Andrea Elliott
Em Nova York
Os mais novos muçulmanos dos Estados Unidos chegaram no rush da tarde do Aeroporto Internacional John F. Kennedy.
Seus aviões vieram de Dubai, Casablanca e Karachi. Eles ficaram na fila, segurando documentos. Eles saíam, às vezes horas depois, empurrando seus carrinhos na direção de aglomerados de parentes, de uma fila de táxis, uma nova vida.
Este foi o caminho para Nur Fatima, uma mulher paquistanesa que se mudou para o Brooklyn há seis meses e prontamente abandonou o lenço de cabeça. Pelas mesmas portas entrou Nora Elhainy, uma marroquina que agora vende aparelhos eletrônicos em Queens, e Ahmed Youssef, um egípcio que se estabeleceu em Jersey City, onde faz o chamado para a oração na mesquita.
"Eu tenho liberdade neste país", diz Fatima, 25. "Liberdade em tudo. Liberdade de pensamento."
Os eventos do 11 de Setembro transformaram a vida dos muçulmanos nos Estados Unidos, e o afluxo de imigrantes de países como Egito, Paquistão e Marrocos diminuiu drasticamente.
Mas, cinco anos depois, enquanto os Estados Unidos lidam com as questões do terrorismo, das liberdades civis e do controle de imigração, os muçulmanos parecem estar se mudando novamente para cá em números surpreendentes, segundo estatísticas compiladas pelo Departamento de Segurança Internas e pelo Census Bureau, o órgão de estatísticas norte-americano.
Imigrantes de países predominantemente muçulmanos no Oriente Médio, Norte da África e Ásia estão plantando novas raízes em Estados da Virgínia ao Texas à Califórnia.
Em 2005, mais pessoas de países muçulmanos se tornaram moradores legais permanentes nos Estados Unidos -quase 96 mil- do que em qualquer ano nas últimas duas décadas. Mais de 40 mil deles foram admitidos no ano passado, o número anual mais alto desde os ataques terroristas, segundo dados de 22 países fornecidos pelo Departamento de Segurança Interna.
Muitos fizeram a viagem sem se deixar abalar pelas histórias de dificuldades enfrentadas pelos imigrantes e apesar de sua própria oposição à política americana no Oriente Médio. Eles vêm à procura da mesma promessa que atrai estrangeiros aos Estados Unidos há décadas, segundo uma série de especialistas e imigrantes: oportunidade econômica e liberdade política.
Tais atrativos, tão poderosos quanto familiares, foram suficientes para superar os temores dos Estados Unidos serem um local inóspito para muçulmanos.
"A América sempre foi a terra prometida para muçulmanos e não-muçulmanos", disse Behzad Yaghmaian, um exilado iraniano e autor de "Embracing the Infidel: Stories of Muslim Migrants on the Journey West" (abraçando o infiel: histórias de migrantes muçulmanos na jornada ao Ocidente). "Apesar da oposição dos muçulmanos à política externa americana, eles ainda vêm para cá porque os Estados Unidos oferecem o que carecem em casa."
Para Fatima, foi a liberdade de se vestir como quiser e trabalhar como guarda de segurança. Para Youssef, foi a chance de obter um mestrado.
Ele veio apesar das profundas dúvidas que ele e muitos egípcios têm em relação à guerra no Iraque e ao governo Bush. Nos Estados Unidos, ele diz, é preciso distinguir entre o governo e a população.
"Com quem estou lidando, com Bush ou com o povo americano? Eu estou lidando com meu futuro no Egito ou com meu futuro aqui?"
Os muçulmanos estão se estabelecendo nos Estados Unidos em números significativos desde meados dos anos 60, após as cotas de imigração que favoreciam o Leste Europeu terem sido suspensas. Mesquitas espaçosas foram construídas em Chicago, Los Angeles e Nova York à medida que uma nova população muçulmana, com alta formação educacional, se estabelecia.
Ao longo das três décadas seguintes, a história da migração muçulmana para os Estados Unidos foi marcada por crescimento e prosperidade. Um percentual maior de imigrantes dos países muçulmanos obtém diplomas do que outros moradores americanos e sua média salarial é cerca de 20% maior, segundo dados do Census Bureau.
Mas o 11 de Setembro alterou o curso da vida muçulmana nos Estados Unidos. Mesquitas foram depredadas. Crimes de ódio aumentaram. Milhares de homens enfrentaram processos de deportação e outros foram presos em uma série de casos envolvendo terrorismo.
Alguns muçulmanos mudaram de nome para evitar discriminação no trabalho, transformando Mohammed em "Moe" e Osama em "Sam". Muitas famílias se mudaram para o Canadá ou voltaram para seus países de origem.
Mas este período também produziu algo altamente positivo aos olhos de muitos muçulmanos: eles começaram a se mobilizar política e socialmente. Por todo o país, organizações populares se expandiram para instruir os muçulmanos sobre direitos civis, registrá-los para votar e para fazer lobby contra novas políticas federais como a Lei Patriota.
"Havia a opção de nos tornarmos introvertidos ou extrovertidos", disse Agha Saeed, presidente nacional da Força-Tarefa Muçulmana Americana para Direitos Civis e Eleições, uma organização que reúne várias outras em Newark, Califórnia, criada em 2003. "Nós nos tornamos extrovertidos."
De certa forma, os novos imigrantes muçulmanos poderão se sair melhor nos Estados Unidos pós-11 de Setembro que encontram hoje, disseram líderes muçulmanos e acadêmicos: os centros islâmicos estão mais organizados e recursos, como aulas de inglês e assistência legal gratuita, mais acessíveis.
Mas, fora destas mesquitas recém-organizadas, a vida continua difícil para muitos muçulmanos.
Para evitar escárnio, as mulheres são freqüentemente alertadas a não usarem lenços de cabeça em público, como foi alertada Rubab Razvi, 21, uma paquistanesa que chegou ao Brooklyn nove meses atrás. (Ela ignorou o conselho, apesar das pessoas a encararem no ônibus, ela disse.) Os muçulmanos continuam enfrentado longas esperas nos aeroportos, onde freqüentemente são apontados para interrogatórios por causa de seus nomes e forma de se vestir.
Para alguns antigos imigrantes, a vida abraçada pelos recém-chegados nunca se comparará à era pacífica de antes.
"Eles não conheceram a América pré-11 de Setembro", diz Khwaja Mizan Hassan, 42, que deixou Bangladesh há 30 anos. Ele se tornou presidente do Centro Muçulmano Jamaica, uma mesquita em Queens, e tem um emprego confortável no Departamento de Condicional da Cidade de Nova York.
Mas, após o 11 de Setembro, ele foi detido no Aeroporto Kennedy porque havia um homônimo seu em uma lista de vigilância.
Queda, depois aumento
Até 6 milhões de muçulmanos vivem nos Estados Unidos, segundo algumas estatísticas. Apesar do Census Bureau e do Departamento de Segurança Interna não monitorarem religião, ambos fornecem estatísticas de imigrantes de países predominantemente muçulmanos. Presume-se que muitos destes imigrantes sejam muçulmanos, mas pessoas de outras religiões, como os místicos iraquianos e cristãos egípcios, também tenham vindo em números significativos.
A imigração destas regiões caiu consideravelmente após o 11 de Setembro. Menos pessoas receberam o green card, o visto de permanência nos Estados Unidos, e os vistos de não-imigrantes. Em 2003, o número de imigrantes vindos de 22 países muçulmanos tinha caído em mais de um terço. Para estudantes, turistas e outros vindos destes países que eram classificados como não-imigrantes, a queda foi ainda mais drástica, com o total de visitas caindo quase pela metade.
A queda afetou imigrantes de todo o mundo pós-11 de Setembro, à medida que os Estados Unidos reforçaram suas fronteiras, mas foi mais pronunciada entre aqueles que vinham pra cá do Paquistão, Marrocos, Irã e outros países muçulmanos.
Vários fatores poderiam explicar a queda: um número maior de pedidos de visto foi rejeitado devido aos procedimentos de segurança mais severos, disseram funcionários do Departamento de Estado e do Departamento de Segurança Interna, e menos pessoas pediram vistos.
Mas a partir de 2004, os números voltaram a crescer. O número de pessoas que vieram de Bangladesh, Turquia, Argélia e outros países muçulmanos com a intenção de morar nos Estados Unidos aumentou em 20%, segundo uma análise dos dados do Census Bureau.
O aumento também foi notável entre os estrangeiros com vistos de não-imigrantes. Mais de 55 mil indonésios, por exemplo, receberam tais vistos no ano passado, em comparação a cerca de 36 mil em 2002.
O aumento também não reflete medidas de segurança mais relaxadas, mas um número maior de pedidos de visto e uma maior eficiência no processamento deles, disse Chris Bentley, um porta-voz dos Serviços de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos, parte do Departamento de Segurança Interna.
Como outros imigrantes, os muçulmanos encontram seu caminho para os Estados Unidos de muitas formas: eles vêm como refugiados ou como estudantes e turistas que às vezes ficam além do prazo estipulado pelo visto. Outros chegam com vistos de imigração obtidos por parentes daqui. Alguns poucos felizardos vencem a loteria do green card.
Ahmed Youssef, 29, nunca imaginou que estaria entre os vencedores. Mas em 2003, Youssef, que lecionava árabe no Egito, foi uma das 50 mil pessoas escolhidas aleatoriamente entre 9,5 milhões de pessoas de todo o mundo.
Enquanto se preparava para deixar Benha, uma cidade ao norte do Cairo, alguns amigos lhe perguntaram como podia se mudar para um país que está "matando pessoas no Iraque e no Afeganistão", ele lembrou. Mas outros que estiveram nos Estados Unidos o encorajaram a ir.
O mesmo aconteceu com Nora Elhainy, outra vencedora na loteria, que deixou Casablanca em 2004 para se juntar ao seu marido no Queens. "Eles acham que tenho sorte por estar aqui", diz ela de seus amigos marroquinos.
Quando Youssef chegou em maio de 2005, ele encontrou trabalho em Manhattan abastecendo carrinhos de cachorro-quente do amanhecer ao pôr-do-sol. Ele dividia um apartamento em Washington Heights com outros egípcios, mas durante o primeiro mês ele nunca viu seu bairro à luz do dia.
"Eu brincava com meus colegas: 'Quando é que verei a América?'", diz Youssef, um homem esguio com cabelo preto ralo e um sorriso fácil.
Apenas três meses depois, quando começou a vender cachorros-quentes na Sétima Avenida, é que Youssef começou a descobrir seu novo país.
Ele sentia falta de ouvir o chamado para oração e não hesitava em desenrolar seu tapete de oração ao lado de seu carrinho até que outros vendedores o alertaram contra fazer aquilo. Ele poderia ser confundido com um extremista, eles lhe disseram.
No final, Youssef encontrou emprego como secretário do Centro Islâmico de Jersey City. Ele planeja se candidatar a um programa de mestrado na Universidade de Colúmbia, se especializando em árabe. Por ora, ele mora em um quarto espaçoso acima da mesquita. Perto de sua cama, ele mantém um diário de suas orações. Se ele as faz no horário, ele escreve "correto" em árabe.
"Eu estou muito melhor aqui do que vendendo cachorros-quentes", diz.
Bandeiras americanas
Nur Fatima chegou a Midwood, Brooklyn, em um momento propício. Se tivesse chegado três anos antes, ela teria visto um bairro em crise.
Centenas de imigrantes paquistaneses desapareceram após lhes ser requisitado que se registrassem junto ao governo. Trinta lojas fecharam ao longo de um trecho da Avenida Coney Island conhecido como Pequeno Paquistão. O número de novos estudantes de língua urdu na escola primária local, a Escola Pública 217, caiu pela metade no ano letivo 2002-03, segundo o Departamento de Educação de Nova York.
Mas o Pequeno Paquistão se reorganizou. Um empresário local, Moe Razvi, converteu uma antiga loja de antiguidades em um centro comunitário oferecendo orientação legal, aulas de computação e de inglês. Os líderes muçulmanos locais começaram a se reunir com agentes federais para suavizar as relações.
O desfile anual do Dia da Independência do Paquistão agora está tomado de bandeiras norte-americanas.
É uma transformação vista em comunidades de imigrantes muçulmanos por todo o país.
"Eles precisam provar que estão vivendo aqui como muçulmanos americanos e não como se estivessem vivendo como paquistaneses, egípcios e pessoas de outras nacionalidades", diz Zahid H. Bukhari, diretor do Programa de Estudos Muçulmanos Americanos da Universidade de Georgetown.
Fatima chegou ao Brooklyn vinda do Paquistão em março, depois que seu pai, que já vivia aqui há seis anos, pediu com sucesso o green card para ela. A meta dela é se tornar intérprete e praticar Direito. Ela começou a freqüentar aulas de inglês no centro de Razvi, o Conselho da Organização dos Povos.
Ela ouviu histórias sobre as antigas dificuldades do bairro, mas vê um quadro diferente.
"Esta é a terra da oportunidade", diz Fatima. "Há igualdade para todos."
Cinco dias depois de chegar ao Brooklyn, Fatima removeu seu lenço de cabeça, que ela usava desde que tinha 10 anos.
Ela começou a mudar sua forma de pensar, ela disse: ela gosta de viver em um país onde as pessoas respeitam a privacidade dos outros e não interferem nas suas escolhas religiosas ou sociais.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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