sexta-feira, janeiro 06, 2006

São Paulo sedia festival do polêmico Cine Falcatrua

ALEXANDRE MATIAS
Colaboração para a Folha de S.Paulo

Imagine um festival de cinema sem pré-seleção. Em que todos os filmes inscritos são exibidos, independentemente de formato, época de produção, duração, tema ou outro tipo de classificação. Em que a ordem de exibição dos filmes depende do humor do projecionista e de sua química com o público. Assim é o festival CortaCurtas. Idealizado pelo coletivo capixaba Cine Falcatrua ao lado do Instituto Itaú Cultural, recebe inscrições até o dia 20 de janeiro, e suas exibições acontecem entre 21 e 28 de março, em São Paulo.

"Uma das idéias é mostrar que o cinema digital não implica necessariamente a instituição de um controle rígido", explica o grupo capixaba, que surgiu no campus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória.

"E também não significa a misantropia final, em que cada espectador, de posse do seu DVD pirata --ou cópia-doméstica-lançada-simultaneamente--, vai se trancar em casa para ver o filme no home theater", continua o grupo, respondendo coletivamente sob o codinome de Gilbertinho.

Como festival, o CortaCurtas se propõe a promover uma nova forma de consumo audiovisual, definida menos pela vontade dos curadores/patrocinadores/realizadores e mais pela relação entre projecionista e público. É uma forma de celebrar a sala de cinema como local de diálogo e convívio. Mais informações podem ser conseguidas pelo site www.itaucultural.org.br ou pelo e-mail cortacurtas@gmail.com.

O improvável festival talvez não fosse impossível sem a transição do analógico para o digital, mas a mudança é crucial para sua realização --como é o próprio Falcatrua. O coletivo começou há dois anos, como um projeto de extensão de estudantes da Ufes, de diferentes cursos. Atua não só exibindo filmes, mas também publicando e pesquisando idéias ligadas à utilização de novas mídias aplicadas ao cinema.

Assim, começaram exibições gratuitas de filmes em locais públicos. Baixados via internet, raridades, lançamentos e curiosidades desfilavam pela tela do cineclube. "As exibições sempre foram gratuitas, mas nunca primamos por um público especifico. Como priorizamos a diversidade tanto dos locais de exibição quanto do produto audiovisual, acabamos tendo uma diversidade de público constante", explica o grupo. "Exibimos desde seriados de TV até curtas em película."

O cineclube teve problemas com a lei na metade do ano retrasado, quando foi notificado por exibir filmes como "Kill Bill" e "Fahrenheit 11 de Setembro" antes de suas estréias no Brasil.

"Culpa da primeira matéria veiculada na Folha", ironizam, referindo-se a reportagem publicada em 29 de julho de 2004 sobre o início do projeto em Vitória. "Depois veio uma onda de apoio: o movimento cineclubista, cineastas, produtores --enfim, uma galera se manifestou pela continuidade do videoclube e botou lenha no debate sobre os cruzamentos entre cinema e internet."

Passaram então a exibir filmes publicados em Creative Commons (tipo de licença de direitos autorais que permite o acesso às suas obras, sem que os usuários sejam considerados piratas) e copyleft, além de entrar em contato com os próprios realizadores para obter autorização de exibição --tudo mais barato, mais perto do Brasil, longe de Hollywood e dentro da lei. "Freqüentemente, o Falcatrua exibe filmes inéditos. São lançamentos nacionais que acontecem no Falcatrua e contam com a presença dos realizadores", como "Sou Feia mas Tô na Moda", de Denise Garcia.

"A gente vê no Creative Commons uma forma de conformar o direito constituído à economia inevitável da rede. É a saída mais viável para quem quer aproveitar potenciais de difusão e criação propiciados pelas novas tecnologias e virar as costas de forma limpa a uma economia que perde cada vez mais o sentido", explica.

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