Para a maioria das pessoas, solidão significa estar só: os laços afetivos teriam sido cortados em todos os âmbitos, desde o social até o amoroso, passando pelo familiar. Nesse caso dizemos que a pessoa padece de solidão, é passiva em relação ao estado de espírito que a mantém longe dos outros. Mas há exemplos de grandes solitários que nunca viveram sós e Baudelaire é talvez o maior deles, o solitário na multidão, aquele que constitui sua solidão com laços familiares e sociais. Este se faz solitário, tanto assim que não se afasta das pessoas, pelo contrário, é antes estar entre elas que o leva a cultivar a solidão.
É possível, portanto, não estar só e sentir-se solitário. E podemos supor que isso acontece justamente porque não se trata de estar só, mas de ser só. Assim podemos estar entre muitas pessoas, entretendo muitas relações na superfície dos diversos níveis de sociabilidade, sem superar a solidão que nos define.
Isso acontece, por exemplo, quando nosso desejo de estar com outro é maior do que a satisfação obtida quando estamos com quaisquer outros. Pascal, Kierkegaard, Dostoiévski formam uma linhagem de solitários que se ressentem da distância ou da ausência do infinitamente outro, uma oposição entre Deus e o Homem que este não logra transpor.
Nesse sentido, diante da impossibilidade de diálogo, já que falar com Deus seria como lançar palavras ao silêncio, a solidão nos constitui como a marca daquilo que nos falta para ser, isto é, para participar efetivamente do absoluto que almejamos.
O solitário é aquele que não pode compartilhar, mas é principalmente alguém que não tem como dividir a si mesmo: sua liberdade e sua responsabilidade. Deve assumir por si mesmo a tarefa de fazer algo de si – e arcar com as conseqüências. Este poderia ser chamado o lado ético da solidão, uma vez que nos expõe solitários diante das decisões morais, aquelas que nos abrem os caminhos da existência.
O existencialismo insiste muito nesse desamparo que constituiria o cerne da condição humana: como o homem não possui uma essência que o determine a priori, é por via de cada opção existencial, isto é, moral, que ele se fará, que buscará construir uma identidade. Essa construção de si como tarefa moral se dá unicamente no plano da existência, onde fomos lançados sozinhos e onde só nos podemos valer de nós mesmos.
Assim, cada vez que tomo uma decisão, como não o faço a partir de nada nem ninguém que me preceda e a quem eu pudesse seguir, é na livre escolha de mim mesmo que invento o critério, o valor e o fim de minhas ações, na mais completa solidão, pois cada existência individual é singular e não há rotas já traçadas que ajudassem cada um a tomar o rumo de si próprio.
Sartre, principal representante dessa visão filosófica da subjetividade solitária, enfatiza a responsabilidade que daí decorre. Com efeito, se ninguém pode escolher por mim, a responsabilidade da escolha é exclusivamente minha. Não poder compartilhar esse peso é algo que acentua ainda mais a solidão de cada um. Pois se todo aquele que inventa ou cria é necessariamente solitário, que dizer daquele que a cada instante tem de exercer a sua liberdade para inventar a si mesmo?
Entretanto, vemos que na experiência histórica, ética e política da humanidade por vezes os indivíduos se alcançam, isto é, logram transpor a distância entre mentes e corações, e as solidões se fundem em solidariedade – pelo menos até que o objetivo comum seja atingido, depois do que é freqüente a recaída numa individualidade limitada pelos interesses particulares.
Apesar da fatalidade desse ciclo, ele nos abre uma via: parece que as grandes perspectivas históricas – aquelas efetivamente revolucionárias – têm o poder de aglutinar as vontades e de unificar as intenções, ainda que por algum tempo. É assim que vemos os homens se unirem em grandes projetos históricos, como a revoluções modernas, por exemplo, e depois voltarem a disputar o novo poder consolidado. Não é somente nas crises que as multidões saem às ruas e gritam em uníssono?
Para muitos isso acontece porque, entre a universalidade (todos os indivíduos) e a singularidade (este indivíduo), a única relação possível é a de absoluta contradição. Se essa visão for verdadeira, estamos irremediavelmente condenados a ter de escolher entre o indivíduo e a coletividade, sem mediações.
Mas se a solidão do indivíduo decorre não do egoísmo ou do atomismo irredutíveis, mas da singularidade que o especifica sem isolá-lo, e se a coletividade puder ser concebida não apenas como somatória, mas como comunidade, isto é, agrupamento qualitativo de singularidades, então talvez se possa ver na individualidade, e mesmo na solidão que a acompanha, um modo de viver em que cada um expressaria singularmente a comunidade.
Esse indivíduo comunitário que faz da solidão interior o impulso maior para a experiência solidária tem sido raramente detectado na história, embora idealizado a partir de esperanças religiosas e políticas. Se sua possibilidade for apenas sonho, certamente não há muito que esperar do futuro da humanidade.
É possível, portanto, não estar só e sentir-se solitário. E podemos supor que isso acontece justamente porque não se trata de estar só, mas de ser só. Assim podemos estar entre muitas pessoas, entretendo muitas relações na superfície dos diversos níveis de sociabilidade, sem superar a solidão que nos define.
Isso acontece, por exemplo, quando nosso desejo de estar com outro é maior do que a satisfação obtida quando estamos com quaisquer outros. Pascal, Kierkegaard, Dostoiévski formam uma linhagem de solitários que se ressentem da distância ou da ausência do infinitamente outro, uma oposição entre Deus e o Homem que este não logra transpor.
Nesse sentido, diante da impossibilidade de diálogo, já que falar com Deus seria como lançar palavras ao silêncio, a solidão nos constitui como a marca daquilo que nos falta para ser, isto é, para participar efetivamente do absoluto que almejamos.
O solitário é aquele que não pode compartilhar, mas é principalmente alguém que não tem como dividir a si mesmo: sua liberdade e sua responsabilidade. Deve assumir por si mesmo a tarefa de fazer algo de si – e arcar com as conseqüências. Este poderia ser chamado o lado ético da solidão, uma vez que nos expõe solitários diante das decisões morais, aquelas que nos abrem os caminhos da existência.
O existencialismo insiste muito nesse desamparo que constituiria o cerne da condição humana: como o homem não possui uma essência que o determine a priori, é por via de cada opção existencial, isto é, moral, que ele se fará, que buscará construir uma identidade. Essa construção de si como tarefa moral se dá unicamente no plano da existência, onde fomos lançados sozinhos e onde só nos podemos valer de nós mesmos.
Assim, cada vez que tomo uma decisão, como não o faço a partir de nada nem ninguém que me preceda e a quem eu pudesse seguir, é na livre escolha de mim mesmo que invento o critério, o valor e o fim de minhas ações, na mais completa solidão, pois cada existência individual é singular e não há rotas já traçadas que ajudassem cada um a tomar o rumo de si próprio.
Sartre, principal representante dessa visão filosófica da subjetividade solitária, enfatiza a responsabilidade que daí decorre. Com efeito, se ninguém pode escolher por mim, a responsabilidade da escolha é exclusivamente minha. Não poder compartilhar esse peso é algo que acentua ainda mais a solidão de cada um. Pois se todo aquele que inventa ou cria é necessariamente solitário, que dizer daquele que a cada instante tem de exercer a sua liberdade para inventar a si mesmo?
Entretanto, vemos que na experiência histórica, ética e política da humanidade por vezes os indivíduos se alcançam, isto é, logram transpor a distância entre mentes e corações, e as solidões se fundem em solidariedade – pelo menos até que o objetivo comum seja atingido, depois do que é freqüente a recaída numa individualidade limitada pelos interesses particulares.
Apesar da fatalidade desse ciclo, ele nos abre uma via: parece que as grandes perspectivas históricas – aquelas efetivamente revolucionárias – têm o poder de aglutinar as vontades e de unificar as intenções, ainda que por algum tempo. É assim que vemos os homens se unirem em grandes projetos históricos, como a revoluções modernas, por exemplo, e depois voltarem a disputar o novo poder consolidado. Não é somente nas crises que as multidões saem às ruas e gritam em uníssono?
Para muitos isso acontece porque, entre a universalidade (todos os indivíduos) e a singularidade (este indivíduo), a única relação possível é a de absoluta contradição. Se essa visão for verdadeira, estamos irremediavelmente condenados a ter de escolher entre o indivíduo e a coletividade, sem mediações.
Mas se a solidão do indivíduo decorre não do egoísmo ou do atomismo irredutíveis, mas da singularidade que o especifica sem isolá-lo, e se a coletividade puder ser concebida não apenas como somatória, mas como comunidade, isto é, agrupamento qualitativo de singularidades, então talvez se possa ver na individualidade, e mesmo na solidão que a acompanha, um modo de viver em que cada um expressaria singularmente a comunidade.
Esse indivíduo comunitário que faz da solidão interior o impulso maior para a experiência solidária tem sido raramente detectado na história, embora idealizado a partir de esperanças religiosas e políticas. Se sua possibilidade for apenas sonho, certamente não há muito que esperar do futuro da humanidade.
Por Franklin Leopoldo e Silva
Franklin Leopoldo e Silva é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e autor de Descartes – A metafísica da modernidade (Editora Moderna, 1994), Bergson – Intuição e discurso filosófico (Loyola, 1994) e Ética e Literatura em Sartre (Unesp, 2004)
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