domingo, setembro 10, 2006

Erros da "guerra contra o terrorismo" colocam Israel no impasse

George Soros
especial para "Le Monde"

O fracasso de Israel frente ao Hizbollah demonstra as inúmeras fraquezas do conceito de "guerra contra o terrorismo". Dentre elas, destaca-se o fortalecimento da causa dos terroristas, a qual vem recebendo a adesão dos civis atingidos pelas ações militares. O objetivo de Israel, que era de destruir o Hizbollah e de se proteger contra a ameaça de mísseis nas suas fronteiras, era fundamentado, mas ele deveria ter tomado maiores precauções no sentido de minimizar os danos colaterais. As baixas entre os civis, os sofrimentos engendrados e as destruições materiais infligidas ao Líbano inflamaram os muçulmanos e a opinião internacional contra Israel e fizeram passar o Hizbollah do estatuto de agressor para aquele de herói da resistência.

Uma segunda fraqueza deste conceito é de se basear apenas na ação militar, excluindo uma abordagem política. Quando Israel se retirou de maneira unilateral, primeiro do Líbano e depois de Gaza, teria sido preciso negociar um acordo político com o governo libanês e com a Autoridade palestina. Tal como ela foi realizada, este retirada consolidou as posições políticas do Hizbollah e do Hamas. O conceito de "guerra contra o terrorismo" impede o reconhecimento do outro. Ele se baseia numa visão de dois mundos totalmente separados, "eles" e "nós", dentro da qual os seus defensores imaginam que a "nossa" ação não tem conseqüência sobre a conduta "deles".

Por fim, este conceito apresenta uma terceira fraqueza: a de enfiar no mesmo saco movimentos políticos diferentes que utilizam uma tática terrorista. Não estabelecer diferenças entre o Hamas, o Hizbollah, a Al Qaeda, a insurreição sunita ou a milícia de Mahdi no Iraque é um erro. Trata-se de manifestações diferentes do terrorismo, e, como tais, elas requerem respostas diferentes.

Além do mais, nem o Hamas nem o Hizbollah podem ser tratados simplesmente como alvos a serem destruídos, uma vez que essas organizações têm suas raízes profundamente fincadas na sociedade.

Basta voltar um pouco no tempo e examinar em retrospecto diversos eventos para entender os erros da política israelense. Quando Mahmoud Abbas foi eleito presidente da Autoridade palestina, Israel deveria ter lhe permitido reforçar-se, ele junto com a sua equipe reformista. Quando Israel retirou-se de Gaza, o precedente dirigente do Banco Mundial, James Wolfensohn, negociou um plano dotado de seis pontos em nome do Quarteto habilitado a discutir as questões do Oriente Médio (a Rússia, os Estados Unidos, a UE e a ONU).

O documento comportava a abertura de vias de passagem entre Gaza e a Cisjordânia, um aeroporto e um porto marítimo em Gaza, a abertura da fronteira com o Egito e a transferência para os árabes das estufas que foram abandonadas pelos colonos israelenses. Nenhum desses seis pontos foi aplicado, o que contribuiu para a vitória eleitoral do Hamas. Além disso, a administração Bush apoiou o Estado hebreu na sua recusa a tratar com o governo do Hamas, o que tornou ainda mais difícil a vida dos palestinos.

Contudo, Abbas havia conseguido concluir um acordo com os dirigentes políticos do Hamas para formar um governo unitário. Foi justamente para impedir este acordo que os dirigentes militares do Hamas, que são dirigidos a partir de Damas (Síria), se dedicaram a armar a provocação que provocou uma resposta brutal de Israel - incitando o Hizbollah a fomentar novas provocações e abrindo uma segunda frente.

A seqüência dos acontecimentos mostrou de que maneira a estratégia israelense, apoiada pelo presidente Bush, conduziu a uma escalada da violência. E neste contexto, hoje, a superioridade militar incontestável de Israel não mais compensa seus erros políticos. A sua existência está mais ameaçada atualmente do que no momento dos acordos de Oslo (assinados em Washington por Rabin, Arafat e Clinton em 13 de setembro de 1993). Da mesma maneira, a segurança dos Estados Unidos não está tão bem garantida como era na época.

Esta política é contraproducente, e já está na hora de se dar conta disso. Não haverá um fim nesta escalada da violência sem uma solução política para a questão palestina. A perspectiva de uma abertura de negociações está melhor do que alguns meses atrás. Israel precisa entender que a dissuasão militar não é suficiente; caso ele persistir na sua recusa a negociar, ele continuará enfraquecendo sua posição. Por sua vez, os árabes, que salvaram a sua honra no campo de batalha, talvez estejam mais abertos a um compromisso, mesmo se o Hizbollah, após ter sentido o perfume, mas não a realidade da vitória, poderia se mostrar recalcitrante a adotar uma tal abordagem, no que ele seria incentivado pelo Irã e a Síria.

Mas é neste ponto que intervém a diferença entre o Hizbollah e o Hamas. Os palestinos aspiram á paz e ao fim dos seus sofrimentos. A facção política do Hamas - que não deve ser confundida com a sua facção militar - deve estar atenta às suas aspirações. Não é tarde demais para Israel empenhar-se a apoiar um governo palestino unitário dirigido por Mahmoud Abbas e com ele tratar. Seria um primeiro passo rumo a uma política mais equilibrada. Mas, para tanto, ainda é necessário que o governo americano não se mostre tão obcecado pelo conceito de "guerra contra o terrorismo".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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