sexta-feira, setembro 02, 2005

No fim, a galáxia que a gente menos conhece é a nossa.

Novos estudos mudam cara da Via Láctea
SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo


Aviso: a galáxia que está emergindo dos estudos de um grupo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade de São Paulo) não é a Via Láctea dos seus pais.

Da pesquisa, uma coisa já ficou bem clara: os atuais mapeamentos estão todos errados, às vezes por margens bem grandes. Mas ainda não é possível ter uma visão muito clara das estruturas que dão forma à galáxia na qual o Sol e sua família de planetas, incluindo a Terra, estão imersos.

"Talvez ainda precisemos de mais uns dez anos para ter um mapa completo", diz Augusto Damineli, líder do grupo que desde 1999 já trabalha nesse esforço. "É um trabalho lento, penoso."

É irônico, mas, de todas as incontáveis galáxias já observadas por telescópio, a que oferece mais mistérios é a Via Láctea. Não que ela seja esquisita ou mais enigmática do que outros objetos do gênero. O problema, na verdade, é de ponto de vista: é muito difícil interpretar as formas da galáxia quando elas são observadas de dentro. O que se vê claramente é o formato de disco, mas todo o resto é trepidante e depende de inferências e suposições.

Trio de naipes

Do que se vê lá fora, são três as opções básicas para galáxias: espirais, elípticas e irregulares (vulgo curingas). Um consenso entre os astrônomos é que a Via Láctea tem um formato espiral. Mas ninguém sabe exatamente que tipo de espiral (há várias opções), nem quantos braços ela tem.

A versão mais comum é a que apresenta uma Via Láctea com quatro braços. Ela foi consolidada nas observações feitas com radiotelescópios, que se baseiam nas posições de certas nuvens densas de gás formadoras de estrelas.

Ocorre que, segundo Damineli, essas medições de rádio são problemáticas, porque elas não só precisam presumir uma certa taxa de rotação normal da galáxia como também ignoram o fato de que essas nuvens têm um movimento próprio, desligado da rotação, ocasionado pelos processos de formação estelar. Em menos palavras, a determinação de sua posição e distância são bem trepidantes e cheias de "supondo que".

Estrelas-guia

A alternativa a esse mapeamento é suar a camisa e usar, em vez de nuvens de gás, as próprias estrelas como referência. É o que Damineli e companhia estão fazendo, num trabalho que consome um bocado de tempo, porque exige análises individuais de estrelas. Eles observam vários astros de grande porte (com massas pelo menos oito vezes maiores que a do Sol) e, com base na análise de sua luz, medem suas distâncias e recalculam suas posições.

Os dados até agora recolhidos com o novo método já demonstram que as estimativas feitas com base na "radioescuta" das nuvens de gás estão bem erradas. "Uma região de densa formação de estrelas que antes aparecia a uma distância de uns 12 quiloparsecs [39 mil anos-luz] agora nós descobrimos que está a apenas uns 4 quiloparsecs [13 mil anos-luz]", diz Damineli. O parsec é uma medida de distância usada comumente pelos astrônomos para obrigar os outros a convertê-las para os anos-luz, que são mais populares e intuitivos. Já um ano-luz é a distância percorrida pela luz num ano, aproximadamente 9,5 trilhões de quilômetros.

Essa recalibragem de distâncias, a maioria delas por um fator de dois, leva a outras conclusões interessantes, além do simples fato de que o mapa da galáxia hoje mais parece um quebra-cabeça com todas as peças reunidas nos lugares errados. A partir disso, por exemplo, pode-se constatar que o surgimento de novas estrelas na Via Láctea é bem mais modesto do que antes se pensava. "A galáxia no final é bem menos prolífica. A taxa de formação de estrelas talvez seja até menos da metade do que se calculava a partir dos estudos de rádio", diz Damineli.

Esforço à frente

Como o novo mapeamento está longe de estar concluído, há muito trabalho ainda pela frente. O grupo de Damineli submeteu recentemente um estudo ao "Astronomical Journal" (www.journals.uchicago.edu/AJ/) sobre o avanço das pesquisas e a tese de Elysandra Figuerêdo, do IAG-USP, deve aprofundar os resultados até agora obtidos.

Por enquanto, análises preliminares só garantem a existência de dois braços na Via Láctea, em vez de os tradicionais quatro.

A moral da história é que ainda há muito a se conhecer da galáxia em que o Sol reside. "Você vai numa conferência de astronomia e quando apresentam "a nossa galáxia", cada um apresenta uma diferente", diz Damineli. "Uns dizem, ela é mais parecida com Andrômeda; outros vêm e dizem, não, ela é mais parecida com a M51. Mas a verdade é que ninguém sabe ao certo. No fim, a galáxia que a gente menos conhece é a nossa."

Um comentário:

resíduodigital disse...

...eu ainda não conheço a unica pessoa que comenta esse blog!