadãos como Federico García Lorca.
Angelina Cordobilla, uma mulher que trabalhava para a família Lorca, levou comida para o prisioneiro na manhã dos dias 17 e 18 de agosto. Quando se apresentou na manhã do 19, disseram-lhe que o poeta não estava ali. Com efeito, durante a noite de 18 para 19 fora conduzido para La Colonia, uma prisão improvisada em uma vila de recreio nas proximidades de Víznar.

Ao amanhecer, como escreveu Antonio Machado, foi visto caminhando entre fuzis em Granada, a sua Granada. Foi executado junto com o professor Dióscoro Galindo e os banderilheiros Francisco Galadí e Joaquín Arcollas.

Um coveiro de La Colonia acompanhou há anos o escritor Ian Gibson à fossa onde foram sepultados os corpos. Durante muitos anos o Barranco de Víznar foi o território sagrado dos democratas granadinos, o lugar no qual prestamos culto a nossos mortos. A democracia urbanizou aquele espaço simbólico que havia formado a história bárbara da Espanha, construindo ali um parque em memória das vítimas da Guerra Civil.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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