terça-feira, setembro 20, 2005

Ellen Allien

Ela é fruto da prolífica cena berlinense da música eletrônica e tocava no lendário clube tecno Tresor na capital alemã. Faz um som que flerta com gêneros como o techno, electro, house e influências do synth pop dos anos 80, mas sem se preocupar muito com a questão "gênero". Comanda hoje um dos selos musicais mais renomados do país, o Bpitch Control.

A DJ e produtora musical Ellen Allien vem ao Brasil para tocar no próximo sábado em São Paulo, dentro da programação do festival Nokia Trends. Na entrevista a seguir, feita por e-mail, a artista fala sobre o que os brasileiros podem esperar de seu set no Nokia Trends, comenta seus álbuns e fala das influências em sua música, como o Kraftwerk ("eles tiraram sons das entranhas das máquinas que me marcaram para sempre"):

UOL Música - Você conhece alguma coisa da produção de música eletrônica brasileira? Você toca algum DJ ou produtor brasileiro em seu set?

Ellen Allien - Não conheço, preciso admitir. Não me vem nenhum nome à mente. Mas é claro que há muita influência do Brasil (na música eletrônica), especialmente do samba, nos ritmos e nos grooves. Na Europa há muita house music com um forte apelo brasileiro e também de jazz. De forma que a música brasileira já se tornou uma parte grande e importante dentro da tradição de nossa música eletrônica.

E há muitos artistas sul-americanos bons, como Miss Dinky, uma grande artista do Chile, que lança coisas que são muito profundas, minimais e adoráveis. Mas eu estou muito curiosa para ver e aprender coisas daí!

UOL Música - O que o público brasileiro pode esperar de seu set? Que discos você nunca tira do seu case?

Ellen - Ah! A minha seleção de discos é secreta! Mas eu posso dizer que eu levo comigo discos que me permitem contar uma história. E isso começou com meus primeiros contatos com música eletrônica: Kraftwerk, os primórdios do electro, hip hop antigo, os primeiros gigantes do tecno, como Underground Resistance, e coisas antigas dançantes, que fazem lembrar o passado...

Mas eu também gosto de apresentar os movimentos atuais: artistas jovens e experimentais também têm lugar em meu case. E é claro que eu vou sacudir a multidão, vou botar fogo na pista com uma seleção que eu chamo de "hypnotic elechtech". Ela foi feita pra mexer com o corpo e com o cérebro. Eu prefiro a música minimal mesmo, que dá espaço para os pensamentos e sonhos de quem está dançando. Juntos a gente se ergue.

UOL Música - Seu disco novo tem uma sonoridade que faz lembrar bastante o krutrock, em músicas como "Ghost Train". A música alemã dos anos 70 e 80 é uma influência pra você? Quais são suas outras infuências quando você compõe?

Ellen Allien - A música alemã é uma influência muito forte para mim, mas não exatamente o krautrock. Acho que é mais o Kraftwerk. Eles tiraram sons das entranhas das máquinas que me marcaram para sempre. Eles redefiniram a cultura pop alemã. Com a entrada de "Model" nas paradas, no início dos anos 80, eles abriram novas possibilidades de sonoridade e estrutura para a música pop.

E a new wave alemã foi uma grande infuência para mim. Artistas como Ideal, Neonbabies, Gudrun Gut, Nina Hagen criaram um novo som nos anos 80. É uma mistura de produção minimalista, punk, rock e sintetizadores... E o melhor é que eles cantavam na língua que eu ouvia todos os dias na rua: alemão. Isso nos deu uma visão de identidade, de nossas próprias qualidades e possibilidades. Foram essas as bases que permitiram o desenvolvimento do tecno em Berlim, no início dos anos 90.

Quando eu componho, eu me inspiro no som do equipamento que estou usando. Eu sempre uso equipamentos diferentes para cada disco. Em "Thrills" eu decidi voltar às minhas raízes e utilizar equipamento analógico para criar um som quente, humano, mas profundo e ríspido. Eu entendo a minha música como uma espécie de diário. Em "Thrills" eu queria fazer um disco que desse para ser ouvido em qualquer lugar: nas pistas, nos clubes e em casa. E deu certo.

UOL Música - No Brasil há uma onda de revival dos anos 80. Isso também está rolando em Berlim?

Ellen - Acho que isso é só uma forma de se procurar por algo diferente no passado. Mas algumas pérolas musicais foram criadas nesses anos, tivemos ótimos grupos pop que combinaram rock com synthiepop e sons eletrônicos... Quando isso começou eu gostei muito porque era uma coisa absolutamente nova e bruta. Mas no momento estou meio cansada disso, tem tantos sons novos por aí! Mas não se pode negar que o electro se tornou um fenômeno global.

UOL Música - O que você espera alcançar quando produz seu próprio álbum, uma compilação ou um set como DJ? Quais são os elementos-chave que uma música deve ter para você tocar em um clube ou lançar em seu selo?

Ellen - Primeiro é uma maneira de expressar meus sentimentos. É também uma espécie de diário pra mim. Acaba sendo uma transcrição codificada das minhas emoções, influências, viagens e resultados do meu trabalho. Cada álbum reflete uma determinada fase da minha vida: o mais importante é que hoje é mais fácil atingir um ponto em que estou satisfeita com o que faço. Musicalmente eu me divido entre o trabalho de DJ, meu selo BPitch Control e a minha vida particular. Eu sei do que sou capaz e como fazer as coisas acontecerem.

Meu primeiro disco, "Stadkind", era como uma carta de amor à minha cidade, Berlim, e uma maneira de me aceitar como parte da cidade, como posso sobreviver aqui sem ter que me rebaixar. Quando produzimos esse CD, os processos técnicos para produzir aqueles sons eram muito diferentes. Tomou muito tempo, foi minha primeira produção com o Smash TV - ele nunca havia criado um som como aquele antes; demos nossos primeiros passos juntos.

Já "Berlinette" era algo como uma obra de arte. Era muito experimental, e uma maneira de agradecer aos meus amigos espalhados pelo mundo. Viajei muito fazendo shows depois de "Stadkind" - o segundo disco e a experiência da turnê com o primeiro foram uma expressão desse momento.

Depois do sucesso dos dois primeiros discos decidi parar um pouco e investigar a mim mesma, minha personalidade. Daí veio "Thrills". O que liga todos os meus discos é a maneira como eles refletem minha vida. Onde eu me localizo naquele momento, como vivo... eles são o espelho do meu desenvolvimento pessoal, musical e profissional. E o que eu defino como um "thrill" (uma espécie de arrepio) é a amplitude e o excesso da música, o desafio de comendar um selo e mantê-lo vivo; amar os meus próximos para sermos felizes. Também é não conseguir dormir quando estou com jetlag, quando nem sinto mais mnha pele...

UOL Música - Como é conciliar as atividades de produtora musical, DJ e dona de selo?

Ellen - Foi a vida que eu escolhi pra mim! Estou feliz em perceber que posso dar conta de tudo. Durante a semana dá pra tocar as coisas no meu escritório (graças à ajuda da minha equipe, Benita e Carsten); atualmente só toco como DJ nos fins-de-semana. E ainda por cima criei minha própria coleção de moda, chamada "eae", para o verão de 2006. Mas ainda tem tantas coisas que eu gostaria de fazer... Poder me expressar é muito importante para mim, e há tantos canais para isso: música, arte, literatura, moda.

UOL Música - Você fez a apresentação que encerrou o festival Sónar em Barcelona neste ano. Como foi?

Ellen - Ótimo! Fico muito feliz em receber toda essa atenção dos organizadores. O Sónar pra mim é sinônimo de verão. Fico feliz em ver que desenvolvi uma boa relação ao longo dos anos com os diretores do festival. Recebemos muito apoio e atenção da Espanha em nossos trabalhos, e por isso foi um desafio tocar naquela pista enorme!

(Fernando Kaida)

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