Swami Agnivesh, Rama Mani,
e Angelika Koster-Lossack*
Nos últimos anos, o mundo ficou chocado com a supressão brutal das mulheres no Afeganistão, a prática de mutilação genital feminina em partes da África e o abuso do serviço doméstico feminino em lugares como Arábia Saudita. No entanto, a maior democracia do mundo é a vencedora não declarada do concurso de violência contra a mulher.
Na Índia, o feticídio feminino, ou o aborto seletivo de meninas, gerou um alarmante desequilíbrio entre os sexos na população do país. Em 1990, o censo concluiu que a Índia tinha 25 milhões de homens a mais do que mulheres. O governo reagiu adotando uma lei que proibia a determinação do sexo do feto pelo exame de ultra-som. Mesmo assim, em 2001, a diferença no número de homens e mulheres tinha aumentado para 35 milhões e agora especialistas estimam que chegue a 50 milhões.
A prática de infanticídio feminino tem uma longa história na Índia. Por causa das amplas preferências culturais por meninos, muitas meninas eram mortas logo após o nascimento. Mas a tecnologia moderna, particularmente a máquina de ultra-som, tornou mais fácil para os pais e altamente rentável para os médicos praticar abortos femininos, sem grande risco de detecção ou ação legal punitiva.
Acreditava-se que o feticídio feminino prevalecia entre hindus, por causa de seu costume de exigir que filhos homens façam os ritos de cremação. No entanto, hoje a prática é igualmente comum entre sikhs, muçulmanos e cristãos.
Da mesma forma, acreditava-se que a prática prevalecia entre pobres e analfabetos, por causa das duras exigências de dotes das noivas, assim como outros preconceitos tradicionais. Entretanto, recentes estudos indianos e da ONU revelam que o feticídio feminino hoje é mais freqüente entre os ricos com alta escolaridade.
Um estudo detectou uma relação da freqüência do aborto feminino proporcional ao nível de escolaridade --menor entre mulheres com quinta série do ensino fundamental e maior entre mulheres com diplomas universitários.
As conseqüências do feticídio feminino e o resultante desequilíbrio entre os sexos já estão se desdobrando: há um tráfico de meninas de países vizinhos empobrecidos, como Bangladesh e Nepal, ou de áreas tribais ou mais pobres na Índia e vendidas em casamento pelo equivalente a US$ 200 (em torno de R$ 440 --no Estado de Haryana, um touro custa aproximadamente R$ 2.200).
Com 50 milhões de meninas desaparecidas, o resultado dessa perigosa prática é inelutável: mesmo sendo a segunda nação mais populosa do mundo, sem mulheres, estará destinada à eventual extinção.
No início deste ano, o ministro da saúde Anbumani Ramadoss expressou desespero com a incapacidade do governo de reverter essa situação calamitosa, apesar de a legislação e de outras políticas. Depois disso, líderes religiosos de todas as fés reuniram-se um "Yatra de Compaixão de Todas as Crenças", uma espécie de marcha de protesto ao feticídio feminino.
A manifestação foi organizada pelo Arya Samaj, movimento social-religioso reformista fundado em 1875, com o apoio dos governos estaduais e federal, além da Unicef e Unifem.
No início do mês, os participantes da Yatra atravessaram os Estados mais afetados do Norte da Índia em um comboio motorizado, gerando uma onda crescente de consciência e ação entre líderes religiosos e políticos, ativistas, grupos de mulheres, estudantes e professores. Enquanto marchávamos, gritávamos aos milhares: "Filhos e filhas são iguais! Salve suas filhas para salvar nosso país!"
Nossa posição é categórica: terminar com o feticídio feminino não é suficiente. Todas as formas de injustiça sexual devem ser extintas. O tratamento das mulheres como cidadãs de segunda classe é profundamente arraigado na mente indiana, seja hindu, muçulmana, sikh, cristã, jainista ou zoroastriano.
Apesar de o dote ser ilegal, as exigências ainda são exorbitantes e resultam em cerca de 25.000 mortes por ano, pelas mãos de noivos e sogros avarentos. Viúvas recebem tratamento execrável, mesmo sendo menores, e não têm o direito de se casarem novamente. Meninas, mesmo quando têm permissão de freqüentar a escola, são sobrecarregadas com tarefas domésticas, elevando as taxas de desistência dos estudos. Em todas as religiões, o nascimento de um filho é celebrado, enquanto nascimento de uma filha é lastimado.
Até que filhos e filhas sejam tratados igualmente, até que a vida seja segura para a mulher indiana, o país continua moralmente sitiado. Nossa marcha exige não só um fim ao feticídio feminino, mas a todas as formas de violência contra a mulher. Exige respeito aos direitos da mulher e dignidade do nascimento à morte.
*Swami Agnivesh, ex-ministro da educação do Estado de Haryana, é presidente do Arya Samaj. Rama Mani é diretora de cursos do Centro de Política de Segurança Genebra. Angelika Roster-Lossack é ex-parlamentar alemã do Partido Verde.
Na Índia, o feticídio feminino, ou o aborto seletivo de meninas, gerou um alarmante desequilíbrio entre os sexos na população do país. Em 1990, o censo concluiu que a Índia tinha 25 milhões de homens a mais do que mulheres. O governo reagiu adotando uma lei que proibia a determinação do sexo do feto pelo exame de ultra-som. Mesmo assim, em 2001, a diferença no número de homens e mulheres tinha aumentado para 35 milhões e agora especialistas estimam que chegue a 50 milhões.
A prática de infanticídio feminino tem uma longa história na Índia. Por causa das amplas preferências culturais por meninos, muitas meninas eram mortas logo após o nascimento. Mas a tecnologia moderna, particularmente a máquina de ultra-som, tornou mais fácil para os pais e altamente rentável para os médicos praticar abortos femininos, sem grande risco de detecção ou ação legal punitiva.
Acreditava-se que o feticídio feminino prevalecia entre hindus, por causa de seu costume de exigir que filhos homens façam os ritos de cremação. No entanto, hoje a prática é igualmente comum entre sikhs, muçulmanos e cristãos.
Da mesma forma, acreditava-se que a prática prevalecia entre pobres e analfabetos, por causa das duras exigências de dotes das noivas, assim como outros preconceitos tradicionais. Entretanto, recentes estudos indianos e da ONU revelam que o feticídio feminino hoje é mais freqüente entre os ricos com alta escolaridade.
Um estudo detectou uma relação da freqüência do aborto feminino proporcional ao nível de escolaridade --menor entre mulheres com quinta série do ensino fundamental e maior entre mulheres com diplomas universitários.
As conseqüências do feticídio feminino e o resultante desequilíbrio entre os sexos já estão se desdobrando: há um tráfico de meninas de países vizinhos empobrecidos, como Bangladesh e Nepal, ou de áreas tribais ou mais pobres na Índia e vendidas em casamento pelo equivalente a US$ 200 (em torno de R$ 440 --no Estado de Haryana, um touro custa aproximadamente R$ 2.200).
Com 50 milhões de meninas desaparecidas, o resultado dessa perigosa prática é inelutável: mesmo sendo a segunda nação mais populosa do mundo, sem mulheres, estará destinada à eventual extinção.
No início deste ano, o ministro da saúde Anbumani Ramadoss expressou desespero com a incapacidade do governo de reverter essa situação calamitosa, apesar de a legislação e de outras políticas. Depois disso, líderes religiosos de todas as fés reuniram-se um "Yatra de Compaixão de Todas as Crenças", uma espécie de marcha de protesto ao feticídio feminino.
A manifestação foi organizada pelo Arya Samaj, movimento social-religioso reformista fundado em 1875, com o apoio dos governos estaduais e federal, além da Unicef e Unifem.
No início do mês, os participantes da Yatra atravessaram os Estados mais afetados do Norte da Índia em um comboio motorizado, gerando uma onda crescente de consciência e ação entre líderes religiosos e políticos, ativistas, grupos de mulheres, estudantes e professores. Enquanto marchávamos, gritávamos aos milhares: "Filhos e filhas são iguais! Salve suas filhas para salvar nosso país!"
Nossa posição é categórica: terminar com o feticídio feminino não é suficiente. Todas as formas de injustiça sexual devem ser extintas. O tratamento das mulheres como cidadãs de segunda classe é profundamente arraigado na mente indiana, seja hindu, muçulmana, sikh, cristã, jainista ou zoroastriano.
Apesar de o dote ser ilegal, as exigências ainda são exorbitantes e resultam em cerca de 25.000 mortes por ano, pelas mãos de noivos e sogros avarentos. Viúvas recebem tratamento execrável, mesmo sendo menores, e não têm o direito de se casarem novamente. Meninas, mesmo quando têm permissão de freqüentar a escola, são sobrecarregadas com tarefas domésticas, elevando as taxas de desistência dos estudos. Em todas as religiões, o nascimento de um filho é celebrado, enquanto nascimento de uma filha é lastimado.
Até que filhos e filhas sejam tratados igualmente, até que a vida seja segura para a mulher indiana, o país continua moralmente sitiado. Nossa marcha exige não só um fim ao feticídio feminino, mas a todas as formas de violência contra a mulher. Exige respeito aos direitos da mulher e dignidade do nascimento à morte.
*Swami Agnivesh, ex-ministro da educação do Estado de Haryana, é presidente do Arya Samaj. Rama Mani é diretora de cursos do Centro de Política de Segurança Genebra. Angelika Roster-Lossack é ex-parlamentar alemã do Partido Verde.
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