sábado, setembro 30, 2006

Com John Lennon se protestava melhor

Filme sobre o músico desperta nostalgia de um pacifismo hoje anestesiado nos EUA

Eusebio Val
Em Nova York


É um bonito presente para cinqüentões nostálgicos e um puxão de orelha indireto na geração de hoje por sua passividade materialista. O excelente documentário "The US vs. John Lennon" (Os EUA contra John Lennon) traz recordações, felizes e amargas ao mesmo tempo, para os que se envolveram no movimento contra a Guerra do Vietnã no final dos anos 1960 e início dos 70. O filme faz um apanhado do ativismo antibélico do desafortunado Beatle e do assédio a que foi submetido pelo paranóico governo Nixon.

No filme, dirigido por David Leaf e John Scheinfeld e distribuído pela mesma companhia que distribuiu "Fahrenheit 9/11", combinam-se valiosas imagens de arquivo com entrevistas atuais com ativistas, intelectuais e jornalistas, tudo isso temperado por canções que foram hinos daquela juventude idealista e contestadora. A viúva do cantor, Yoko Ono, tem um papel de destaque, mas sempre se mostra discreta.

Lennon aparece como uma figura valente, íntegra, divertida e provocadora. São antológicas suas respostas durante seus protestos na cama pela paz, de pijama e junto com Yoko, e o humor com que suportou a via crúcis que o governo o fez passar quando ameaçou deportá-lo. Um jornalista lhe pergunta: "Você disse que teve problemas a vida toda. Por quê?" "Tenho essa cara. As pessoas nunca gostaram da minha cara", zomba Lennon.

Mas em outro momento admite estar "aterrorizado" depois de saber que o FBI, sob o comando do sinistro Edgar Hoover, grampeou seu telefone e vigiava seus movimentos. No filme intervêm personagens díspares como o ex-líder dos Panteras Negras Bobby Seale ou um dos homens de Nixon no escândalo Watergate, George Gordon Liddy. Também falam George McGovern, o candidato presidencial democrata derrotado em 1972 e o mítico apresentador de TV Walter Cronkite. O ensaísta Noam Chomsky faz sua análise e o escritor Gore Vidal não pode evitar uma contundente comparação com a época atual: "Lennon representava a vida e os senhores Nixon e Bush representam a morte".

"The US vs. John Lennon", que poderá ser visto em todos os EUA a partir da próxima semana, estreou de forma restrita. No cinema da Broadway em que esteve "La Vanguardia", o público recebeu com suspiros de satisfação as cenas culminantes do documentário. Theresa Hammond, professora de contabilidade no Boston College, saiu impressionada. "Foi muito mais informativo e emocionante do que eu esperava", declarou. "Sabia que Lennon foi um pacifista, mas desconhecia seu envolvimento e a dignidade que demonstrou. Há diversas entrevistas muito boas. Falam inclusive com Gordon Liddy, que dá a interpretação direitista da história."

"Você vê paralelos com a situação atual?" "Oh, sim, vejo muitos. É tão triste! Não temos muita gente dessa estatura opondo-se à guerra do Iraque. George Clooney e outros fizeram alguma coisa, mas não com a mesma intensidade."

"Por que acredita que o movimento pacifista não decolou desta vez?" "Creio que o principal é que não existe o serviço militar obrigatório. A maioria, da classe média para cima, não se sentiu afetada."

"O filme me trouxe recordações daquele período", salientou Robert Sands, um cinegrafista de 54 anos que vivia no mesmo bairro que Lennon e costumava vê-lo na rua ou nos restaurantes junto com Yoko e o pequeno Sean. "O mais importante é comprovar que John Lennon exerceu realmente muita influência naquela época. No início foi por causa dos Beatles, mas depois conseguiu situar-se ele próprio em um pedestal para o público. O filme mostra a força de um artista na sociedade e como as idéias acabam sendo mais fortes que as espadas."

"Hoje há muito materialismo", prosseguiu Sands. "Na época havia muito mais interesse por valores espirituais e sociais. Hoje os jovens parecem hipnotizados por coisas materiais, por roupas, pelos iPods. Gore Vidal faz uma das afirmações mais duras do filme, quando diz que o patriotismo é o último recurso dos sem-vergonhas."

Uma vida curta
John Winston Lennon nasceu em 9 de outubro de 1940 em Liverpool, Inglaterra, durante um bombardeio da aviação nazista. Membro fundador dos Beatles junto com Paul McCartney e co-líder da banda, Lennon morreu assassinado em Nova York em 8 de dezembro de 1980. Mark D. Chapman disparou contra ele no vestíbulo do Edifício Dakota, diante do Central Park, onde morava o cantor, com uma pistola calibre 38.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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