sexta-feira, novembro 04, 2005

Thurston Moore exprime arte do barulho

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL


"A vanguarda é um rio um pouco mais profundo", compara Thurston Moore. Ele está falando de música -de música pop e do rock não-convencional, como o feito pelo Sonic Youth, banda na qual é vocalista e guitarrista.
Moore e o grupo vêm pela segunda vez ao Brasil, agora como atração do festival Claro que É Rock.
Por telefone, ele falou à Folha sobre vanguardas, arte e política.


Folha - O Sonic Youth tocou no Brasil em 2000. Naquele ano, Bill Clinton era o presidente dos EUA, Eminem era o popstar mais falado e o Napster corria solto. Hoje Bush é o presidente, Strokes e White Stripes ganham as notícias e o iTunes chegou para tentar legalizar o mercado on-line de música. As coisas melhoraram ou pioraram?
Thurston Moore - Bem, ficaram piores com Bush, melhores com o iTunes e acho que na mesma em relação a Eminem e Strokes.

Folha - A maioria dos artistas norte-americanos mostra-se contra George W. Bush, mas a visão que se tem dos EUA é a de que o norte-americano é muito conservador...
Moore - Os EUA hoje estão divididos. Muita gente acredita na conversa dura de Bush, mas há a parte do país progressista, que encara Bush como um... criminoso [risos]. É isso o que acho dele, uma caricatura, um criminoso de guerra. Na eleição do ano passado, realizamos um concerto anti-Bush em Washington, com bandas amigas como Wolf Eyes...

Folha - Você acha que pode mudar a opinião das pessoas? Acha que um fã de rock é influenciado pelo que um músico diz?
Moore - Não acho que posso mudar a opinião de alguém, mas acho que posso encorajar alguém a pensar de forma diferente. A maioria das pessoas não é realmente articulada em relação à política, e os políticos, principalmente os republicanos, querem que a população seja estúpida, que não saiba o que acontece. No Sonic Youth, tentamos expressar nossas idéias, mas prefiro não entrar em debates. Gosto de deixar claro as minhas posições, de adicionar a minha voz. Isso funciona psicologicamente, saber que há mais gente que não concorda com essa administração, com conceitos baseados em guerra, ganância e medo. Certamente não escrevemos canções politicamente dogmáticas ou manifestos, mas deixamos claro que não concordamos com muitas coisas.

Folha - Nos anos 80, dizia-se que o Sonic Youth era uma banda de vanguarda. Ainda considera o Sonic Youth como vanguarda? Ainda há sentido em chamar algo de vanguarda no século 21?
Moore - Sim, ainda acho que é possível. Sempre fui fascinado pelo que ficou conhecido como vanguarda, pessoas que trabalhavam à margem do mainstream. Mas a avant-garde é como... é como punk-rock: se você tiver de dizer que é punk, quer dizer que você não é. Se você tiver que provar que é vanguarda, é porque você não é. Vanguarda são pessoas que naturalmente criam arte que desafia normas, é muito mais excitante e intrigante ver pessoas trabalhando em formas artísticas não-convencionais. Gosto de música pop tanto quanto qualquer um, mas dou mais valor para um artista vanguardista. Mas não levanto a bandeira da vanguarda, nunca diria que somos melhores do que os artistas pop.

Folha - Sua banda toca com guitarras, baixo e bateria. Mas o quão longe dá para ir apenas com guitarras, baixo e bateria?
Moore - Isso tem a ver com a questão anterior: como permanecer na vanguarda trabalhando com meios já estabelecidos? Para mim, é isso o que faz algo avant-garde: ser capaz de criar a partir de algo já estabelecido e o resultado fugir dos padrões. A formação guitarra, baixo e bateria é o principal modelo de rock, e eu cresci gostando de bandas com esse modelo, como Stones, Sex Pistols, Ramones, Television... Mas, fora do Sonic Youth, tenho outros projetos, com equipamentos eletrônicos. Não estou preso a isso.

Folha - Praticamente todos dentro do Sonic Youth têm interesses artísticos fora da banda...
Moore - Sim, isso tem a ver com o fato de termos crescido em Nova York nos anos 70, num ambiente que tinha a idéia de que arte era qualquer coisa que você criasse. Quando o punk começou, já me interessava pela Factory, por tudo o que cercava Andy Warhol, pinturas, poesias, música. Você não precisava escolher uma disciplina, embora a maioria das pessoas escolhesse uma disciplina; você podia simplesmente criar. Gostava muito daquilo, pois uma hora queria ser poeta; depois, músico; depois, artista plástico. Pensava: "Por que tenho que escolher entre um e outro? Por que não posso ser tudo isso?".

Folha - O Sonic Youth foi uma das primeiras bandas a disseminar o noise, o barulho feito com guitarras. Hoje isso é quase lugar-comum. Como saber quando um barulho é arte e não apenas barulho?
Moore - Você consegue saber quando uma banda encara o barulho como uma forma de música e não apenas algo para se diferenciar. Quando começamos, um dos processos era: "OK, vamos escrever uma canção em que a baqueta da bateria bate nas cordas da guitarra, depois vou usar a baqueta dessa forma, você pode fazer isso, Lee [Ranaldo, outro guitarrista], você mexe no amplificador dessa forma, eu falo algumas palavras, vou cantar e chamaremos isso de canção". E claro que é uma canção, essa era a nossa intenção. Penso em pedaços de barulhos como partes integradas das canções, em vez de algo excêntrico que se adiciona a uma música. A intenção, e acho que chegamos perto disso com o último disco, sempre foi apagar a linha que separa a composição musical e o noise. Além disso, o que é noise? Pode ser qualquer coisa. Britney Spears é noise...

Folha - Como se sente ao completar 25 anos de banda?
Moore - É uma sensação boa. Nunca me senti cansado com a banda, sempre acho que estamos começando, com idéias novas aparecendo. Nunca tivemos um grande hit, então as pessoas não esperam que soemos de uma maneira predeterminada. Quando escuto nossos álbuns antigos, sei que nunca conseguiria escrever algo parecido, pois é como se eu fosse outra pessoa. Em discos como "Dirty" ou "Goo", ou canções como "Kool Thing", as gravadoras imploravam para escrevermos mais músicas como aquelas. Entendo por que queriam aquilo, mas não iríamos nos vender.

Folha - O que tocarão no Brasil?
Moore - Um pouco de tudo. Músicas velhas, novas, coisas que vocês nunca ouviram. Depende de quanto tempo teremos no palco.

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