CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil ocupa, ao lado da Malásia, o título de campeão mundial em morte por sepse grave, revela estudo internacional recém-concluído. Conhecida antigamente por septicemia ou infecção generalizada, a doença mata 400 mil brasileiros por ano e tem um custo anual de R$ 17 bilhões ao sistema hospitalar -sendo que R$ 10 bi são gastos com pessoas que acabam morrendo.
Definido há 17 anos, o conceito de sepse ainda causa confusão na área médica, dificultando não só o diagnóstico e tratamento -cada estágio da doença requer cuidados específicos-, como os dados epidemiológicos sobre a doença.
A sepse é uma resposta inflamatória exacerbada frente a uma infecção. Por exemplo, uma pessoa com pneumonia (ou outra infecção) pode desenvolver sepse, dentro ou fora do hospital. Os sintomas freqüentes são febre, taquicardia, respiração rápida, confusão mental, pressão baixa e menor volume de urina. Não tratada a tempo, pode progredir e comprometer outros órgãos causando a disfunção orgânica múltipla. É a sepse grave.
O estudo prospectivo, chamado "Progress", avaliou 12 mil pacientes com sepse grave de 36 países. A taxa média de mortalidade foi de 36%, variando de 22% (Austrália) a 56% (Brasil e Malásia). O nível de gravidade dos doentes foi semelhante em todos os países. No Brasil, que participou com 921 pacientes de dez hospitais públicos e privados, o trabalho foi coordenado pelo Ilas (Instituto Latino Americano de Sepse) entre março de 2003 e março de 2005.
Para os especialistas, uma das principais razões que levam o país a liderar o índice de mortes por sepse grave é o fato de os profissionais de saúde desconhecerem como diagnosticar e tratar a doença precocemente. Na fase grave, quando há disfunção múltipla dos órgãos, as chances de cura não ultrapassam 40%.
Estudo do Ilas em 20 hospitais brasileiros mostrou que só 25% dos médicos sabiam diagnosticar um caso leve. A forma grave, que mata mais da metade dos infectados, foi reconhecida por 45%. A situação é pior nos hospitais públicos (leia texto na página 3).
"Muitos médicos ainda desconhecem a doença e o que precisa ser feito para diagnosticá-la e tratá-la de forma correta e rápida", diz o intensivista Eliézer Silva, da equipe da UTI do Hospital Albert Einstein e que preside o Ilas.
Desde o ano passado, equipes de 12 hospitais - de São Paulo, Santo André, Rio, Joinville, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Recife- vêm sendo treinadas no sentido de aplicar protocolos internacionais (uma série de procedimentos hospitalares) que reduzam a taxa de mortalidade por sepse para, no máximo, 25%.
A idéia é treinar, com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, 35 instituições até o fim de 2006. Hoje, 17% dos leitos das UTIs são ocupados por sepse grave. Entre as medidas preconizadas estão a administração de antibióticos específicos em até três horas após o diagnóstico de sepse, de soro para reidratação e de drogas que aumentem a pressão arterial e que melhorem a contractilidade do coração, por exemplo.
Apesar de teoricamente simples, esses conceitos são difíceis de serem aplicados. "Sua execução é difícil e complexa", afirma o médico Rubens Costa Filho, coordenador de terapias intensivas do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio.
Cada CTI (Centro de Terapia Intensiva), avalia Costa Filho, é composto por diversas equipes de plantão ou de rotina, com culturas diferentes.
O Pró-Cardíaco está em fase de implantação dos "bundles" da sepse, ou seja, ações aplicadas em conjunto para a detecção e tratamento da doença. Ele afirma que ainda é cedo para documentar resultados práticos das medidas, mas já percebe mudanças de comportamento.
"As equipes estão mais atentas. Até porque, temos que anotar, documentar, se as ações estão sendo realmente praticadas. A palavra de ordem hoje em nossa instituição é segurança", diz.
Para Flávia Machado, chefe de terapia intensiva do Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a aplicação das boas práticas para evitar a sepse grave não depende de recursos, mas de organização dos hospitais. "Assim como hoje as equipes estão treinadas para atender um infarto ou AVC, precisam agora se atentar para a sepse."
Na avaliação de José Maria da Costa Orlando, presidente da Amib, em vez de investir fortunas em antibióticos, as autoridades economizariam e, ao mesmo tempo, poupariam muitas vidas investindo em prevenção. "Precisamos aprender a identificar aquele paciente com amidalite com risco de desenvolver uma sepse. O risco de os prontos-socorros receberem esse paciente, receitarem uma Bezetacil e mandá-la para casa é ainda grande."
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