MARCOS BOULOS
A USP se compromete com a construção de mecanismos e alternativas que combatam as formas tradicionais de exclusão
O EMPOBRECIMENTO da nossa sociedade provocou uma diminuição crônica dos investimentos em educação em nosso país e, por causa disso, houve nítida piora da qualidade do ensino público. Essa queda se acentuou nos últimos 30 anos, e a educação pré-universitária foi, com certeza, a mais prejudicada.
É consenso que o acesso ao conhecimento é fator fundamental para inclusão e transformação social. Assim, mais do que nunca, todos os brasileiros devem ter acesso à educação, desde a mais tenra idade até a profissionalização, seja esta de que nível for.
No caso brasileiro, contudo, é preciso ir além desse consenso. Tendo em vista os graves problemas sociais que vivenciamos atualmente, não basta apenas educar até o estágio profissionalizante. É necessário discutir que tipo de profissionalização devemos promover. São tantas as carências, que a formação profissionalizante deve ir além da capacitação técnica.
Deve incutir no educando o compromisso público de atuar em prol do bem comum, da superação das limitações impostas pelo tecido social. Deve formar profissionais e cidadãos.
A universidade pública deveria ser o agente por excelência desse esforço.
Mas, hoje, está longe disso. Historicamente informadora, formadora e transformadora, epicentro de grandes movimentos sociais, vê-se presa e inerte na atual conjuntura, preocupando-se apenas em graduar estudantes e realizar pesquisas que dão notoriedade ou promoção aos seus docentes. Vive centrada em seu umbigo, sem participar ativamente da turbulência social que a circunda.
A universidade pública também é afetada pela crise. As verbas para manutenção são cada vez menores, e, por causa disso, seus funcionários e docentes passaram a ter dificuldades para manter suas famílias, o que estimula a evasão de recursos humanos capacitados para a iniciativa privada.
A conseqüência direta desse quadro é a desmotivação, resultando em prejuízo na formação dos jovens. Ensinamos como décadas atrás, sem modernizar nosso "instrumental" de ensino. Ainda estamos vinculados a objetivos formais, com metodologias superadas, esquecendo que o objeto da atuação docente também é sujeito.
A despeito das sempre presentes discussões sobre a valorização do processo ensino-aprendizagem, dando maior destaque à participação do aluno, essa prática não está incorporada pela maioria dos docentes. O mérito acadêmico objetivo tem prevalecido largamente sobre a necessidade social, que é subjetiva -e raramente é levada em consideração.
Felizmente, há um início de mudança nesse panorama. A Universidade de São Paulo acaba de aprovar um projeto denominado de "inclusão social", por meio do qual procura abrir seus olhos e coração para a realidade que a circunda. O projeto visa as escolas públicas responsáveis pelo ensino secundário, propondo uma interação para aprimorar a formação de seus alunos. Para tanto, oferece mecanismos para aperfeiçoar os professores, com oportunidade para fazerem cursos de reciclagem e espaço para discutirem metodologias de ensino.
Os estímulos também se dirigem aos alunos. Para os da própria USP -de forma que também se engajem nesse esforço e dêem sua contribuição-, oferece subsídios para que montem cursos de aperfeiçoamento para estudantes oriundos das escolas públicas, visando fortalecê-los na disputa de uma vaga na universidade.
Para os alunos das escolas públicas, por sua vez, oferece um "bônus" de 3% na nota obtida no vestibular para ingressar na universidade. E possibilita que os aprovados realmente freqüentem a universidade, dando-lhes também subsídios econômicos que lhes permitam cursá-la até o fim.
Ao abrir essa janela, ou melhor dizendo, o seu coração, a USP se compromete com a construção de mecanismos e alternativas que combatam as formas tradicionais de exclusão e oferece à sociedade um modelo a ser seguido por outras instituições universitárias que não queiram fugir de sua responsabilidade social.
Paulo Freire, educador de maior relevância em nosso país, destacava em seu discurso um componente social que jamais devemos ignorar: "Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente, como se, misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele". As perguntas a que se refere Paulo Freire já são bastante conhecidas. Nosso desafio é construir as respostas. A USP já deu um passo. Há muitos outros a serem dados.
MARCOS BOULOS , 60, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor-clínico do Hospital das Clínicas.
terça-feira, agosto 22, 2006
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