quinta-feira, setembro 14, 2006

Grupo gaúcho demonstra base química da memória

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL


Cientistas comprovam ligação entre aprendizado e reforço de conexões neurais.

Estudo de 15 anos usando roedores colocou o ponto final em questão que desde a década de 1970 desafiava as pesquisas sobre cérebro.

Dois trabalhos científicos publicados nas últimas semanas, um deles de um grupo brasileiro, colocam um ponto final em uma questão que há anos desafia cientistas: o que acontece nos nossos neurônios quando aprendemos algo?
Uma resposta já havia sido proposta há décadas e parecia relativamente simples. Memórias duradouras seriam sustentadas quando algumas sinapses-conexões entre as células nervosas- específicas são fortalecidas.
Na década de 1970, cientistas descobriram um fenômeno batizado de potenciação de longa duração (LTP, na sigla em inglês), que é a manutenção dessa conexão reforçada por um longo período de tempo. Não havia provas definitivas para isso, porém, até um dos grupos conseguir identificar as cadeias de reações bioquímicas que ligam o aprendizado à LTP.
"Agora demonstramos que isso é a base da memória, nada menos", diz o neurocientista argentino Iván Izquierdo, líder do grupo da PUC do Rio Grande do Sul que acaba de publicar um estudo detalhando o assunto. "O fato de que existia um mecanismo sináptico que pode durar meses levou cientistas a pensarem que ele deveria ter algo a ver com a memória, mas nunca se havia provado isso."
O resultado é fruto de um trabalho que envolveu muito tempo e paciência. Os processos moleculares que dão base à LTP incluem nada menos que 40 passos. Foi preciso verificar cada um deles em experimentos com roedores. Usando drogas para inibir cada estágio e depois submetendo os animais a testes de memória, verificou-se a importância de cada um dos passos. "Nesses estudos devem ter sido usadas mais de 200 drogas que afetam a memória", recorda-se Izquierdo.
O grupo do neurocientista, que trabalhou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul antes de ir para a PUC-RS, começou a investigar o assunto em 1991 e publicou diversos trabalhos com resultados parciais ao longo do tempo. Agora, estão reunidos num estudo na edição de setembro da revista "Trends in Neuroscience".
O trabalho diz aquilo que já se desconfiava, mas agora com provas concretas: "Não há como explicar a memória de uma forma que não seja pela potenciação de longa duração no hipocampo", diz. O hipocampo, explica Izquierdo, é a estrutura cerebral responsável por associar as informações de uma memória. Quando nos lembramos de um evento muito importante da vida, conectamos aquilo que vimos, ouvimos e sentimos no momento de modo a fortalecer a lembrança. "Uma informação isolada dificilmente fica na memória", diz. "Memórias são associações."
Logo após a publicação do estudo de Izquierdo, o neurocientista Mark Bear, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, colocou uma cereja no bolo. Em estudo na revista "Science", ele apresenta um experimento que conseguiu medir a ocorrência de LTP diretamente no hipocampo de ratos submetidos a uma tarefa de aprendizagem. Bear se baseou em estudos de Izquierdo e conseguiu "ver" de fato a LTP, usando tecnologias mais sofisticadas, que envolvem implante de eletrodos nos animais.
Como os trabalhos de Izquierdo e Bear seguem uma linha de hipóteses consensual, eles não devem impulsionar descobertas súbitas em farmacologia. Os cientistas, porém, ajudaram a colocar em bases mais sólidas a pesquisa de tratamentos para distúrbios de memória, como o mal de Alzheimer.
Izquierdo é cético, porém, em relação à possibilidade de usar esse conhecimento para produzir uma droga capaz de criar uma supermemória. "Nosso sistema de memória, quando é saudável, está sempre funcionando no máximo de sua capacidade", diz o pesquisador. "Será difícil encontrar uma droga que melhore isso."

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