terça-feira, novembro 22, 2005

Sua vida não me pertence.

Já havia escolhido o título acima e o tema da coluna de hoje quando me deparei com o (sempre) excelente artigo do psicanalista Contardo Caligaris na Folha. Mestre na arte de perceber as mais delicadas nuances que envolvem o ser contemporâneo e seus emaranhados de emoções e relacionamentos, Caligaris afirma, já no título de seu texto: "Melhor não conhecer quem você ama".

Paradoxal, contraditória, inexplicável em princípio, a afirmação se justifica plenamente no desenvolver do raciocínio, inspirado no novo livro da americana Laura Kipnis, ("Contra o amor, uma Polêmica"), ela também estudiosa dessa maquininha de criar encrenca que somos nós.

Lá pelas tantas, Caligaris dispara: "Não sei se existem formas de convivência íntima capazes de evitar que o parceiro se torne tristemente familiar. (.) Queremos o impossível: a transparência recíproca e ao mesmo tempo a preservação daquela aura misteriosa."

Aqui é que entra o título desta coluna e minha intenção de apontar o grande equívoco que se estabelece nos relacionamentos em que ambos buscam, querem e/ou precisam que o outro lhe "pertença", mesmo que para isso seja necessário sacrificar a intimidade ou a tal aura.

Obviamente é fácil criticar da "boca pra fora", porque se há alguma coisa que tradicionalmente surge e se estabelece concomitante ao que se covencionou chamar de paixão é justamente esse desejo de posse, de apego . Às vezes antes mesmo que o desejo sexual. Ambos no entanto com um mesmo fator determinante: o exercício do poder.

Não, sua vida não me pertence, vá em frente em seu vôo errante e brilhe muito para que eu possa admira-te tal e qual uma borboleta ao sol, diria o amante mais apaixonado. Diria nada!

Esse amante vai querer mais é que o objeto de sua paixão brilhe, sim, vôe, sim, mas exclusivamente para ele, para seu deleite, para seu consmo próprio. O mundo, a individualidade, os anseios do outro que se danem, porque sou eu que devo bastar. Caso contrário, qual será meu papel nesta relação, neste mundo, nesta vida de desejos contraditórios?

A armadilha é tão comesinha quanto empobrecedora dos relacionamentos ditos modernos. No jogo das ilusões e satisfações perdidas em meio à pressa e ao estresse de todo dia, cada um coloca suas fichas na mesa e tenta, na aposta dos sentimentos, conquistar o cacife do outro. Em geral, ambos acabam perdendo.



Luiz Caversan, 50, é jornalista. Foi repórter especial e diretor da Sucursal do Rio da Folha. Escreve crônicas sobre cultura, política e comportamento aos sábados para a Folha Online.

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